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CAPÍTULO 2  PARADIGMAS PRODUTIVOS E A TERCEIRIZAÇÃO

2.3 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

2.3.1 Fundamento da dignidade da pessoa humana no trabalho: choque com a

Os direitos do trabalhador demonstram necessidade de sintonia com a ideia de dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, e não há como deslocar essa discussão do prisma deste fundamento. Até no momento em que discute a questão da responsabilização, cabe ressaltar que o não cumprimento de obrigações trabalhistas afronta-se com qualquer garantia fundamental que deva ser assegurada ao trabalhador.

Conforme Barroso (2012, p.194-195), na Antiguidade a dignidade relacionava-se a um nível hierárquico; hoje, “com o impulso da religião, da filosofia e da Política, uma ideia diferente de dignidade foi sendo desenvolvida – a dignidade

cabível a todos, trabalhadores ou não, e isso nada se relaciona com o poder aquisitivo ou padrão social das pessoas.

Quando há lacunas legislativas29, os princípios constitucionais servem para interpretação da lei, e o maior é o princípio da dignidade da pessoa humana:

O outro papel principal da dignidade humana é interpretativo. A dignidade humana é parte do núcleo essencial dos direitos fundamentais, como a igualdade, a liberdade ou a privacidade. Sendo assim, ela vai necessariamente informar a interpretação de tais direitos constitucionais, ajudando a definir o seu sentido nos casos concretos. Além disso, nos casos envolvendo lacunas no ordenamento jurídico, ambiguidades no direito, colisões entre direitos fundamentais e tensões entre direitos e metas coletivas, a dignidade humana pode ser uma boa bússola na busca da melhor solução. Mais ainda, qualquer lei que viole a dignidade, seja em abstrato ou em concreto, será nula (BARROSO, 2012, p. 156).

Se há lacunas no ordenamento jurídico sobre a interpretação do tema terceirização do trabalhador, pode-se valer do fundamento da dignidade da pessoa humana para resolver a questão30: trabalhador prejudicado, direitos suprimidos, precariedade da relação laboral, abolição dos direitos sociais, isso tudo significa um atentado contra a sua dignidade de pessoa humana.

Como os direitos do trabalhador são direitos sociais elencados na Carta Magna, cabe ao Estado a devida fiscalização dos mesmos, bem como a necessidade de respostas jurídicas para os casos em que não haja amparo destes direitos. Conforme Mello (2011, p. 55) afirma, “As disposições constitucionais relativas à Justiça Social não são meras exortações ou conselhos, de simples valor moral”, ou seja, os princípios e as demais normas do trabalho expressos constitucionalmente não são meras intenções, fazendo com que o Estado não possa

29 No campo do Direito, lacuna legislativa significa carência de regulação normativa sobre determinado tema.

30 Para Silveira (2012, p. 9): “Segundo os juristas, é indiscutível: os princípios possuem força normativa. Esse é um debate que já foi travado durante um longo período e envolve concepções de diferentes gerações dentro do direito. Contudo, o tipo de visão que coloca os princípios constitucionais apenas como recursos auxiliares que devem ser utilizados pelo intérprete das leis – ou, ainda, ideias a ser consideradas pelo legislador de outras normas – já foi superado. O Desembargador Douglas Alencar Rodrigues cita, como exemplo, o princípio da moralidade administrativa, invocado para acabar com a figura do nepotismo nos tribunais e na administração pública. O Procurador Ricardo Bruel menciona, ainda, outros princípios, como o da primazia da realidade ou o conceito bem definido de empregado e empregador, onde a própria jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deixa isso muito claro. Porém, a dinamicidade das nossas relações sociais, culturais, aliada a uma mudança cada vez mais rápida e constante de paradigmas e meios técnicos, faz com que necessariamente, em muitos casos, novas regulamentações tenham que ser criadas. No entanto, o Procurador busca deixar claro que, se é para criar uma nova lei, que seja uma que promova a especialização dos serviços e a melhoria do processo como um todo, e não a precarização e a supressão do direito dos trabalhadores.”

se omitir. Assim, percebe-se que se aumenta o escopo dos direitos do trabalho, não deixando os direitos do trabalhador à mercê de proteção.

A Constituição Federal de 198831, que surge com o princípio democrático de direito, faz com que o Estado seja obrigado a prestar os serviços básicos. São importantes as relações de trabalho, não apenas as questões de emprego.

Então, a legislação, que assegura os direitos sociais, bem como o direito à dignidade da pessoa humana, está desconecta da racionalidade do capitalismo, que, por sua vez, exige uma maior produtividade em menor tempo, e suprime os direitos dos trabalhadores em um viés social atingindo a vida desses trabalhadores como um todo, dificultando o seu acesso a uma vida de trabalho condizente com o que de fato a legislação prevê.

Contudo, é possível visualizar que, em casos em que haja lacuna na lei, é viável a invocação do princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, ele é uma fonte de direitos nos casos em que a legislação não previu tal fato. Conforme Barroso (2012, p. 155-156), “Esse é o primeiro papel de um princípio como a dignidade humana: funcionar como uma fonte de direitos – e, consequentemente, de deveres”.

Este fundamento é basilar e pode ser reclamado nas questões de trabalhadores prejudicados, seja pelos empregadores, pelos moldes dos contratos ou pela situação trabalhista no todo. Portanto, é um princípio oportuno para questionar relações precárias de trabalho, que afetam não só a relação trabalhista no tocante aos salários e jornadas, como também reflete na vida do trabalhador, no seu aspecto social e humano.

Afirmar que a terceirização contradiz com a dignidade e o respeito que são almejados pela Agenda do Trabalho Decente não se refere ao fato de que o trabalhador terceirizado características como jornada de trabalho e contrato trabalhista, que caracterizam-o como um trabalhador formalizado e detentor de diretos. A afirmação de que a terceirização afeta a dignidade do trabalhador e se contradiz com a Agenda do Trabalho Decente não se sustenta na análise puramente formal do contrato de trabalho, da especificação da jornada de trabalho e dos direitos que esse contrato prevê. Coloca-se um ponto de vista mais amplo, centrado nos impactos que a terceirização tem nas relações de trabalho do ponto de vista da

duração do contrato de trabalho e da relação entre empregador e trabalhador, da inserção do trabalhador em relações fragmentadas dentro de um mesmo espaço de trabalho, em que não há uma identidade a partir de uma referência a um empregador, mas a pulverização de contratos que dificulta a construção de interesses coletivos.

A legislação menciona que o fundamento da dignidade da pessoa humana não se separa da orientação ética. É uma “justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais” (BARROSO, 2012, p. 154). Nesse misto de concepções, é um fundamento que acompanha a existência das pessoas em suas mais diferentes condições.

Com efeito, o princípio da dignidade humana é um princípio ético das relações sociais de valor universal que deve vigorar nas relações de trabalho. A nova precariedade salarial que é instalada no Brasil, como a informalidade e legislação trabalhista flexível (ALVES, 2013, p. 161), que deixam os trabalhadores à mercê de uma eficaz proteção, atenta contra a sua dignidade, além de que as condições de trabalho que afetam sua saúde e segurança e a falta de qualidade no emprego também caracterizam a falta de atenção em dignificá-los.