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A função e importância dos Guardas Prisionais no sistema prisional Português

A construção da identidade do Guarda Prisional enquanto pessoa, e perante as novas exigências e adversidades que caracterizam o sistema prisional, são um processo de compreensão do contexto em que se encontra. O sucesso desta actividade encontra-se na tomada preditiva de acções que influenciam a conduta integra e disciplinada do guarda. Mas o guarda antes de se tornar guarda era - e é - um humano, como adulto formatado para uma sociedade com questões pessoais e vivências próprias, o guarda deixa de ser quem é para se tornar aquilo que necessita de ser para alguém - o recluso. Esta prática é complexa, pois cada recluso é diferente, há evoluções e mudanças frenéticas que necessitam de ser observadas e registadas. O registo da mudança que se atravessa é importante, pois à posteriori, na formação permanente do guarda estas mudanças devem ser incutidas, devem ser adaptadas à diversidade da população reclusa, à sua mutabilidade.

O guarda tem um desenvolvimento pessoal próprio que deve ser compatível com o restante grupo profissional, mas será espectável que um conjunto de pessoas actuem da mesma forma? Assistimos a uma nova dimensão, um profissional que foi formado, sabe o seu papel dentro do sistema prisional, mas age com base na sua identidade, e simultaneamente constrói-se um ser solitário. Esta é uma profissão de sentidos, que influenciam na tomada de decisão dentro de uma mescla de funções que o exercício do GP a os obriga. Funções físicas e psicológicas, mas grande parte das vezes monotónicas (Gonçalo et al, 2010)87. O guarda vigia, guia, encaminha, relata e aconselha.

A panóplia de funções (Lopez-Coira, 1992)88 de um guarda revela a importância de uma aprendizagem diversificada, evidencia a importância do saber escolher, do saber gerir estratégias, que perante situações idênticas culminem numa tomada de decisão de forma idêntica entre o grupo de guardas prisionais. Contudo, no momento do aconselhar o recluso, haverá uma pessoalização da escolha das palavras que

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GONÇALO, H. el al; Stresse ocupacional em forças de segurança: Um estudo comparativo (versão electrónica). Análise Psicológica, 28, 165-178, 2010

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LOPEZ-COIRA, M. M.;. “Reclusos y guardianes: La prision como contexto”, in J. Barroso e R. A. Gonçalves (Eds.), Psicologia e intervenção social de justiça, Porto, APPORT, pp. 69-90, 1992

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inevitavelmente reflectem o passado, presente e o conjunto de experiencias vividas pelo guarda.

A multiplicidade de papéis de um guarda prisional deve ser discutida e reformada. O sistema prisional viciado estagnou e deve ser reparado através de medidas que respondam às mudanças sociais e institucionais. A sua actividade é desenvolvida num ambiente fechado, junto de uma comunidade que se vê privada da liberdade pelos mais diversos motivos. Não iremos debruçar-nos neste trabalho sobre a luta reivindicativa que esta classe de profissionais tem desenvolvido, nomeadamente no que se refere a questões salariais, progressão na carreira, apoio psicológico, condições físicas de trabalho, escassez de meios colocados ao seu dispor para lidar com o crescendo de reclusos, entre outras. Centraremos a nossa análise crítica na formação profissional destes agentes de autoridade.

Sendo os guardas prisionais a população funcionária mais numerosa e que mais trabalha perto do recluso, no que diz respeito à profissão do agente prisional, importa apresentar algumas considerações fundamentais. Comecemos por analisar a forma como na Idade Média funcionava esta tarefa. De facto, a profissão de carcereiro representava- se como tarefa de risco, uma vez que lidavam com gente perigosa, e ao mesmo tempo, quando houvesse situações inesperadas, como a fuga do condenado, estes respondiam pelos seus crimes. Assim como, as mulheres e os filhos dos carcereiros poderiam ajudar a guardar os reclusos na ausência do carcereiro. Todavia, e muitas vezes, em regiões com poucos habitantes não se justificava ter carcereiros sendo então o preso guardado por um camponês89.

Só apenas no ano 1888 surge o nascimento da profissão de Guarda Prisional, através do Regulamento Provisório da Cadeia Geral Penitenciária (actual Estabelecimento Prisional de Lisboa)90. Neste regulamento é definida a hierarquia das categoria e funções, onde: a) O Chefe de Guardas que estava às ordens imediatas do subdirector do estabelecimento, o qual era substituído em caso de ausência ou impedimentos. Este enquanto policia tinha como funções manter a disciplina da cadeia, fazendo executar todas as disposições regulamentares no que dizia respeito à ordem disciplinar, vestuário e limpeza, quer dos reclusos quer dos subalternos, zelando pela segurança e relatando diariamente ao subdirector o desempenho dos diversos serviços e das ocorrências extraordinárias; b) Os Guardas de 1ª Classe, que subordinados ao Chefe

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DUARTE, Luis Miguel Justiça Criminal no Portugal Medievo 90

Regulamento Provisório da Cadeia Geral Penitenciária de 1888 – Districto da Relação de Lisboa, aprovado por Decreto de 20 de Novembro de 1884

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de Guardas tinham como principal tarefa dirigir o serviço dos guardas de 2ª classe, assegurar o serviço económico e higiénico do estabelecimento, vigiar os reclusos e os guardas subalternos mantendo a ordem e disciplina; c). Os Guardas de 2ª Classe, que estavam às ordens do Chefe de Guardas e dos Guardas de 1ª Classe, sendo-lhes distribuídos os serviços pelo Director e Subdirector.

No ano de 1969 os carcereiros são integrados no quadro único dos guardas prisionais, com a categoria de guardas auxiliares e conservando os direitos e as regalias que usufruíam, excepto o de residência em casa do estado. Na década de oitenta do Segundo Correia (1988, pp. 29-35)91, no século XX, os guardas prisionais eram os valores maiores do sistema prisional - “a pedra angular sobre que terá de assentar o edifício penitenciário”.

As permanentes mudanças do sistema prisional ocasionaram o tardamento do reconhecimento pleno da profissão de GP. O papel importante do carcereiro, que mais tarde se vem a denominar por GP, apesar de já muito discutido por conhecedores da realidade do sistema prisional, continua a não ser tido como um pilar fundamental para o bom funcionamento destes espaços, até mesmo, de todo o sistema prisional.

As estatísticas mais recentes confirmam a existência de 4141 guardas prisionais, enquanto o quadro geral das prisões previa a existência de 5217 guardas, mas após a sua revisão que, desde Janeiro de 2015, com a entrada em vigor do novo estatuto profissional, passou a contemplar apenas 4903 profissionais. Uma decisão da DGSP que o sindicato classificou de “irresponsável” pois seria esperado aumentar o número de guardas, dado o crescimento do número de reclusos ao longo do ano, mas optou-se por reduzir.