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Fundamentos e Objectivos de Estudo

Das revisões atrás efectuadas, poderemos aqui fazer uma breve síntese e comentário crítico, fundamentando os objectivos do nosso trabalho.

A EM é uma entidade patológica e clínica heterogénea. É sobretudo modulada por linfócitos T mas, para a sua patogénese contribuem variadamente outras células do sistema imunitário.

Desconhecem-se as causas da reactividade celular imunitária, sendo para alguns autores, possível que estas sejam secundárias a uma susceptibilidade ou disfunção metabólica.

Na sua forma ou estádio mais frequente de surto-remissão, há substancial evidência patológica e terapêutica para a importância da infiltração celular do SNC através da lesão da barreira hemato-encefálica.

Contudo, este panorama não é evidente numa fase secundária progressiva e nas formas primárias progressivas. Para estas formas ou estádios de evolução progressiva das incapacidades e não associadas a surtos, tem-se responsabilizado a persistência de um processo inflamatório crónico de disfunção da imunidade inata.

Nestas formas ou estádios predomina um processo neurodegenerativo.

Noutras doenças, tidas como primariamente neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer e a de Parkinson, tem sido recentemente realçada a importância dos mecanismos inflamatórios para a sua patogénese. No entanto, hoje é aceite que o processo neurodegenerativo se inicia também nas fases mais precoces da EM com surto-remissão. Não estará também uma disfunção inflamatória implicada primariamente na sua génese e reactividade da imunidade adaptativa e exacerbações clínicas da doença? Havendo uma estreita interacção dos mecanismos imunitários com os metabólicos, não poderá existir uma alteração do metabolismo, associada a eventual susceptibilidade à doença? No fundo, o interferão β é uma citocina fisiológica libertada por expressão das células da imunidade inata e a sua administração

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 terapêutica tem um efeito acentuado na redução do número e severidade dos surtos na maioria dos doentes. O sucesso destas terapêuticas evidencia a importância dos mecanismos de imunidade inata na regulação das fases iniciais, e mecanismos auto- imunes da doença.

Por outro lado, a ineficácia do interferão β em controlar o processo neurodegenerativo realça a persistência e não resolução da disfunção inflamatória e eventualmente metabólica, associada à génese da doença. É o processo neurodegenerativo, e não os episódios de surtos clínicos, que tem sido recentemente sublinhado como o mais conotado com a progressão das incapacidades neurológicas, que é por isso pouco afectado pelas terapêuticas actuais.

Entre as alterações metabólicas, associadas ao processo inflamatório, realçámos as relacionadas com o metabolismo do colesterol, lipídico e lipoproteico. Estas estão largamente documentadas na aterosclerose e doença vascular isquémica.

Contudo, mais importante do que isso para a nossa temática, existe crescente evidência para um papel crucial desse metabolismo na regulação em geral das respostas imunitárias e, em particular, de uma sua alteração poder ser o factor de susceptibilidade ao desenvolvimento da EM.

Perante este “estado da arte”, com o nosso trabalho pretendemos contribuir para o esclarecimento do papel do metabolismo lipoproteico, nos processos inflamatórios da EM.

Para o efeito, utilizámos essencialmente duas estratégias. Por um lado, a análise dos doentes clinicamente estacionários e, previamente a qualquer terapêutica imunomoduladora, comparativamente a sujeitos controle, clinicamente normais e de idade não significativamente diferente Por outro lado, a análise dos parâmetros inflamatórios e lipoproteicos nos doentes, antes da terapêutica com interferãoβ, e comparativamente com a sua análise nos mesmos doentes após terem iniciado um tratamento. Para alguns marcadores, tivemos oportunidade de aprofundar o seu significado com a análise em contextos particulares, ou seja, sua relação com surtos clínicos, a severidade da progressão das incapacidades ou a presença de anticorpos neutralizantes da acção do interferãoβ (NAb’s). Devido à frequência desta patologia no sexo feminino, as vantagens de uma homogeneidade da população em estudo e a influência de variáveis associadas ao sexo na patogenia da doença e nos marcadores

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 bioquímicos avaliados, o nosso trabalho reporta-se, quase exclusivamente, a doentes daquele sexo.

Uma particular atenção foi dada à presença de hábitos tabágicos devido à sua possível interferência no resultado das análises efectuadas e à sua recente implicação com o risco para o desenvolvimento e, possivelmente, progressão da própria EM.

Pelas razões expostas nos capítulos precedentes, este trabalho expõe os resultados das determinações analíticas bioquímicas de alguns parâmetros seleccionados e seu possível significado nos mecanismos da inflamação e no metabolismo lipoproteico.

Como marcadores de metabolismo inflamatório estudámos: fibrinogénio, ferritina, LDL oxidadas, ácido úrico, neopterina, leptina e adiponectinas.

Para o estudo do metabolismo lipoproteico, determinaram-se a concentração de triglicéridos, colesterol total, LDL, HDL, colesterol das partículas remanescentes, apoA-1, apoB, apoE e fenótipos da apoE.

Com a análise do fibrinogénio e ferritina pretendemos inquirir dois dos mecanismos actualmente mais invocados para a patogénese da doença mas de significado desconhecido para os mecanismos de acção do interferão β. Por um lado, a implicação da cascata da coagulação e fibrinólise, em partícular, no processo lesional da barreira hematoencefálica. Por outro lado, a implicação do metabolismo do ferro e as suas relações com a actividade da heme oxigenase, sugerido por prévios trabalhos estar diferentemente alterada nas formas com surtos relativamente às formas primárias progressivas. Com o ácido úrico e LDL oxidada inquirimos o significado do stress oxidativo na sua patogénese e intervenção terapêutica.

A avaliação da LDL oxidada oferece-nos, para além disso, um elo elevado de reflexão sobre as relações do processo inflamatório com o metabolismo lipoproteico, a principal temática do nosso trabalho.

Estas relações são reguladas pela leptina e adiponectina. Publicações de outros autores têm implicado a leptina na génese da doença. Contudo, estes trabalhos não têm analisado, nestes doentes, as relações com o metabolismo lipoproteico e não são concludentes sobre o seu significado para os efeitos do interferão β. Neste trabalho, a análise da leptina foi efectuada para esclarecer esses aspectos,

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 concomitantemente com as determinações de neopterina, tida como um marcador de resposta ao interferãoβ. Embora considerada de crescente relevância nestes processos inflamatórios crónicos, desconhece-se o eventual envolvimento da adiponectina na EM. A análise desta adipocina foi, por isso, efectuada em conjunto com o perfil lipoproteico, num estudo que efectuámos em doentes, previamente e após terapêutica com interferão β.

Este estudo inclui a análise do colesterol das partículas remanescentes, também nunca estudadas nesta patologia e cuja concentração será eventualmente regulada pela adiponectina.

No que respeita ao metabolismo lipoproteico, particular importância foi dada à inclusão do valor da apoE e do exame dos seus fenotipos dada a sua especial relevância para os processos neuroinflamatórios crónicos neurodegenerativos incluindo a EM.

No próximo capítulo, será descrita a metodologia utilizada neste trabalho. Na parte seguinte, os resultados obtidos e publicados serão apresentados e brevemente discutidos de seguida.

Subsequentemente e antecedendo uma conclusão geral, estes serão discutidos globalmente tendo em consideração os objectivos deste trabalho e a interrogação a que ela se propõe contribuir para responder: Que contributo poderá ter o metabolismo lipoproteico para o processo inflamatório sistémico de doentes com EM?

Estas determinações analíticas foram efectuadas no Departamento de Bioquímica da faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. A presença de anticorpos neutralizantes do interferãoβ (NAb´s) foi efectuada no Institute for Inflammation Research de Copenhaga, em trabalho de colaboração com o seu responsável Prof. K. Bendtzen.

No
próximo
capítulo
descrevemos
detalhadamente
a
metodologia
utilizada
neste
trabalho.


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PARTE
II
–
MATERIAL
E
MÉTODOS


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Capítulo 1. Material

População

As investigações apresentadas nesta tese foram realizadas em doentes assistidos na Consulta e Esclerose Múltipla do Hospital dos Capuchos, pertencente ao Centro Hospitalar de Lisboa Central. Os doentes foram caracterizados clinicamente de acordo com o sexo, idade, início da doença e sua forma clínica (de surto-remissão, secundária progressiva ou primária progressiva), índice anual de surtos, grau de incapacidade (EDSS) e da sua severidade (MSSS). Foram anotadas as medicações em curso ou instituídas e os hábitos tabágicos. As determinações bioquímicas foram efectuadas em amostras de sangue por punção venosa do sangradouro, após 12 horas de jejum e, pelo menos, após um mês de eventual terapêutica com esteróides. Foram também estudados sujeitos controle clinicamente normais. Todos os doentes assinaram um consentimento informado e os estudos efectuados foram aprovados pela Comissão de Ética.

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Capítulo 2. Métodos