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FUNÇÕES REPRESSIVA E PROMOCIONAL DO DIREITO E TÉCNICAS DE CONTROLE SOCIAL SEGUNDO NORBERTO BOBBIO

PARTE II MEIOS EXECUTIVOS NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO E A TUTELA DO CRÉDITO

3. A CLÁUSULA GERAL EXECUTIVA DO ART 139, IV E O SISTEMA DE TUTELA EXECUTIVA DO CRÉDITO NO CPC/

3.1.1 FUNÇÕES REPRESSIVA E PROMOCIONAL DO DIREITO E TÉCNICAS DE CONTROLE SOCIAL SEGUNDO NORBERTO BOBBIO

Para falar das funções repressiva e promocional do Direito, convém uma breve explicação sobre a abordagem estruturalista e funcionalista da teoria do Direito. De maneira sintética, a análise estrutural se preocupa em saber como o Direito é organizado ou estruturado, enquanto que a análise funcional se dedica a saber para que serve ou qual a função do Direito.

No que se refere à análise estrutural, uma das principais referências quanto ao tema, sem dúvida, é a Teoria Pura do Direito de HANS KELSEN. Na obra kelseniana, faz-se a separação entre a análise funcional e estrutural, traçando-se, dessa forma, um corte metodológico para servir de base à sua teoria, a qual tem por objeto de investigação os elementos estruturais do Direito279. Nesse enfoque estrutural, parte-se do elemento unitário consistente na norma jurídica, cuja característica é estabelecer um nexo de imputação entre a conduta e a sanção, até o elemento global formado pelo ordenamento jurídico, o qual consiste no conjunto escalonado das normas jurídicas.

Por outro lado, dizer que o Direito, enquanto ordenamento jurídico, tem estrutura própria que pode ser identificada e descrita a partir de uma análise teórica que a tome como objeto, não quer significar que o fenômeno só possa ser analisado a partir desse ponto de vista estrutural. O próprio KELSEN, ainda que marginalmente, tratou do aspecto

funcional do Direito, o qual, nesse viés, seria uma ordem social coativa da conduta humana, ou seja, uma técnica específica de organização social280. Nesse aspecto, a

279 Sem maiores aprofundamentos que fugiriam aos limites do presente trabalho, basta recordar que

KELSEN teve como objetivo desenvolver uma teoria pura do direito, escoimando da pesquisa científica qualquer juízo de valor ou brechas para contaminações ideológicas que pudessem ensejar promiscuidade entre o direito positivo e o direito ideal. Destarte, para KELSEN, a teoria do direito, como ciência, "não se

considera obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura", de modo a assim evitar servir a quaisquer

interesses políticos, recusando fornece-lhes o suporte ideológico por intermédio das quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 75)

280 Para KELSEN, embora colocando numa perspectiva dita sociológica, "a função de qualquer ordem

social consiste em obter uma determinada conduta por parte daquele que a esta ordem está subordinado, fazer com que essa pessoa omita determinadas ações consideradas como socialmente - isto é, em relação

função da ordem jurídica seria organizar as relações intersubjetivas e reagir contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas, com um ato de coação, isto é, “com um mal - como a privação da vida, da saúde, da liberdade, de bens

econômicos e outros -, um mal que é aplicado ao destinatário mesmo contra sua vontade, se necessário empregando até a força física - coativamente, portanto”281. Na visão do referido autor, para cumprimento de sua função, a ordem jurídica deve conferir a um determinado indivíduo, inserido na estrutura estatal, poder ou competência para aplicar a outro indivíduo um ato coativo como sanção.

Sob esta ótica, o Direito seria um ordenamento puramente coativo, que tende a recorrer à força institucionalizada para fazer valer seus objetivos. Para tanto, o ordenamento jurídico estatui sanções, cuja aplicação e execução nos casos concretos são tornadas conteúdo do dever funcional dos órgãos aplicadores do Direito282.

Há, contudo, proposta de compreensão mais ampla quanto à função do Direito, enfatizando não apenas seu aspecto coativo, mas também um aspecto promocional. Interessantes considerações sobre essa proposta foram trabalhadas por NORBERTO

BOBBIO,cujas linhas teóricas sobre o tema passaremos então a explorar.

Ao tratar da função do direito, BOBBIO observa, com olhar crítico, que a teoria geral do

direito europeia, por estar atrelada a uma origem liberal que parte de uma imagem simplista do Estado como ente que apenas estabelece as regras do jogo e institui um árbitro, confere importância proeminente ao conceito de obrigação, explicando-a invariavelmente com suporte nos elementos sanção e coação283.

Com a mudança do papel do Estado na sociedade, no contexto de transformação identificado como Welfare State, ou Estado Social, foram carreados aos entes públicos

às outras pessoas - prejudiciais, e, pelo contrário, realize determinadas ações consideradas socialmente úteis. Esta função motivadora é exercida pelas representações das normas que prescrevem ou proíbem determinadas ações humanas" (Ibidem, p. 17).

281 Ibidem, p. 23. 282 Ibidem, p. 94.

283 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela

Beccaccia Versiani; revisão de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 01.

novos fins a serem alcançados em prol da sociedade, o que também haveria de repercutir nas técnicas de controle social a serem normativamente manejadas.

Tomando como ponto de partida a transformação por que passou a estrutura estatal moderna, em sua evolução do Estado Liberal clássico, preocupado estritamente com a manutenção da ordem pública, para o Estado Social, que, em ampliação de seu escopo, também busca implementar políticas públicas variadas para a promoção do bem geral, BOBBIO propõe-se a examinar essas novas técnicas de controle social que caracterizam a ação do Estado Social, haja vista “o emprego cada vez mais difundido das técnicas de

encorajamento em acréscimo, ou em substituição, às técnicas tradicionais de desencorajamento”, o que corresponde a uma abordagem teórica que se confronta com

as teorias tradicionais segundo as quais o Direito se caracteriza pela emanação de comandos e organização de sanções negativas, formando um aparato exclusivamente coativo284.

Anota o autor que a imagem tradicional do direito como ordenamento protetor- repressivo vem perdendo espaço no Estado contemporâneo, na exata medida em que vem sendo dado prestígio à função promocional do ordenamento jurídico, como ocorre especialmente sob a égide das Cartas Constitucionais pós-liberais285, nas quais a função

284 No ponto, afirma ainda o referido autor: “É indubitável que essa inovação coloca em crise algumas

das mais conhecidas teorias tradicionais do direito, que se originam de uma imagem extremamente simplificada do direito. Refiro-me, em particular, à teoria que considera o direito exclusivamente do ponto de vista de sua função protetora e àquela que o considera exclusivamente do ponto de vista de sua função repressiva. É desnecessário acrescentar que, com frequência, as duas teorias encontram-se sobrepostas: o direito desenvolve a função de proteção em relação aos atos lícitos (que podem ser tanto atos permitidos quanto obrigatórios) mediante a repressão dos atos ilícitos” (Ibidem, p. 02).

285 Trazendo à lume a contraposição entre, de um lado, medidas autoritárias e coercitivas, e, de outro,

medidas de estímulo ou de incentivo, há muito já compreendida pelos estudiosos do direito constitucional, BOBBIO destaca a função de promover da Constituição italiana, a qual, segundo o autor, faz demandar o uso cada vez mais frequente de técnicas de encorajamento. Em suporte a esse ponto de vista, destaca as seguintes passagens daquele texto constitucional, concluindo na sequência: “Segundo a

constituição italiana, a República “promove as condições que tornam efetivo” o direito ao trabalho (art. 4º, parágrafo 1º); “promove as autonomias locais” (art. 5º); “promove o desenvolvimento da cultura” (art. 9º, parágrafo 1º); “promove e favorece os acordos e as organizações internacionais voltadas a afirmar e regular os direitos do trabalho” (art. 35, parágrafo 3º); “promove e favorece a ampliação” da cooperação (art. 45, parágrafo 1º). Além disso, “facilita, com medidas econômicas e outras providências, a formação da família” (art. 31, parágrafo 1º); “dispõe de medidas em favor das zonas de montanha” (art. 44, parágrafo 2º); “encoraja e tutela a poupança” (art. 47, parágrafo 1º); “favorece o acesso da poupança popular à propriedade, etc.” (art. 47, parágrafo 2º). A contraposição entre o velho e o novo modelo constitucional emerge do confronto entre o art. 2º, no qual está dito que a “República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem”, e o art. 3º, no qual está dito que “é tarefa da República remover os obstáculos, etc.”, isto é, entre a afirmação de uma tarefa meramente protetora,

de promover caminha com igual importância ao lado da tradicional função de tutela ou garantia.

Num ordenamento protetivo-repressivo interessam, em especial, os comportamentos socialmente não desejados, por isso avulta a preocupação em impedir ao máximo possível a sua prática. Para tanto, são utilizados três tipos de operações, considerando serem três os modos típicos de impedir uma ação não desejada: i) torná-la impossível; ii) torná-la difícil; iii) torná-la desvantajosa. De outra guinada, num ordenamento promocional, interessam os comportamentos socialmente desejáveis, tomando-se como meta promover a realização destes até mesmo aos recalcitrantes. Simetricamente, são três as medidas que podem ser utilizadas em busca da ação desejada: i) torná-la necessária; ii) torná-la fácil; iii) torná-la vantajosa286.

Segundo BOBBIO, o primeiro tipo de operação em ambas as funções repressiva e promocional (tornar impossível ou necessária uma ação ou resultado) busca atingir seu objetivo independentemente da vontade do destinatário da norma, e, para tanto, coloca-o em condição de não poder materialmente violá-la ou subtrair-se à sua execução. Esse tipo de operação vale-se de medidas diretas, que são as várias formas de vigilância e o recurso ao uso da força.

As operações do segundo e terceiro tipo, também em ambas as funções (tornar difícil, desvantajosa, fácil ou vantajosa uma ação ou resultado), atuam indiretamente sobre o comportamento do agente destinatário da norma, influenciando-o por meios psíquicos a adotar ou não um determinado comportamento. São medidas indiretas porque o comportamento não desejado é sempre possível, embora seja mais difícil ou mais fácil, ou então, uma vez realizado, venha a produzir certas consequências desagradáveis ou agradáveis, conforme o caso.

Em definição sintética a respeito das medidas indiretas de desencorajamento e encorajamento, assim coloca o referido autor:

que se realiza quase sempre mediante a técnica das medidas negativas, e a afirmação de uma tarefa promocional, que se realiza quase sempre por medidas positivas”. (Ibidem, p. 13-14)

Em um ordenamento repressivo, o desencorajamento é a técnica típica por meio da qual se realizam as medidas indiretas. Em um ordenamento promocional, a técnica típica das medidas indiretas é o encorajamento. A esta altura, podemos definir “desencorajamento” como a operação pela qual A procura influenciar o comportamento não desejado (não importa se comissivo ou omissivo) de B, ou obstaculizando-o ou atribuindo-lhe consequências desagradáveis. Simetricamente, podemos definir “encorajamento” como a operação pela qual A procura influenciar o comportamento desejado (não importa se comisso ou omissivo) de B, ou facilitando-o ou atribuindo-lhe consequências agradáveis.287

Observa-se que as técnicas de desencorajamento ou encorajamento podem se dar tanto pelo segundo tipo de operação acima indicado, ou seja, tornando o comportamento a ser realizado mais difícil ou mais facilitado, quanto pelo terceiro tipo, caso em que se aplica uma consequência pelo comportamento não desejado ou desejado já praticado. Essa consequência de que trata o terceiro tipo é precisamente a sanção jurídica, que será sanção dita negativa se a resposta for juridicamente desfavorável ao sujeito que praticou a ação desencorajada, ou, diametralmente, será sanção positiva ou premial se a resposta for favorável ao comportamento estimulado já realizado. Note-se que a sanção vem depois de realizado o comportamento, sob a forma de desvantagem ou de recompensa288.

Para melhor visualização, podemos propor os seguintes exemplos de operações com medidas que atuam sobre o comportamento do agente destinatário da norma, com incursão na seara jurídica:

 Se o Estado deseja que os cidadãos não façam uso de determinada substância prejudicial à saúde, pode desencorajar a conduta tornando-a: i) difícil, como, por exemplo, sobretaxando o imposto sobre produtos como cigarro ou bebida alcoólica, deixando custosa, mas não impossível, a aquisição; ou ii) desvantajosa, imprimindo à conduta de consumir determinadas drogas a pecha de ilicitude, reprimindo-a com pena, à guisa de sanção negativa.

287 Ibidem, p. 16.

 Se o Estado, na promoção dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, deseja estimular determinado tipo de empreendimento em certa circunscrição espacial, pode encorajar a conduta tornando-a: i) fácil, através da desburocratização quanto às formalidades necessárias para abrir o negócio, em comparação com o procedimento normal; ii) vantajosa, concedendo isenção condicional e temporária, como sanção positiva, que é caracterizada pela obtenção de uma vantagem ou o desaparecimento de uma desvantagem uma vez observado o comportamento.

É preciso destacar que, se os sistemas jurídicos dos Estados sociais se valem cada vez mais de técnicas de encorajamento, que tratam da promoção de comportamentos desejados, isso não quer significar um completo abandono das técnicas de desencorajamento, que consistem na repressão dos comportamentos não desejados. O que se pode constatar, na verdade, é uma quebra da hegemonia, firmada no contexto do liberalismo, das técnicas de desencorajamento, que passam a conviver em paralelo com as medidas de incentivo ou promocionais, conforme estas se relevam mais eficientes para obtenção de determinado comportamento desejado.

Disso resulta que a proposta teórica ora apresentada não visa descaracterizar a função coativa do ordenamento jurídico, mas apenas sobrelevar a importância da valorização das técnicas de encorajamento no Estado contemporâneo, concedendo, assim, espaço para o reconhecimento da função promocional do ordenamento jurídico mediante o emprego de sanções de conteúdo positivo. A coercitividade será marca sempre presente, de maneira geral, no ordenamento jurídico. No entanto, ao lado da função protetivo- repressiva, os ordenamentos modernos, em maior ou menor grau, também têm prestigiado a função promocional, de modo a realizar o controle social não apenas com técnicas punitivas, mas também com técnicas de encorajamento289.

289 Tal ponderação levou BOBBIO a reconhecer o seguinte: “Já há algum tempo, os juristas têm

ressaltado que uma das características mais evidentes do sistema jurídico de um Estado assistencial é o aumento das chamadas leis de incentivo ou leis-incentivo. O elemento novo das leis de incentivo, aquele que permite o agrupamento dessas leis em uma única categoria, é exatamente o fato de que elas, diferentemente da maioria das normas de um ordenamento jurídico, denominadas sancionatórias (com referência ao fato de que preveem ou cominam uma sanção negativa), empregam a técnica do encorajamento, a qual consiste em promover os comportamentos desejados, em vez da técnica do

Em sua abordagem funcionalista, BOBBIO não descura de fazer uma análise crítica da

obra de KELSEN, especialmente para refutar a ideia de que, como ordenamento coativo,

a técnica específica do direito consiste no uso de sanções negativas. Afinal, não há como desconsiderar que o uso de incentivos é uma técnica eficiente para organização social e balizamento da conduta humana, do que se extrai a importância de se reconhecer o viés promocional que o Direito pode assumir, com o uso de sanções positivas para alcançar comportamentos desejáveis.

Nada obstante as críticas, BOBBIO ressalta que a função promocional do direito “não

invalida, de modo algum, os resultados da análise estrutural kelseniana”290, de modo que a teoria estrutural do ordenamento jurídico desenvolvida pelo referido autor pode absorver, sem maiores perturbações, as reflexões acerca do caráter promocional descortinado pela análise funcional.

Em desfecho, se as recompensas ou incentivos servem como alavancas do movimento social, o Direito pode assumir uma faceta promocional, com normas que incorporem sanções positivas ou que facilitem determinada ação desejada, as quais induzem positivamente o exercício de atos conformes, tornando-os particularmente atraentes, sem, evidentemente, abrir mão de técnicas repressivas e de desencorajamento. Esses pontos serão desenvolvidos adiante.

3.1.2 SANÇÕES JURÍDICAS NEGATIVAS E PREMIAIS

desencorajamento, que consiste em reprimir os comportamentos não desejados. No âmbito dessa categoria geral, é possível discernir os dois expedientes – o da facilitação (por exemplo, no caso de uma subvenção, de uma ajuda ou de uma contribuição financeira, ou mesmo de uma facilitação de crédito) e o da sanção positiva, como no caso da consignação de um prêmio para um comportamento superconforme ou de uma isenção fiscal. Com o primeiro expediente, deseja-se tornar menos oneroso o custo da operação desejada, ora acrescentando os meios necessários à realização da operação, ora diminuindo o seu ônus; com o segundo, tende-se a tornar a operação atraente, ou assegurando a quem a realiza a obtenção de uma vantagem ou, então, o desaparecimento de uma desvantagem, uma vez observado o comportamento” (Ibidem, p. 17-18).

Tratando da etimologia da palavra sanção, o Dicionário Houaiss explica que o vocábulo origina-se do latim “sanctio,ōnis”, que significa a ação de tornar sagrado ou inviolável291. Contudo, para a cultura pagã clássica, o sagrado podia manifestar-se quer como recompensa, quer como castigo292, o que gerou uma ambiguidade que se reflete nas definições formais e atuais da palavra. Por isso os contornos semânticos do termo sanção são amplos e vagos, de forma que seu conceito é relativo, podendo variar de acordo com os diferentes contextos em que a palavra pode ser empregada e analisada293.

Evidentemente, e até com arrimo na amplitude de significações que o vocábulo pode apresentar, as sanções não são exclusividade da ordem jurídica. A ordem social também se vale de sanções para direcionar o comportamento subjetivo, entendendo-se a sanção, nessa hipótese, como “aprovação ou reprovação que a sociedade ou o grupo social dá

ao comportamento de um indivíduo ou conjunto de indivíduos, e que se manifesta através de atos informais ou formalizados, individuais ou coletivos” 294. Disso resulta que a sanção é gênero, do qual a sanção jurídica e a sanção social são possíveis espécies.

No campo jurídico, BOBBIO observa que, enquanto a literatura filosófica e sociológica

emprega o termo em sentido mais amplo, nele incluindo não apenas as consequências negativas da inobservância das normas, mas também as consequências positivas ou agradáveis da observância, a literatura jurídica tradicional reserva ao termo sanção um sentido estrito, atrelando a noção de sanção jurídica à ideia de punição pelo descumprimento de uma norma jurídica295.

291 Dicionário Houaiss eletrônico da língua portuguesa. Versão eletrônica consultada em fevereiro de

2018.

292 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

302.

293 O já referido Dicionário Houaiss apresenta os seguintes significados: “parte coativa da lei, que comina

penas contra os que a violam”; “pena ou recompensa que corresponde à violação ou execução de uma lei”; “ato pelo qual o chefe do poder executivo aprova uma lei votada pelo órgão legislativo”; “aprovação ou confirmação que se dá, ou se impõe à lei”; “aprovação formal”; “reconhecimento público; aprovação”; “medida de coação imposta por órgão ou autoridade” (Dicionário Houaiss eletrônico da língua portuguesa. Versão eletrônica consultada em fevereiro de 2018).

294 Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. Versão eletrônica consultada em fevereiro de 2018. 295 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, Op. cit., p. 07.

Tal visão decorre da valorização da concepção exclusivamente repressiva da ordem jurídica – que ainda prevalece, de maneira geral, no campo da teoria do Direito – o que contribuiu para desenvolver a ideia de que a sanção jurídica será sempre um efeito negativo a repercutir coativamente na esfera jurídica do sujeito, como consequente decorrente da conduta em desconformidade com a norma jurídica296.

A despeito dessa constatação, e como premissa teórica, BOBBIO parte de um certo

consenso em entender como sanção, num aspecto filosófico e metajurídico, “a resposta

ou reação que o grupo social manifesta por ocasião de um comportamento por algum motivo relevante de um membro do grupo”297, de forma que, especialmente a partir da função promocional do ordenamento jurídico, é possível compreender sanção como reações previstas por determinado sistema de regras a fim de orientar a conduta subjetiva.

Se a sanção, nesse viés, tem por objetivo exercer controle sobre o conjunto de comportamentos sociais, de modo a direcioná-los a certos objetivos mais do que a

296 Nesse sentido, não desconhecia KELSEN que a ordem social pode estatuir vantagens ou prêmios como

consequências por determinadas condutas humanas, e que, embora tal não seja usual, estas podem ser compreendidas no conceito de sanção: "A ordem social pode prescrever uma determinada conduta