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No início das discussões acerca da atribuição de uma indenização em reparação aos danos de caráter moral, houve forte resistência por parte dos aplicadores do direito, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A noção de compensar a vítima por dor e sofrimento infligidos contra a sua personalidade parecia não ser digna de atenção, uma vez que não seria tal dor passível de cálculo para fins de retribuição e o caráter clássico das normas civis era essencialmente patrimonialista.

Na fala de Carlos Alberto Bittar:

A tese da reparabilidade dos danos morais demandou longa evolução, tendo encontrado óbices diversos, traduzidos, em especial, na resistência de certa parte da doutrina, que nela identificava simples fórmula de atribuição de preço à dor, conhecida, na prática, como

pretium doloris.46

Essa visão engessada do judiciário brasileiro, contribuiu, todavia, para que grande quantidade de pessoas, lesadas nos direitos inerentes à sua personalidade, tivessem que carregar a dor e sofrimento causado pelo ofensor, sem qualquer expectativa de reparação, já que era limitada apenas às perdas patrimoniais. As cortes

45NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: Fundamento do direito das obrigações.

V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 437.

46BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos morais. 3 ed. São Paulo: Editora

de justiça, além de não verem fundamento na reparação do dano extrapatrimonial, ainda enxergavam de forma suspeita a pretensão da vítima que, em vão, intentasse solicitar tal espécie de compensação, com algum traço de possível má-fé ao se valer de seu sofrimento pessoal para obter ganho financeiro.

A noção de quantificar os danos morais parecia, para os aplicadores do direito, não se coadunar com os princípios de reparação integral e o de não ofender a outrem – neminem laedere – que são fundamento do instituto da responsabilidade civil, pois como reparar integralmente dano que não pode ser mensurado economicamente?

Até os dias de hoje, a aplicação da restituição por danos morais não tem sido considerada em todo caso de forma absolutamente pacífica, principalmente no caso das correntes mais conservadoras da doutrina. A noção tradicional que leva em conta apenas o caráter estritamente reparatório da responsabilidade civil não consegue se adequar à previsão dos danos extrapatrimoniais sem utilizar-se de ficções jurídicas, dada a sua natureza particular. Como bem observa André Gustavo Corrêa de Andrade: “A tutela dos bens personalíssimos não se realiza do mesmo

modo que a tutela dos bens materiais ou patrimoniais.”47

Ao largo dos debates doutrinários, as vítimas dos danos morais sofriam suas perdas sem qualquer proteção efetiva de seus direitos personalíssimos. A desmoralização gerada pela violação flagrante de sua esfera de direitos subjetivos, a dor causada pelo desprezo à sua honra, princípios e valores não tinha qualquer esperança de justificação por meios civis. A maior parte dos pedidos de responsabilização por esta espécie de dano eram negados baseado no argumento simplório de que todo o desgaste psíquico ao qual a vítima tinha sido submetida não passava de ‘mero dissabor do cotidiano’, para se valer do jargão jurídico.

Apesar de toda celeuma implantada quanto aos termos e até que ponto se responsabilizaria o infrator pelos danos morais, a necessidade de reparação foi se tornando cada vez mais óbvia. Não por acaso o volume de pedidos judiciais neste sentido era crescente. Era cristalina, portanto, a urgência de uma reparação para além da compensação patrimonial.

47 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva. Rio de Janeiro:

Georges Ripert, ao discorrer acerca das nuances da reparação moral, estatui que não resta dúvida acerca da sua imprescindibilidade, mesmo que ainda restem inexatos seus parâmetros de aplicação. Não seria razoável, portanto, pensar que a responsabilidade civil, fundamentada no dever de não prejudicar o outro, no intuito de resguardar o seu corpo e bens, se quedaria inerte quanto à proteção de sua honra e valores mais íntimos.48

De fato, a seara civil não poderia ignorar a demanda cada vez mais urgente de ampliação do instituto da responsabilidade, afim de englobar a reparação de natureza extrapatrimonial. Neste sentido, um fenômeno que colaborou para a inovação das clássicas normas civis para além da limitação patrimonialista foi a constitucionalização do direito civil.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, as normas civis, principalmente as já elencadas no novel diploma de 2002, passaram a estar submetidas à hierarquia absoluta da Carta Magna. Esta, por sua vez, consagrou de forma elementar o princípio de respeito à dignidade da pessoa humana.

A partir disso, toda aplicação das normas civis deveria levar em conta não apenas o resguardo dos bens que pudessem ter alguma importância econômica, afinal o conceito de dignidade da pessoa humana não perpassa apenas valores que podem traduzir-se monetariamente, antes está associado também a incolumidade física, psíquica, intelectual e espiritual do sujeito. Por óbvio que muitos dos aspectos citados não podem ser quantificados em um montante.

Todavia, se por um lado a necessidade de reparação moral foi definitivamente reconhecida, por outro, permanecia o desafio de como executá-la, justamente porque é um trabalho árduo determinar quais parâmetros poderiam ser utilizados para quantificar o que é, por natureza, inquantificável.

A função compensatória do dano moral é satisfeita, portanto, na medida em que a vítima tem seu sofrimento amenizado por meio da indenização paga. Ressalte- se, contudo, que o valor da indenização jamais poderá fazer frente integral à violação, mesmo porque não se pode precificar a dor do sujeito que sofreu a ofensa.

48 RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis. Campinas: Bookseller, 2000, p.

Ademais, há casos em que a função compensatória dos danos morais não poderá ser satisfeita, posto que o intuito da vítima é satisfazer a sua ânsia por justiça devido ao prejuízo que sofreu. Na fala de André Gustavo Corrêa de Andrade:

[...] qualquer consolo se mostra virtualmente impossível quando a vítima for pessoa economicamente abastada. Em muitos casos, o único consolo que, talvez, a indenização proporcione seja o de constituir uma forma de retribuir ao ofensor o mal por ele causado, o que pode trazer para a vítima alguma paz de espírito – mas aí a finalidade dessa quantia já não será propriamente compensatória ou satisfatória, mas punitiva.49

Nos casos como o supra relatado, a compensação não é um fim em si mesma, antes torna-se apenas um meio de punir o agente causador do dano, gerando ao menos alguma espécie de satisfação psíquica na vítima ao perceber que o seu sofrimento não foi gratuito. É justamente aí que surge uma outra função dos danos morais, além da compensatória, já tradicional e pacífica na doutrina.

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