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Capítulo II – O SUS e as arenas colegiadas

3. Funcionamento do CES e da CIB

Como se disse, a legislação relativa ao CES e à CIB, assim como os respectivos regimentos, estabelecem clara divisão de atribuições

entre essas arenas. No entanto, uma primeira questão que ressalta da nossa análise é, justamente, a confusão entre os papéis de cada instância, o que gera relações conflituosas ou recriminações seja por inoperância (não cumpriria seu papel) ou por invasão de campo.

Ao nível nacional, a CIB foi criada após os CS para servir como espaço de articulação, negociação e pactuação entre os gestores do SUS, diante da necessidade de agilizar a descentralização, da qual os CS não dariam conta. Como a autonomia dos municípios é um elemento indispensável da municipalização, os gestores reivindicaram um fórum dessa natureza para compartilhar decisões, estabelecer prioridades e buscar resoluções no plano institucional.

Com efeito, há acordo entre os entrevistados que a CIB foi fundamental para descentralizar as decisões sobre alocação de recursos do SUS, além de estabelecer uma ação mais transparente entre os gestores, tendo se legitimado como importante fórum para discussão de todos os aspectos operacionais do difícil curso da municipalização. Além disso, é destacado seu papel fundamental no curso da habilitação, o que é confirmado por um representante quando esclarece que sem a CIB, a

descentralização não estaria acontecendo do jeito que está, com responsabilidade, prerrogativa firmada e pactuada. (Entrevista 3)

É certo que a CIB se consolidou como um espaço democrático que reforça a participação. Porém, como alguns secretários não participam, é prejudicado o município ausente, já que a este se lhe nega a possibilidade de negociar. Nesse caso, a CIB decide em cima dos documentos que são apresentados à câmara técnica e faz uma avaliação. A ausência de alguns secretários é justificada pela não disponibilidade de tempo. É claro que os participantes ativos são os que detêm maior número de informações e, conseqüentemente, têm maiores vantagens na hora de tomar decisões. Dessa observação se deduziria que os secretários não engajados na CIB utilizam outros meios extra CES e CIB (ou clientelísticos) para negociar suas necessidades.

Quanto ao funcionamento do CES-RJ, no começo de 1999, já na gestão Garotinho, ainda apresentava traços do comportamento que tivera desde antes da gestão Alencar. Nas palavras de um representante

do COSEMS/RJ, o CES é visto como não ativo e participativo, funciona um

pouco à parte. Por exemplo, as questões divergentes surgidas na CIB

deveriam ser submetidas ao CES mas este não interfere como deveria. Enquanto a CIB estaria cumprindo sua função operacional, o CES nunca

assumiu seu papel, pois não exigiu examinar as matérias que lhe

incumbem. (Entrevista 1)

Embora se reconheça a importância da articulação entre o CES e a CIB, e o papel diferenciado de cada arena, aos olhos de representantes do COSEMS a atuação do CES sempre foi confusa havendo uma disputa política muito grande entre seus participantes. Por esse motivo, o CES não conseguiu acompanhar a CIB, que é mais

dinâmica já que é formada por gestores, com interesses bem focalizados (e portanto) acaba decidindo numa velocidade maior. (Entrevista 5)

Na comparação, em conseqüência, a CIB aparece como sendo mais ágil que o CES, e isso é atribuído ao fato daquela ser uma instância eminentemente técnica. Ao contrário, a politização do CES seria um fator que gera paralizações ao ponto deste não intervir apropriadamente na questão mais importante que é o financiamento das ações de saúde previstas na política nacional, em particular naquelas definidas na NOB-96.

Todavia, as críticas não se limitam à falta de agilidade do CES. Na atuação deste, membros da CIB observam uma “invasão de campo” na medida em que o CES iria além da sua atribuição de formular e fiscalizar as políticas de saúde, como determina a lei, ao se imiscuir em assuntos próprios da gestão. Reitera-se que o CES deveria limitar-se a discutir e

aprovar as diretrizes da NOB, mas a implementação não é sua atribuição.

(COSEMS, 1999)

De outro lado, membros do CES defendem-se. Consideram que a CIB toma a dianteira em matérias que competem ao CES:

A CIB deve partir de uma política já aprovada pelos CMS e pelo CES (...) cujo papel é muito maior que o da CIB, são instâncias não complementares mas cujos poderes diferenciados deveriam estar articulados. A CIB não pode tomar uma decisão que o CES não tenha aprovado no plano estadual. (Entrevista 12)

Em suma, a questão que se coloca é a pouca clareza na relação entre o CES e a CIB, que é atribuída pela CIB e pelo COSEMS ao fato de o CES ter um caráter diferente, politizado, ora avançado, ora abstendo-se frente a determinados assuntos. Isto revela, na verdade, uma “crise de identidade” do CES, que após a criação da CIB tem se tornado cada vez mais evidente. Aliás, esse fenômeno poderia ser generalizado para a maioria dos CS do país, constituindo, portanto, um ponto de extrema importância para o bom funcionamento da gestão compartilhada na implementação do SUS. Essa conclusão é referendada por Labra, quando afirma que:

A CIT e a CIB estão integradas pela tecnoburocracia de primeiro escalão, o que lhes permite cumprir papel arbitral crucial nas complicadas negociações relativas à descentralização política, administrativa e financeira envolvidas no SUS. Entretanto, à medida que assumem maior número de decisões, é inevitável o surgimento de conflitos de competência com os Conselhos de Saúde, produzindo as típicas tensões entre política e burocracia na democracia. (Labra, 1998)

Além da existência de atritos entre essas instâncias, há divergências no interior de cada uma delas, como ilustram as negociações que ocorrem entre os membros da CIB e a forma como se chega ao consenso.

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