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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1.1. Função e uso do livro didático

Mesmo ao longo de tantas transformações na sociedade, o LD cumpre diversas funções no processo de ensino-aprendizagem. Os usos variam para cada professor, há aqueles que os utilizam de forma complementar ao ensino (quando se busca diferentes exercícios e imagens); ou como instrumentos para gestão das aulas, do planejamento escolar, e do currículo. Diversas pesquisas apontam quais os principais usos e papéis que este importante instrumento ocupa no espaço escolar.

Segundo Seguin (1989) os LD apresentam-se aos professores como uma coleção de conhecimentos organizados, estabelecendo o roteiro de trabalho anual e diário ao constituir as atividades na sala de aula, e ainda ocupa os alunos durante horas extraclasse. Para Gerard e Roegiers (1998) os LD podem ter seis funções essenciais: transmissão de conhecimentos; desenvolvimento de capacidades e de competências; consolidação das aquisições de aprendizagem; avaliações das aquisições; ajuda na integração das aquisições; e educação social e cultural. Em suma, o LD contém

referências didáticas e de conteúdo para o professor que procura completar as suas informações científicas e pedagógicas.

Na França, Metoudi e Duchauffour (2001, apud JUNIOR; REGNIER, 2008) apontam que os professores utilizam o livro didático como complemento do curso ministrado ou para a resolução de exercícios.

Textos didáticos podem construir “de diferentes modos a relação entre os alunos e os objetos de conhecimento, entre os professores e seus alunos, entre o professor e sua prática de ensino” (BATISTA, 2002, p. 566). Desta forma, eles servem como organizador do trabalho de ensino do professor; complemento ao aprendizado do aluno; referência às atividades escolares; instrumento de consulta ou de acesso a documentos textuais e iconográficos.

O LD, ao reunir o conteúdo em unidades/capítulos, atua como suporte ao conhecimento e na preparação de aulas, além de auxiliar o aluno. Desta forma, WUO (2002) afirma que o mesmo atua como um mediador entre o saber científico, que seria a referência, e a matéria transposta didaticamente para o ensino em sala de aula. Este autor ainda afirma que:

Com um caráter disciplinante, e conforme a “lógica” que o orientou, o livro didático organiza os dados, ordena as atividades pedagógicas, pode sugerir atividades complementares, apresentar soluções variadas e estimuladoras que favoreçam uma aprendizagem mais criativa, trazendo situações do cotidiano, explicações de fenômenos interessantes, apresentação de tópicos mais avançados, resolução de problemas mais elaborados, etc. (WUO, 2002, p.164). Gerard e Roegiers (2003, apud JUNIOR; REGNIER, 2008) abordam quatro funções complementares para os livros didáticos: (i) formação científica e geral que oferece aos professores o saber propriamente dito; (ii) formação pedagógica na sugestão de diferentes metodologias de trabalho; (iii) ajuda na gestão de um curso fornecendo numerosos instrumentos que permitem melhorar a aprendizagem; e (iv) ajuda à avaliação, ao permitir explicitar os erros e de propor vias de melhoria.

Megid Neto e Fracalanza (2003) investigaram o uso que professores alegavam fazer do LD em suas práticas, concluindo que os mesmos os fazem de acordo com três diferentes funções. Em (i) planejamento, os professores utilizam várias coleções didáticas para elaborar o planejamento anual ou preparar aulas ao longo do ano letivo. Em (ii) recurso de apoio, são utilizados textos, exercícios, outras atividades, imagens, fotos, desenhos, gráficos em atividades de ensino-aprendizagem em sala de aula ou extraescolares. E por fim (iii) fonte bibliográfica, em complemento à sua formação ou em pesquisas escolares realizadas pelos alunos.

Bittencourt (2004) destaca a importância deste recurso como um instrumento de tradição escolar.

Choppin (2004), além de diferenciar os conceitos de manual escolar e livro didático relaciona quatro funções específicas do livro didático. A primeira função, referencial (curricular ou programática), indica que o livro se constitui num fiel tradutor dos programas de ensino e depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que sejam consideradas necessárias para se transmitir a outras gerações. A segunda função, instrumental, propõe métodos para resolução de problemas; aquisição de habilidades, exercícios para facilitar a memorização dos conhecimentos e etc. Na terceira função, ideológica e cultural, o livro é considerado “vetor essencial da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes” e instrumento para a construção da identidade. E na quarta função, documental, o livro é instrumento para armazenamento de documentos textuais, literais ou icônicos possíveis de desenvolver o senso crítico dos alunos.

O LD assume diferentes funções como, por exemplo, direcionador do currículo; material de apoio ao professor/aluno; fonte de informação e de pesquisa; organização dos métodos de ensino, e mediador entre os diferentes saberes que constituem os conteúdos escolares. (SELLES, FERREIRA, 2004).

No contexto do ensino de matemática, Assude e Maolinas (2005) abordam que utilizando o livro didático, o professor possui uma quádrupla aprendizagem: elementos a serem ensinados; elementos lógicos subjacentes, atividades e suporte à condução da aprendizagem dos alunos, correlato à função de currículo apontada por outros autores.

Bruillard (2005) e Silva Junior (2005) apontam que o LD se constitui como um recurso que pode fornecer ajuda teórica, base de sugestões pedagógicas, informações científicas em geral, formação pedagógica ligada à disciplina, gestão das lições, e ajuda na avaliação das aquisições. Os autores ainda afirmam que, em geral, este uso é presente quando o professor não se sente especialista na disciplina abordada na classe.

Para Santos e Carneiro (2006) os LD podem assumir essencialmente três grandes funções: (i) de informação, (ii) de estruturação e organização da aprendizagem e, finalmente, (iii) a função de guia do aluno no processo de apreensão do mundo exterior (que pode induzir uma atividade livre e criativa ou a simples imitação de modelos de apreensão do real).

Junior e Regnier (2008) analisaram as funções e o uso do LD de matemática no contexto brasileiro e francês, segundo os autores o LD também assume três funções: (i) ferramenta de utilização didática/profissional, onde o livro atua como um recurso na

preparação das aulas, avaliações e condução da aprendizagem; (ii) formação complementar, o LD seria o currículo praticado/a ser seguido pelos professores, fonte de informações científicas para auto formação, e por último (iii) formação profissional, o LD como um instrumento que o professor pode contar buscando tratar as consequências de uma formação inicial deficiente.

O livro didático cumpre também o papel de apresentar os saberes a serem ensinados de forma organizada, diferente da produção acadêmica, permitindo às novas gerações a comunicação com o conhecimento científico. (BAGANHA, 2010)

Segundo Quesado (2012), o LD ao fornecer orientação ao professor e ao aluno nas diversas organizações do ensino, é considerado como um referencial para a construção do currículo escolar.

Figueiredo (2017) pesquisando as ações de uma professora frente ao uso de um LD, afirma que no contexto analisado ele teve papel de “norteador da prática pedagógica”, ocupando um lugar de destaque, pois as atividades foram pensadas e dirigidas de acordo com os propósitos do LD, mesmo em atividades complementares os exemplares assumiam o papel de material de apoio e consulta.

Em suma, as pesquisas mostram que os LD podem assumir diferentes funções, no quadro 1 são resumidas aquelas apontadas no texto.

Quadro 1 – As principais funções dos LD nas práticas pedagógicas

Função Fonte

Norteador da prática pedagógica Figueiredo (2017) Referencial para currículo escolar Quesado (2012) Apresentar o conhecimento cientifico Baganha (2010) Formação profissional Silva Junior e Regnier

(2008) Formação complementar

Ferramenta de utilização didática/profissional

Informação Santos e Carneiro

(2006) Estruturação e organização da aprendizagem

Guia do aluno no processo de apreensão do mundo exterior

Base de sugestões pedagógicas Bruillard (2005) e Silva Junior (2005) O que ensinar, como ensinar Assude & Maolinas

(2005) Direcionador do currículo, material de apoio/informação,

organizador de métodos e mediador dos saberes escolares

Selles e Ferreira (2004) Referencial Choppin (2004) Instrumental Ideológica e cultural Documental

Comunicação, produção e transmissão de conhecimentos Bittencourt (2004)

Planejamento Fracalanza e Megi

Neto (2003) Recurso de apoio

Fonte bibliográfica

Mediador entre o saber científico e aquele a ser ensinado Wuo (2002) Construidor de relações no ambiente escolar, Batista (2002)

Complemento às aulas Metoudi e

Duchauffour (2001) Transmissão de conhecimentos Gerard e Roegiers

(1998) Desenvolvimento de capacidades e de competências

Consolidação das aquisições de aprendizagem Avaliações das aquisições

Ajuda na integração das aquisições Educação social e cultural

São numerosos os usos relacionados no quadro 1, porém, uma leitura mais apurada permite agrupá-los em algumas funções principais, nas quais todas as apontadas pelos pesquisadores encaixam-se, são elas:

I. Currículo: o LD é entendido como um exemplar do currículo que se pretende

implantar no espaço escolar, ele pode ser determinado pelos documentos orientadores de ensino no domínio público, ou ainda pela concepção pedagógica de colégios particulares que transmitem às páginas dos LD o que deve ser ensinado e como ensinar, nesse sentido o livro orienta os métodos de ensino, a forma que se avalia, e os objetivos de aprendizagem ao longo de um capítulo ou ano. A noção de currículo nesses casos é de aplicação dos conteúdos determinados oficialmente.

II. Referencial do conhecimento: o conteúdo apresentado no LD pode significar o

professor respalda-se no intento de diminuir deficiências da sua formação ou um recurso de pesquisa extraclasse aos alunos.

III. Recurso de apoio: o professor não o utiliza da primeira à última página ao longo

do ano letivo, mas sim em momentos pontuais. São usados exercícios, imagens, propostas de atividades diferenciadas e diferentes avaliações em mudança da prática escolar.

IV. Instrumento cultural: quando se compreende que nas páginas do LD é apresentado

o “mundo externo” ao aluno, aquele do qual se quer ensinar/aprender. Nesse sentido ele pode ser um “vetor essencial da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes” (CHOPPIN, 2004, p. 553), e auxilia no desenvolvimento de habilidades e competências.

Especificamente sobre o uso dos livros de ciências e de química, Schnetzler (2010, p. 159) comenta:

[...] os professores de Ciências/Química geralmente atuam como transmissores mecânicos de conteúdos de livros didáticos, não se envolvendo com práticas inovadoras e repassando aos alunos fatos, informações, conceitos de maneira assistemática e descontextualizada histórica e socialmente.

Os professores o fazem assim desconsiderando que o livro de ciências é constituído como representante da comunidade científica no contexto escolar. Representar a comunidade científica é trazer para a sala de aula as ciências naturais para que o aluno compreenda e explique o mundo em que vive. (NÚÑEZ et al., 2003).

Nesse processo, Núñez e colaboradores (2003, p.3) ainda complementam que: É nele que as ciências devem dialogar com outros tipos de saberes, como uma obra aberta, problematizadora da realidade, que dialoga com a razão para o pensamento criativo. Nele a Ciência se deve apresentar como uma referência fruto da construção humana, sócio historicamente contextualizada, na dinâmica do processo que lhe caracteriza como construção, e não como um produto fechado, como racionalidade objetiva única que mutila o pensamento das crianças.

O conhecimento apresentado aos professores e seus alunos pelos LD de Ciências “situa-se entre uma versão adaptada do produto final da atividade científica e uma versão livre dos métodos de produção do conhecimento científico” (FRACALANZA; MEGID NETO, 2003, p. 154). Nesse sentido, o conteúdo apresentado, infelizmente, coloca o conhecimento cientifico como produto acabado, verdade absoluta que não se vincula ao contexto histórico e sociocultural e, portanto, é elaborado por pessoas privilegiadas isentas de ideologias e interesses políticos e econômicos (AMARAL; MEGID NETO, 1997) e mais, realçam o método empírico-indutivo em detrimento da apresentação da

diversidade de métodos na construção histórica do conhecimento científico. (PRETTO, 1985; FRACALANZA, 1993; BRASIL, 1994; AMARAL et al. 1999).

Em uma constatação também alarmante, Fracalanza e Megid Neto (2003) destacam o fato de que, mesmo havendo todas as pesquisas e processos de avaliação da qualidade dos LD, ocorre uma padronização dos LD utilizados, e salvo raras exceções, apresentam conteúdos idênticos, com sequências e exemplos bastante semelhantes e atividades/sugestões similares. Os autores apontam então algumas alternativas e possiblidades para minimizar as consequências do uso de tais livros, classificados pelos autores como de baixa qualidade: a) Investimento na divulgação dos diversos estudos e pesquisas disponíveis, para que as discussões sobre as deficiências dos LD sejam aprofundadas e assim a produção de novos recursos (ou diferentes maneiras de uso dos recursos disponíveis) sejam estimuladas; b) Produção de livros paradidáticos e c) Reedição de projetos curriculares de ensino, levando-se em consideração os inúmeros projetos alternativos existentes.

3.2. As reações redox

Dans la nature, rien n'est créé, rien n'est perdu, tout est transformé.

Antoine Laurent de Lavoisier

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