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Os sistemas dinâmicos ocorrem no mundo real e têm como objectivo perceber a evolução de um sistema ao longo do tempo, por exemplo, através da natureza das órbitas (identicando o conjunto de órbitas que são periódicas, eventualmente periódicas, ...). Mas, geralmente, esta tarefa é difícil, se não impossível. Por exemplo, se f(x) é polinomial de grau 2 então encontrar explicitamente os pontos periódicos de período n leva à resolução da equação (f ◦ f ◦ ... ◦ f)(x) = x, que é uma equação polinomial de grau 2n.

Nesta secção o principal objectivo é compreender as órbitas da família de funções Fµ(x) = µx(1−x)

(funções quadráticas) no intervalo I = {x : 0 ≤ x ≤ 1}, ou seja, dada a função Fµ(x) e um valor

inicial x0, queremos perceber o que acontece à sequência

(x0, f (x0), f (f (x0)), ...)

para os diferentes valores de µ. Contudo, apesar da sua aparente simplicidade, esta função ilustra muitos dos mais importantes fenómenos que ocorrem nos sistemas dinâmicos.

No entanto, num primeiro momento pode-se suspeitar que a iteração de Fµ(x) num dado valor

inicial corresponde a uma sequência que converge para um limite xo, mas a função Fµ(x)leva a

resultados imprevisíveis quando iterados.

Note-se que a sequência (x0, f (x0), f (f (x0)), ...)ao longo desta secção é designada por

(x0, f (x0), f2(x0), ..., fn(x0), ...).

Denição 1.5.1 A órbita futura de x pela função f é o conjunto de pontos x, f(x), f2(x), ...,

O gráco de uma função f tem informação acerca da primeira iteração de f e podemos analisá-lo de modo a ver o que vai acontecer em iterações mais elevadas. Assim, identicamos a diagonal ∆ = {(x, x) : x ∈ R} e marcamos um ponto de abcissa x0. De seguida, traçamos uma linha vertical

desde (x0, 0)até ao gráco de f, ou seja, até ao ponto (x0, f (x0))e uma linha horizontal do ponto

(x0, f (x0))até ∆, ou seja, até ao ponto (f(x0), f (x0)). Em seguida, tracemos a linha vertical desde

(f (x0), f (x0))até ao gráco de f, ou seja, até ao ponto (f(x0), f2(x0)).

A gura seguinte ilustra este processo para a função Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 1.

Denição 1.5.2 x é um ponto xo de f se f(x) = x. Denotamos o conjunto dos pontos xos por F ix(f).

Exemplo 1.5.3 Seja Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 1.

Pontos xos de Fµ: Fµ = x µx(1 − x) = x µx(1 − x) − x = 0 x[µ(1 − x) − 1] = 0 x = 0 ∨ µ(1 − x) − 1 = 0 x = 0 ∨ µ − µx − 1 = 0 x = 0 ∨ µx = µ − 1 x = 0 ∨ x = µ − 1 µ . Logo, Fµ tem dois pontos xos, o 0 e pµ= µ−1µ .

Denição 1.5.4 x é um ponto periódico de f de período r se fr(x) = x. O menor r positivo

para o qual fr(x) = x é designado o período primário de x. Denotamos o conjunto dos pontos

Exemplo 1.5.5 Seja Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 1.

Pelo exemplo 1.5.3 temos que Fµ tem dois pontos xos, o 0 e pµ = µ−1µ . Logo, 0 é um ponto

periódico de período 1 de Fµ, uma vez que Fµ(0) = 0, e pµ é um ponto periódico de período 1 de

Fµ pois Fµ(pµ) = pµ.

Denição 1.5.6 x é um ponto crítico de f se f0(x) = 0. O ponto crítico é não degenerado

se f00(x) 6= 0, e é degenerado se f00(x) = 0.

Denição 1.5.7 Seja p um ponto periódico de período n. O ponto p é hiperbólico se |(fn)0(p)| 6=

1. O número (fn)0(p)é chamado o multiplicador do ponto periódico.

Exemplo 1.5.8 Seja Fµ(x) = µx(1 − x) com µ > 1. Pelo exemplo 1.5.5 temos que 0 e pµ são

pontos periódicos de período 1. Em seguida, calculemos F0 µ(x). Fµ0(x) = [µx(1−x)]0= µ[x0(1−x)+x(1−x)0] = µ[(1−x)+x(−1)] = µ(1−x−x) = µ(1−2x) = µ−2µx. Portanto, F0 µ(0) = µ − 2µ × 0 = µe Fµ0(pu) = µ − 2µ × u−1µ = µ −2µ 2−2µ µ = µ − 2µ + 2 = 2 − µ.

Logo, 0 é um ponto hiperbólico pois |Fµ(0)| = |µ| > 1 e pµ é também um ponto hiperbólico para

1 < µ < 3uma vez que |F0

µ(pµ)| = |2 − µ| 6= 1.

No que se segue, consideremos f uma função de classe C1.

Proposição 1.5.9 Seja p um ponto hiperbólico xo com |f0(p)| < 1. Então existe um intervalo

aberto U sobre p tal que se x ∈ U, então limn→+∞fn(x) = p.

Demonstração da Proposição 1.5.9

Como f é de classe C1 existe ε > 0 tal que |f0(x)| < A < 1para x ∈ [p − ε, p + ε] e algum A < 1.

Pelo Teorema do Valor Intermédio, temos que:

|f (x) − p| = |f (x) − f (p)| ≤ A|x − p| < |x − p| ≤ ε

Logo f(x) está contido em [p − ε, p + ε] e, de facto, está mais proximo de p do que x. Analogamente, |fn(x) − p| ≤ An|x − p|, pelo que fn(x) → pquando n → +∞.



Proposição 1.5.10 Seja p um ponto periódico de período r. Se |(fr)0(p)| < 1então existe U que

contém p tal que limn→+∞(fr)n(x) = p.

Demonstração da Proposição 1.5.10

Pelo Teorema do Valor Intermédio, temos que:

|fr(x) − p| = |fr(x) − fr(p)| ≤ A|x − p| < |x − p| ≤ ε

Logo fr(x)está contido em [p − ε, p + ε] e, de facto, está mais proximo de p do que x.

Analogamente, |(fr)n(x) − p| ≤ An|x − p|tal que (fr)n(x) → pquando n → +∞.

 O resultado anterior conduz-nos à denição seguinte.

Denição 1.5.11 Seja p um ponto periódico hiperbólico de período n com |(fn)0(p)| < 1. O ponto

pé chamado um ponto periódico atractor (ou poço).

Denição 1.5.12 Um ponto xo p com |f0(p)| > 1é chamado um ponto repulsor (ou fonte).

Exemplo 1.5.13 Seja Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 1.

Pelo exemplo 1.5.8 temos que 0 é um ponto xo com |f0(0)| > 1, logo é um ponto xo repulsor

para µ > 1. Já pµ é um ponto xo atractor para 1 < µ < 3, pois para 1 < µ < 3 temos que pµ é

um ponto periódico hiperbólico com |f0

µ(pµ)| < 1. Proposição 1.5.14 Seja Fµ(x) = µx(1 − x). 1. Fµ(0) = Fµ(1) = 0 e Fµ(pµ) = pµ onde pµ= µ−1µ . 2. 0 < pµ< 1 se µ > 1. Demonstração da Proposição 1.5.14 1. Seja Fµ(x) = µx(1 − x).

Em primeiro lugar provemos que Fµ(0) = Fµ(1) = 0. Assim, temos que:

Fµ(x) = 0 ⇔ µx(1 − x) = 0 ⇔ µx = 0 ∨ 1 − x = 0 ⇔ x = 0 ∨ x = 1

Logo, Fµ(0) = Fµ(1) = 0 (e Fµ(x) = 0 ⇒ x = 0 ∨ x = 1). Pelo exemplo 1.5.3 temos Fµ(pµ) = pµ

onde pµ= µ−1µ . 2. Seja Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 1 e pµ= µ−1µ = 1 − 1 µ. Como 0 < 1 µ < 1, vem que: 0 > −1 µ > −1 1 + 0 > 1 − 1 µ > 1 − 1 1 > 1 − 1 µ > 0 0 < 1 − 1 µ < 1. Logo, 0 < pµ< 1. 

Proposição 1.5.15 Seja Fµ(x) = µx(1 − x)com 1 < µ < 3.

1. Fµ tem um ponto xo atractivo em pµ=µ−1µ e um ponto xo repelente em 0.

2. Se 0 < x < 1 então limn→∞Fµn(x) = pµ.

Demonstração da Proposição 1.5.15

1. Já foi demonstrado nos exemplos 1.5.3 e 1.5.13.

2. Em primeiro lugar vemos o caso em que 1 < µ < 2, onde temos a seguinte gura.

Com base na gura podemos notar que: ·se x está no intervalo 0,1 2  , |Fµ(x) − pµ| < |x − pµ|se x 6= pµ, logo Fµn(x) → pµquando n → ∞; · se x está no intervalo 1 2, 1  então F

µ(x) está em 0,12, pelo que o argumento anterior implica

Fµn(x) = F (n−1)

µ (Fµ(x)) → pµ quando n → ∞.

De seguida, vemos o caso em que 2 < µ < 3, onde temos a seguinte gura.

· p0

µ é o único ponto no intervalo 0, 1 2

que é enviado para p

µ por Fµ;

· o intervalo [p0

µ, pµ] é enviado para o intervalo 12, pµ

 por F2

µ, portanto Fµn(x) → pµ quando

n → ∞ ∀x ∈ [p0µ, pµ];

·para 0 < x < p0

µ existe k > 0 tal que Fµk(x) ∈ [p0µ, pµ], logo Fµn(Fµk(x)) → pµ quando n → ∞;

·se x ∈ [pµ, 1], Fµ(x) ∈ [0, pµ]e então limn→∞Fµn(x) = limn→∞F (n−1)

µ (Fµ(x)) → pµ.

Assim, limn→∞Fµn(x) = pµ quando 2 < µ < 3.

Por m, vemos o caso em que µ = 2.

Neste caso, pela alínea 1 desta proposição podemos concluir que pµ = 12. E com base na gura

podemos notar que:

·para 0 < x < pµ vem que Fµn(x) → pµ quando n → ∞;

·para x ∈ [pµ, 1], existe k > 0 tal que Fµk ∈ [0, pµ], logo Fµn(Fµk(x)) → pµ quando n → ∞.

Assim, limn→∞Fµn(x) = pµ quando µ = 2.

Logo, limn→∞Fµn(x) = pµ∀x ∈]0, 1[quando 1 < µ < 3. 

Portanto, para 1 < µ < 3, Fµtem apenas dois pontos xos e todos os outros em I = {x : 0 < x < 1}

são assintóticos para pµ. Assim, a dinâmica de Fµ está completamente compreendida para valores

de µ neste intervalo.

Para 3 ≤ µ ≤ 4 apesar de ser extremamente interessante não vamos abordar este caso, pois saí do âmbito deste trabalho. Grosso modo à medida que o parâmetro µ aumenta vão surgir órbitas periódicas atractoras de períodos 2,4,..., mas também de períodos um pouco surpreendentes como 3 (o que, por o resultado famoso [14], implica a existência de órbitas periódicas de todos os períodos). Em seguida, consideremos o caso em que µ > 4. E, como anteriormente, todas as dinâmicas de Fµ

ocorrem no intervalo I = {x : 0 ≤ x ≤ 1}, vamos novamente considerar este intervalo.

Notemos que para µ > 4 o valor máximo de Fµé maior do que 1, logo certos pontos deixam I de-

pois de uma iteração de Fµ. Seja A0o conjunto desses pontos, ou seja, A0é o conjunto dos pontos

outros pontos permanecem em I depois de uma iteração de Fµ. Seja A1 = {x ∈ I : Fµ(x) ∈ A0},

ou seja, A1 é o conjunto de pontos que "escapam" de I depois de duas iterações de Fµ e os outros

pontos cam em I após duas iterações de Fµ. Intuitivamente, An = {x ∈ I : Fµn(x) ∈ A0}, ou

seja, An é o conjunto de todos os pontos que "escapam" de I à iteração n + 1.

Portanto, os pontos que pertencem a An tendem para −∞. Assim, interessa analisar o comporta-

mento daqueles pontos que nunca "escapam" de I, ou seja, o conjunto de pontos que pertencem ao conjunto I − (S∞

n=0An)(denotemos este conjunto por Λ).

Como A0 é um intervalo aberto centrado em 12, I − A0 consiste em 2 intervalos fechados, I (1) 0 na

esquerda e I(1)

1 na direita (como podemos ver na gura que se segue).

Portanto, vemos que: · Fµ transforma I (1) 0 e I (1) 1 monotonicamente em I; · Fµ está a aumentar em I (1) 0 e a diminuir em I (1) 1 ;

· Existe um par de intervalos abertos, um em I0(1) e outro em I1(1), que são transformados em A0

I2(2)e I2(2)) e cada um destes quatro intervalos contém um subintervalo aberto que é transformado por F2

µ em A0, ou seja, os pontos nesses intervalos "escapam" de I à terceira iteração de Fµ,

designado este conjunto por A2. Continuando este processo, vericamos que An consiste em 2n

intervalos abertos disjuntos, portanto, I −(A0∪ A1∪ ... ∪ An)consiste em 2n+1intervalos fechados,

assim, F(n+1)

µ transforma cada um destes intervalos fechados monotonicamente em I. De facto, o

gráco de F(n+1)

µ é alternardamente crescente e decrescente nesses intervalos, tem exactamente 2n

pontos de inexão em I e intersecta a recta y = x pelo menos 2n vezes, ou seja, tem pelo menos

2n pontos xos.

Denição 1.5.16 Um conjunto real é totalmente desconexo se não contém intervalos. Denição 1.5.17 Um conjunto é perfeito se todos os pontos são de acumulação ou pontos limite de outros pontos do conjunto.

Denição 1.5.18 Um conjunto de R é um conjunto de Cantor se é fechado, totalmente des- conexo e é um perfeito subconjunto de I.

Teorema 1.5.19 Se µ > 2 +√5 então Λ é um conjunto de Cantor. A demonstração encontra-se em [5] (Teorema 5.6).

Denição 1.5.20 Seja f : J → J. Diz-se que f é topologicamente transitiva se para qualquer par de conjuntos abertos U, V ⊆ J existe k > 0 tal que fk(U ) ∩ V 6= ∅.

Exemplo 1.5.21 Fµ(x) = µx(1 − x), com µ > 2 +

5 é topologicamente transitiva [5].

Denição 1.5.22 Seja f : J → J. Diz-se que f tem dependência sensitiva das condições iniciais se existe δ > 0 tal que, ∀x ∈ J e para qualquer vizinhança N de x, existe y ∈ N e n > 0 tal que |fn(x) − fn(y)| > δ.

Exemplo 1.5.23 A função quadrática Fµ= µx(1 − x)com µ > 2 +

5tem dependência sensitiva das condições iniciais em Λ. Para vericar escolhamos δ menor que o diâmetro de A0(onde A0é o

conjunto dos pontos que "escapam" imediatamente de I após uma iteração de Fµ). Seja x, y ∈ Λ.

Se x 6= y então os itinerários de x e y estão em distintos I(n+1)

i e I

(n+1)

j , para algum n. Mas, isto

signica que Fn

µ(x)e Fµn(y) estão em lados opostos de A0, logo |Fµn(x) − Fµn(y)| > δ.

Denição 1.5.24 Seja V ⊆ R um conjunto. Uma aplicação f : V → V é caótica em V se: 1. f tem dependência sensitiva das condições iniciais;

2. f é topologicamente transitiva;

Prova-se [5] que o conjunto dos pontos periódicos de Fµ(x) = µx(1 − x)com µ > 2 +

5 é denso em Λ.

Assim, a função quadrática Fµ(x) = µx(1 − x)é caótica em Λ quando µ > 2 +

5. Este resultado também é válido para µ > 4 mas a prova [5] sai do âmbito deste trabalho.

Teorema 1.5.25 A função quadrática Fµ(x) = µx(1 − x)é caótica em Λ quando µ > 4.

Além disso, temos que para µ > 4, F4 é caótica em todo o intervalo I [5].

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