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Sabe-se que os acontecimentos econômicos, as novas formas de organização da sociedade e as transformações culturais influenciam a educação e, ao mesmo tempo, são influenciadas por ela.

Para que as pessoas vivam e participem da vida social, é necessário que sejam preparadas, estejam imersas em sua cultura, saibam comunicar-se, conheçam os significados e os símbolos da linguagem de seu meio e utilizem as ferramentas adequadas ao seu trabalho, para poderem transformar o meio em que vivem. Na justificativa de Libâneo (1993), “não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade”.

O processo educativo ocorre desde o nascimento, por meio de toda e qualquer experiência vivenciada pela pessoa, que lhe traga uma aprendizagem de sua cultura e de sua sociedade. Não é possível, todavia, esquecer de que, por mais que as pessoas aprendam pela vivência de variadas situações, só tem validade perante a sociedade, a educação adquirida pela escolarização formal. Pensa Perrenoud (1999, p. 13) que a certificação oferecida pela escola

[...] garante sobretudo que um aluno sabe globalmente „o que é necessário saber‟ para passar para a série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão.[...] A vantagem de uma certificação instituída é justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior.

Isso comprova que a educação é um ato intencional, social e político e que, portanto, está orientada por determinados objetivos e meios para concretizá-la. Com base na divisão do trabalho, a distribuição dos bens materiais e culturais passou a ser feita de forma bastante desigual e a sociedade passou a ter divisões de classes, perpetuadas ou modificadas pelo próprio acesso, ou não, a esses bens.

Os meios de se manter ou modificar a sociedade estão presentes de forma oculta na escola por meio das ideologias que impregnam discursos, modos de agir, de ensinar, de organizar as salas de aula e a própria dinâmica da aula, no currículo e em vários outros elementos, como a avaliação do ensino-aprendizagem – responsável, em muitos casos, por selecionar, certificar e exercer poder. Perrenoud (1999) diz que “a avaliação regula o

trabalho, as atividades, as relações de autoridade e a cooperação em aula e, de, uma certa forma, as relações entre família e a escola ou entre profissionais da educação”. A avaliação é responsável por decidir a trajetória dos alunos e dos seres humanos, aprovando-os para uma nova série ou grau, certificando-os ou selecionando-os para um emprego. É ela que se responsabiliza por atestar os sucessos e insucessos das pessoas em suas vidas escolar e profissional.

Ao longo dos tempos, portanto, à medida que as visões de homem, sociedade e educação se modificam, mudam também os meios e as formas que a escola possui - e aqui se entende como o principal meio que a escola dispõe, para contribuir com a modificação ou manutenção das estruturas sociais, o ato de avaliar - para a certificação das pessoas, garantindo e atestando a sua participação na vida em sociedade.

Consoante Luckesi (2008), os modelos sociais determinam suas respectivas pedagogias que, por sua vez, podem sugerir renovações e a superação de determinados sistemas ou garantir a integridade desses mesmos sistemas. Essas pedagogias são responsáveis por definir a relação professor-aluno, como deve se dar ensino- aprendizagem, como deverá ser conduzida e quais as funções da avaliação do ensino- aprendizagem, quais as aspirações filosóficas, políticas, culturais e sociais da educação, por meio de um ritual pedagógico que tem embutido nele as ideologias do sistema ou organização social pretendidos.

Entende-se que a existência de variadas pedagogias determina modelos de educação e modalidades avaliativas distintas. Conforme Afonso (2000), diferentes modalidades de avaliação traduzem variadas funções para a avaliação, mas também pode significar que uma mesma modalidade atenda a mais de uma função avaliativa.

Entre as funções da avaliação mais conhecidas na literatura sobre o tema, destacam-se aquelas ligadas à melhoria nos processos de ensino-aprendizagem; à seleção, certificação e responsabilização ou prestação de contas (accountability); à promoção dos sujeitos ao desenvolvimento de uma consciência mais precisa sobre os processos sociais e educacionais, ao exercício da autoridade, do controle, do disciplinamento e do poder.

Nas organizações e nas escolas, a avaliação pode se prestar a diversas funções, sendo utilizadas, em ambas as instituições, como estruturadora das relações de trabalho - ao promover, selecionar e desenvolver as pessoas. Suas funções simbólicas de instrumento de controle e de legitimação organizacional são ocultadas por uma meritocracia, mas, na verdade funcionam como recurso de satisfação dos interesses e valores de determinados grupos.

Nas instituições organizacionais e educacionais é possível observar a avaliação exercendo a sua função disciplinadora do comportamento humano e servindo de instrumento de poder, por meio de representações ou modelos considerados ideais que, a todo custo, são perseguidos por trabalhadores e educandos, a troco de recompensas – traduzidas em promoções salariais, notas, ameaças e/ou penalidades. Como nestes espaços há a presença de uma autoridade formal e de uma clara divisão do trabalho, escolas e organizações são, por excelência, espaços onde o exercício do poder, cognoscitivo e autoritário, se mostra muito evidente. A coerção e a punição constituem estratégias de manutenção da ordem e do poder de grupos específicos.

Outra função avaliativa é a de promoção da socialização das pessoas. Ao iniciarem suas vidas em sociedade, os seres humanos passam a experimentar processos de institucionalização social, com o cultivo e a inculcação de valores e atitudes próprios da estrutura social e econômica vigentes, como a independência, o individualismo e a competição. Afonso (2000) trabalha com esteio na contribuição de vários autores da Sociologia, trazendo um comparativo entre a inculcação dos valores individualistas à alienação do trabalho humano, descrito por Marx. Aqui, a alienação do trabalho escolar é feita ao se pegar o trabalho produzido pelos alunos e trocar por certificados, graus e/ou diplomas. A produção dos alunos é vista como mercadoria, entregue a um avaliador. Ao se estabelecerem ranques entre as escolas, estamos produzindo igualmente, a mercantilização da educação e a alienação do trabalho escolar e de seu produto, que é a aprendizagem.

Considerando todo o exposto, decidiu-se tecer alguns comentários sobre a avaliação e a forma como esta é conduzida no ensino superior.