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CAPÍTULO 2 - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA

2.3 FUNÇÃO SOCIAL DOS BENS DE USO COMUM E ESPECIAL

Devidos às características próprias dos bens de uso comum e de uso especial, bem como de sua afetação à finalidade pública, que os sujeita ao regime jurídico de Direito Público, a função social será cumprida quando seu uso consiga propiciar o maior número de benefícios possíveis à coletividade, desde que as modalidades de uso nas quais se divida não sejam incompatíveis com a destinação e conservação do bem.131

Note-se que os bens do domínio público urbano destinam-se, precipuamente, ao cumprimento de três funções básicas: função provedora, possibilitando o acesso dos indivíduos a diversos bens e serviços; função integradora, ao passo que permite

129 DI PIETRO, M. S. Z. Op. cit., 2004, p. 564.

130 DI PIETRO, M. S. Z. Idem, Ibidem.

131 DI PIETRO, M. S. Z. Idem, p. 566.

a integração social e o exercício de direitos fundamentais; função de trânsito, facilitando a circulação de bens, pessoas e serviços no espaço urbano.132

Porém, estas funções poderão atender melhor aos interesses sociais quando forem tomadas medidas de gestão e planejamento, destinadas a concretizar os interesses comunitários, compatibilizando os usos normais atrelados ao domínio público urbano e levando em conta suas limitações de caráter físico e econômico.133

O cumprimento da função social dos bens afetados a um finalidade pública depende, em verdade, de compatibilizar o uso comum do povo com a utilização privada pelo particular de determinado bem, cabendo à Administração Pública a regulação, por intermédio de lei, da ampliação ou restrição no uso destes, sempre calcada no interesse público.134

Quando se trata de restrição de uso, diz-se que o Estado exerce seu poder de polícia, através de medidas como a regulação do tráfego. Já quando o amplia, cumpre com a função social da propriedade pública, posto que garante que a utilização dos bens públicos se dê de forma a proporcionar o melhor interesse coletivo.135

Nesses casos, diz-se haver uma faculdade do Poder Público, como exercício de competência discricionária, para resolver em favor do uso particular, nos casos em que se instaure conflito entre uso comum e uso privativo de bem público.136

Contudo, embora tal ato goze de certa margem de discricionariedade, o poder público não é totalmente livre para realizar essa escolha, devendo levar em conta, além dos limites legais, a compatibilidade do uso privativo com a destinação precípua do bem e, obviamente, com o interesse social.137

Sem contradizer os ensinamentos da autora supracitada, Sílvio Luís Ferreira da Rocha aborda o tema sobre outra perspectiva. Primeiramente, acerca da função social dos bens de uso comum, dispõe que é cumprida

(...)quando se permite o desfrute deles, individualmente, de modo igualitário, por todos os membros da coletividade, sem distinção entre nacionais ou estrangeiros, e independentemente de qualquer ato prévio da administração que o deva autorizar.138

Logo, a função social destes bens é compatível com o destino que lhes é dado pelo próprio ordenamento jurídico, desde que aceita a possibilidade de utilização privativa, dentro dos limites do interesse público.139 Ou seja, não se pode desvirtuar a natureza do bem, que tem por característica o uso indistinto por todos sem necessidade de titulação especial ou cumprimento de prévia condição.140

Com relação aos bens de uso especial, o autor informa que a despeito de terem sua função social cumprida quando atendam aos fins a que se destinam, tal qual os bens de uso comum, o problema reside nas hipóteses em que há conflito entre o uso especial escolhido pelo poder público e a interpretação do princípio da função social aplicável ao bem.141

Nestes casos, paira a dúvida de se os bens de uso especial também se submetem ao cumprimento da função social da propriedade pública e, em especial, urbana, cujo conteúdo está disciplinado no Estatuto da Cidade e nos planos diretores dos Municípios.

Para o autor, resta demonstrada a submissão dos bens públicos aos dispositivos do Estatuto da Cidade, posto que a Constituição Federal de 1988, ao tratar da matéria, não faz diferenciação entre propriedades pública ou privada, além de que no Estado de Direito, o ordenamento jurídico conforma a atuação estatal.142

Dessa forma, incidiriam sobre o patrimônio público, também, as sanções previstas pela Lei 10.257/2001 ao proprietário que não dá à propriedade destinação coerente com a função social, quais sejam o parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, bem como a desapropriação143, merecendo esta última mais apurada atenção.

Admite-se a desapropriação de bens públicos, desde que fundada no legítimo interesse da coletividade, respeitando-se o princípio federativo e a autonomia dos entes federados, com atendimento a critérios subjetivos, objetivos e de finalidade estipulados para esta prática.144

O critério subjetivo seria a hierarquia entre os interesses – nacionais, regionais ou locais -, evitando que o ente exerça a desapropriação em território sobre o qual

139 ROCHA, S. L. F. da. Op. cit., p. 130.

140 MARQUES NETO, F. de A. Op. cit., p. 201.

141 ROCHA, S. L. F. da. Op. cit, p. 139.

142 ROCHA, S. L. F. da. Idem, p. 139-141.

143 ROCHA, S. L. F. da. Idem, p. 142.

144 ANDRADE, Letícia Queiroz de. Desapropriação de bens públicos: (à luz do princípio federativo).

São Paulo, Malheiros, 2006, p. 109.

não tenha competência política e administrativa. Já o critério objetivo prevê que não podem ser objeto de desapropriação os bens que pertençam às entidades da federação por atribuição constitucional direta, como determinados bens da União e dos Estados. Por fim, como condição finalística, faz-se necessário sopesar as finalidades a que o bem já se destina e aquelas a que será destinado, a fim de observar qual atende melhor ao interesse coletivo.145

Uma próxima questão no plano prático da função social da propriedade pública que merece tratamento é a da utilização de bens públicos por pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, por delegação estatal.

Nestes casos, entende-se não haver plena discricionariedade do ente público para conceder o uso à pessoa privada, de modo que se para execução do serviço público a prestadora depender da utilização de bem de outro ente público, esta não poderá ser negada.146

Nesse ponto, na visão de Di Pietro, há uma diferença de tratamento entre o uso do bem público para fins essencialmente privados ou públicos. Em sendo caso de fins privatísticos, não existiria direito subjetivo do particular, sendo a outorga ato discricionário da Administração Pública, o que leva ao fato de que o particular não poderá se opor à revogação do ato ou rescisão do contrato que outorgou o uso, quando por razões de interesse público a Administração o faça.147

Quando, por outro lado, o particular necessite do bem para regular a prestação de um serviço público, o uso deverá ser concedido e perdurará enquanto preciso, exceto por razões de maior interesse público ou impedimentos técnicos. Isso ocorre porque quando se trata de uso de bem público para execução de serviço público, não se tem divergência entre interesses privados e públicos, mas sim entre dois interesses públicos que devem ser mutuamente atendidos.148

Para tanto, o uso do bem público poderá ser concedido de três formas diferentes. Será ordinário, quando o bem possa ser desfrutado de forma idêntica e concomitante pelo demais administrados. Considera-se privativo quando aquele que usa o bem público possui prerrogativas que o diferenciam dos demais. Enfim, será

145 ANDRADE, L. Q. de. Idem, p. 110-126.

146 DI PIETRO, M. S. Z. Op. cit., 2004, p. 568.

147 DI PIETRO, M. S. Z. Idem, p. 569.

148 DI PIETRO, M. S. Z. Idem, Ibidem.

exclusivo quando apenas o titular do direito de uso possa fazê-lo, restando interditados os demais sujeitos.149

Ademais, se o ato de outorga no caso de uso de propriedade pública para execução de serviços públicos tem natureza vinculada e não discricionário, sua recusa imotivada pode dar ensejo às modalidades de intervenção na propriedade, tal qual a desapropriação e a servidão administrativa.150

Há que se fazer, contudo, uma ressalva quanto à posição da autora no sentido de que o uso de bem público por particular, para fins privados, não constitui nunca direito subjetivo. Conforme se explicitará no capítulo a respeito da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia, tal pensamento não parece se sustentar no ordenamento jurídico brasileiro atual.

Em todo caso, conclui-se que

O fim obrigatório que informa o domínio público não acarreta sua imunização aos efeitos emanados do princípio da função social da propriedade, de modo que o princípio da função social da propriedade incide sobre o domínio público, embora haja a necessidade de harmonizar o referido princípio com outros.151

Em relação ao conteúdo da função social da propriedade pública referente aos bens de uso comum do povo e aos bens de uso especial, compreende a ampliação das modalidades de uso destes, devendo o poder público disciplinar a matéria, bem como fiscalizar e reprimir abusos.152

Ademais, por se tratarem de bens regidos pelo regime de direito público, o ato de outorga sobre estes não pode advir das relações jurídicas previstas pelo direito privado, como usucapião, simples alienação ou comodato, mas sim por títulos de direito público: a autorização, permissão e concessão de uso.153

149 MARQUES NETO, F. de A. Op. cit., p. 326.

150 DI PIETRO, M. S. Z. Op. cit., 2004, p. 570.

151 ROCHA, S. L. F. da. Op. cit., p. 159.

152 DI PIETRO, M. S. Z. Op. cit., 2004, p. 570.

153 DI PIETRO, M. S. Z. Idem, Ibidem.