• Nenhum resultado encontrado

2 FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE (INTELIGENTE)

2.5 Funções sociais das cidades inteligentes

Antes de definir quais as funções sociais de uma cidade inteligente, é também necessário entender o contexto histórico que elas estão inseridas. As

smart cities nascem numa fase pós-moderna do conceito de cidades, em que

as mesmas não se limitam mais ao espaço físico-territorial (BERNARDI, 2006). Correlacionando as cidades inteligentes ao período pós-moderno, Kazukas (2017, p. 156) alude que:

Nos últimos anos [...] tem ocorrido uma nova tendência de radicalização capitalista nas cidades pós-modernas: empresas de tecnologia, a exemplo da IBM, iniciaram um movimento, que logo se tornou um mercado bilionário, baseado na venda de soluções “inteligentes” para as cidades.

Veja-se que, a princípio, as cidades inteligentes surgiram como tendência capitalista visando atender às novas formatações urbanas, oriundas de uma sociedade pós-moderna, pautada no consumo de massas e na predominância das tecnologias da informação e comunicação.

Sobre essa perspectiva das cidades inteligentes, Burgos (2014, p. 125- 126) alude que:

[...] a lógica da reprodução sempre ampliada do capital encontra no urbano seu lócus privilegiado de atuação para os negócios privados (com destaque para o setor imobiliário), em detrimento das possibilidades de uma cidade inteligente que possa ser usufruída por toda população. Sob esta perspectiva, compreende-se que a urbis inteligente não é para todos, postulando a necessidade de um amplo debate acerca do direito à cidade.

Nessa lógica, a exploração tecnológica pelas empresas está a contribuir para a criação de um mundo desigual, onde impera a polarização econômica, social e territorial. Problemas como a pobreza, as desigualdades e discriminação têm estado ausentes do debate. Além do mais, aqueles que foram excluídos do processo econômico deixaram de ter voz ativa na construção da cidade (SELADA, 2017).

Assim, acredita-se que a melhor forma de entender o papel das smart

cities no planejamento urbano, com observância ao direito à cidade, será a

partir do alinhamento da perspectiva das cidades inteligentes ao desenvolvimento das funções sociais da cidade na busca de uma convergência entre ambas, com a primeira denotando o envolvimento dos cidadãos no processo de inovação urbana, e a segunda significando a priorização de funções destinadas a combater e reduzir as desigualdades sociais e territoriais, a combater e eliminar a pobreza, a promover a justiça social, a satisfazer os direitos fundamentais das pessoas de terem condições de vida digna (LIBÓRIO e SAULE JÚNIOR, 2017), visando evitar novos processos segregacionistas.

A partir das definições apresentadas por este trabalho, chega-se à conclusão que as funções sociais no contexto das cidades inteligentes podem ser restritas à apenas duas: a) funções de gestão e; b) funções de cidadania. Nas primeiras estão incluídas a gestão democrática e participativa, a eficiência na prestação de serviços públicos, a inovação na solução dos problemas urbanos e o planejamento urbano sustentável. Já as segundas compreendem o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição Federal. Em ambas as funções, a tecnologia deverá funcionar como mecanismo facilitador da sua consecução; e a melhoria da qualidade de

vida dos habitantes deve ser o objetivo primordial na concretização das smart

cities.

FUNÇÕES DE GESTÃO Gestão democrática e participativa;

Eficiência na prestação de serviços públicos; Soluções urbanas inovadoras;

Planejamento urbano sustentável.

FUNÇÕES DE CIDADANIA Concretização dos direitos sociais previstos na Constituição Federal (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, o transporte/mobilidade, lazer, segurança, proteção e assistência social).

Tabela 3: Funções sociais das cidades inteligentes. Fonte: elaborada pelo autor (2019).

Sobre o aspecto da função democrática e participativa, Castellà e Parés (2012) aludem que o desenvolvimento das mais variadas formas de democracia participativa possibilitam aos municípios a administração de sociedades cada vez mais diversificadas e complexas.

Como já afirmado anteriormente, as cidades inteligentes nascem num contexto de consumo desenfreado, em que o gerenciamento dos recursos humanos e naturais, a partir de aplicações tecnológicas e de soluções urbanas criativas e inovadoras, será essencial para o racionamento dos recursos disponíveis, diminuindo os impactos da ação do homem no meio ambiente por meio da transformação digital.

No campo mais tradicional de mecanismos participativos (participação

off-line), são exemplos o plano diretor participativo, os conselhos municipais, as

assembleias públicas, os orçamentos e os planos plurianuais, bem como a prestação de contas à sociedade (FRANZ; ANDREOLI, 2018). Já no cenário das cidades inteligentes, Leite e Rezende (2017) sustentam que o uso de informações eletrônicas fornecem mais agilidade e eficiência às relações cidadão-governo e permite que as decisões estratégicas sejam tomadas com maior segurança embasadas em fonte de dados reais e variadas. Nesse sentido, aduz Mesquita e Cantoni (2016, p. 04):

As mídias digitais têm a capacidade de reduzir os custos de participação em termos de tempo e esforço, facilitando também a comunicação a longas distâncias. [...] a internet também fornece formas originais de participação, criando novos canais entre os cidadãos e organizações da sociedade civil ou entre cidadãos e as próprias autoridades políticas.

Dessa forma, pode-se inferir que o uso das TICs possibilita uma aproximação entre sociedade e Estado, promovendo o exercício da cidadania em maior escala (se é possível assim dizer), em virtude da abrangência resultante dos recursos tecnológicos (participação online). Nas palavras Pérez Luño (2004), os meios tecnológicos possibilitam aos cidadãos se expressarem instantaneamente sobre seu ponto de vista, proporcionando a maximização e otimização da comunicação direta, sem quaisquer ressalvas, entre eles e os responsáveis pela tomada de decisões do poder político.

As TICs também são usadas pelos governos, no contexto das cidades inteligentes, para aumentar a legitimidade da gestão pública, numa espécie de aproximação/acesso virtual da sociedade civil, funcionando como ferramentas facilitadoras da participação social.

Junto à gestão participativa, a prestação de serviços públicos por meio eletrônicos são comumente incluídos numa concepção maior de “e-gov” ou governo eletrônico. Para Cunha e Miranda (2013, p. 546) “e-serviços públicos” correspondem:

[...] a prestação de serviços através de portais governamentais; o uso de Internet, mas também de outros meios eletrônicos tais como o telefone celular, o telefone fixo, o fax e, no futuro, a televisão digital; a integração na prestação de serviços; centrais de atendimento (local físico, chamado também de agência de atendimento ao cidadão ou lojas de atendimento); e Call Center (centrais de atendimento telefônico).

A proposição de soluções urbanas inovadoras também está associada à função de gestão no contexto das cidades inteligentes ao possibilitar que o próprio cidadão (cidadão inteligente) possa prestar informações, além de participar dos debates de projetos e ações de visem melhoria urbana. O planejamento urbano, nessa perspectiva, reveste-se de uma abordagem “bottom-up” (de baixo para cima), possibilitando uma discussão horizontalizada da cidade (ARAÚJO; GUIMARÃES, 2018).

Ainda no âmbito gerencial, a sustentabilidade, que por reiteradas vezes já foi citada ao conceituar as smart cities, é premissa primordial na elaboração de projetos de infraestrutura urbana. Tanscheit (2016, n.p.) aduz que, para garantir resiliência e sustentabilidade, uma cidade inteligente precisa interligar diversos fatores como eficiência energética em construções, transporte integrado e multimodal, manejo de resíduos, projetos de governança, entre outros. A tecnologia, neste caso, é o meio para isso.

Por fim, as funções de cidadania, neste trabalho também incluídas como funções sociais das cidades inteligentes, correspondem à materialização dos direitos sociais previstos na Constituição Federal (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, o transporte/mobilidade, lazer, segurança, proteção e assistência social). O diferencial aqui é o fato de que a tecnologia também intermediará a prestação e efetivação desses direitos. Iniciativas inteligentes nos mais variados setores – educação, saúde, segurança, lazer, etc. – contribuem para a concretização das smart cities, a partir da interconexão, gerenciamento em rede e busca pela eficiência.

No capítulo a seguir, será analisado como as cidades podem se tornar inteligentes a partir de iniciativas e projetos no campo da segurança pública, um dos direitos albergados pelas funções de cidadania da cidade (inteligente).

Documentos relacionados