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FUNCIONAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS: TIPOS DE PARTIDOS,

CAPÍTULO 2 – PARTIDOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO

2.3 FUNCIONAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS: TIPOS DE PARTIDOS,

Desde o século XVIII, a literatura política propôs uma série de tipologias para distinguir os diferentes modos de organização e funcionamento dos partidos políticos, sob os mais distintos critérios, a depender da perspectiva adotada pelo observador ou da priorização de certos elementos.

Contudo, algumas delas podem oferecer especial contribuição no esforço de se avaliar o grau de implementação de medidas que fomentem a participação democrática interna dos filiados nos partidos políticos. Isso porque, como ressaltou Duverger176, a própria noção de membro de uma agremiação política ou de adepto só faz sentido em determinados tipos de comunidades partidárias, a depender da natureza por ela manifestada.

Para o autor, a noção de adepto partidário se erigiu e tomou significado político no contexto de surgimento dos partidos socialistas no século XX, vez que, até então, não encontrava amparo ou relevância na comunidade política formada pelos partidos de cunho liberal-burguês, dominantes no século XIX e calcados no sufrágio censitário.

Com base em uma tipologia assentada na estrutura organizacional, Duverger aprofunda a tradicional distinção entre os partidos de origem parlamentar e extraparlamentar e elabora as categorias “partidos de quadros” e “partidos de massas”.

Da mesma forma, com base no exemplo do Partido Socialista francês, o autor esclarece que, nos partidos de massas, os adeptos possuem um caráter fundamental, pois constituem a própria “matéria” ou “substância da sua ação” política, posto que essa também se volta a orientação e educação dos seus membros, a fim de lhes oferecer condições para, no futuro, ocupar cargos representativos.

Do ponto de vista financeiro, os filiados partidários também exercem função essencial, porquanto tais partidos se propõem a substituir o modelo de financiamento privado das eleições, adotado pelos demais partidos capitalistas burgueses, por um financiamento democrático e corporativo, segundo o qual os encargos para funcionamento da agremiação

176 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Trad. Cristiano Monteiro Oiticica, Rio de Janeiro: Zahar, Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 98-99.

são repartidos pelo maior número de adeptos possíveis, cada um responsável por uma cota mínima.

Assim, o perfil dos adeptos nos partidos de massas se caracteriza por um grupo de cidadãos politicamente ativos, engajados ideologicamente no programa e instruídos politicamente pelo próprio partido, que permite a agremiação o auto financiamento das suas campanhas eleitorais, a fim de evitar a dependência e a servidão impostas pelas grandes corporações e bancos privados.

Por oposição, os partidos de quadros, tal como descrito por Duverger177, caracterizam-se pela reunião de pessoas socialmente influentes, cujo prestígio caracterizam-seja capaz de angariar votos aos candidatos, bem como influenciar os eleitores e, ainda, financeiramente capazes de organizar uma campanha eleitoral. Neste cenário, o objetivo da agremiação não se volta a doutrinar e reunir o maior número possível de membros, mas sim, a recrutar indivíduos socialmente notáveis, para que estes possam atrair simpatizantes e eleitores em face do seu prestígio e, essencialmente, contribuir financeiramente para as campanha eleitorais. Nos termos de Duverger: “Aqui, a qualidade importante mais que tudo: amplitude do prestígio, habilidade da técnica, importância da fortuna. O que os partidos de massas obtêm pelo número, os partidos de quadros obtêm pela escolha178”.

É possível concluir, portanto, que apesar de constituírem modelos ideias, que no exercício da prática política apresentam algumas variações, a noção de adesão no dois tipos de partidos recebem importância distinta e sequer possuem o mesmo significado. Nos partidos de massas, a noção de adepto requer um engajamento pessoal maior, bem como um verdadeiro enquadramento político na ideologia partidária, do qual decorre a participação mais ativa dos membros na organização interna e tomada de decisões das agremiações, bem como poder de intervenção sobre a designação de candidatos.

Nos partidos de quadros, por sua vez, a importância da adesão se fundamenta nas características pessoais, aptidões e qualidades de alguns indivíduos, inseridos em um grupo restrito e fechado, cuja atuação partidária se limita ao exercício da sua influência e essencialmente ao recolhimento de contribuições partidárias. Para Duverger179, sequer há sentido cognitivo em empregar o termo “adepto” nesse modelo organização.

O autor destaca que o processo de formação destes dois perfis partidários opostos está inserido no contexto sócio político de maior ou menor ampliação do sufrágio. Isso porque, no

177 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Trad. Cristiano Monteiro Oiticica, Rio de Janeiro: Zahar, Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 100.

178 Idem, p. 100.

179 Idem, Ibidem. p. 100.

século XIX, marcado pela presença de regimes eleitorais censitários e pelo financiamento capitalistas das eleições, a maior parte da população não detinha qualquer influência política, de modo que não havia razão para que os partidos existentes se propusessem a reunir e a associar as massas, contexto em que se houve a consolidação dos partidos de quadros.

Com a ampliação do sufrágio ao caráter universal, os partidos de quadros passaram a criar instrumentos para flexibilizar a sua estrutura, a fim de comtemplar, de alguma forma, a participação popular. Contudo, esclarece Duverger que aquele esforço se voltava mais a criar uma aparência de participação das massas, conferindo aos cidadãos algum poder político decisório, enquanto as decisões mais relevantes para as agremiações permaneciam em ambientes inacessíveis aos adeptos e, por vezes, eram tomadas até mesmo por órgãos apartados aos partidos.

Neste contexto, aponta o doutrinador que a formação de partidos socialistas de massa, na Europa, seguiu um processo lento de abertura popular, iniciado com a conquista do sufrágio universal, que recebeu forte inspiração da concepção marxista de partido-classe, segundo a qual a agremiação devia representar uma classe com participação política direta, da qual seriam retirados os seus líderes administrativos e candidatos, por meio de um financiamento coletivo. Por outro lado, como adverte DUVERGER180, a direita burguesa que compunha os partidos de quadro ainda não sentia, no início do século XX, qualquer necessidade de arregimentar as massas, posto que já possuíam os seus financiadores, bem como as suas elites de influência política.

Entretanto, ao realizar um estudo sociológico profundo sobre a democracia intrapartidária inspirado pelos partidos social-democratas europeus, Robert MICHELS181 observa que o processo de formação de lideranças internas às agremiações atua como fator de impedimento a qualquer tentativa de democratização do sistema político existente. Isso porque a separação existente entre as massas e os dirigentes acaba por transformar inevitavelmente uma organização aparentemente democrática em uma oligarquia.

Para o autor, a medida que os partidos políticos agregam filiados e passam a apresentar dimensões mais significativas, torna-se necessário criar espaço para os dirigentes profissionais em detrimento das lideranças naturais, em um processo de institucionalização burocrática que acaba por criar um afastamento natural entre a cúpula partidária e as bases da instituição. Assim, ao constituir um grupo de dirigentes isolados dos movimentos das massas,

180 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Trad. Cristiano Monteiro Oiticica, Rio de Janeiro: Zahar, Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 103.

181 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Trad. Arthur Chaudon, Brasília: UNB, 1982. pp. 216 – 235.

mas que tomam decisões centrais em nome de toda a agremiação, MICHELS182 aponta que os partidos tomam a forma de uma oligarquia burocrática, pautada pela atuação de um grupo restrito e fechado de dirigentes que conduzem a agremiação na satisfação primordial dos seus próprios interesses.

Sob este aspecto, DUVERGER183 reitera a análise de MICHELS, ao afirmar que o esforço dos dirigentes partidários em conservar e aumentar o poder político sobre a agremiação apenas se fortalece diante da inexistência de qualquer oposição a este processo por parte dos seus membros.

O autor aponta que os filiados, em contrário, acabam por adotar uma postura passiva de contemplação aos líderes partidários, estes protegidos pela legitimidade que a aparência democrática da sua atuação lhes confere, a constituir um poder essencialmente oligárquico por detrás de enunciados democráticos.

2.4 A qualidade da participação política nas deliberações internas dos partidos e na escolha de