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O espanto é o filho da ignorância; e quanto maior o efeito admirado, tanto mais proporcionalmente, cresce o espanto. Tanto mais robusta a fantasia, quanto mais débil o raciocínio. O mais sublime ofício da poesia é o de conferir sentido e paixão às coisas insensatas. E é propriamente dos infantes o tomar coisas inanimadas entre as mãos e, entretendo-se, falar-lhes como se elas fossem pessoas vivas.

VICO

O herói é o verdadeiro tema da modernité. Isto significa que para viver a realidade é preciso uma formação heroica.

WALTER BENJAMIN

A passagem dos séculos me assombra.

AUGUSTO DOS ANJOS

Lasciate ogni speranza, voi ch'intrate.

DANTE

“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. Eis como se abrem as portas do Ateneu. E a experiência de Sérgio no célebre colégio de Aristarco:

A irradiação da reclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul, que não reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens, um, dois, três representantes abeberar-se à fonte espiritual do Ateneu (POMPÉIA, 1981, p. 35).

Entre aquelas paredes, Sérgio encontrará um simulacro do mundo; uma miniatura da sociedade, ensaiada nas esperanças logo perdidas de um falso heroísmo; mas também nas suas vilezas mais torpes. Ele saberá que os vencedores sempre reclamam as batatas; que os fracos e os fortes se devoram; e, ao cabo de sua peregrinação, saberá que o mundo não passa de uma velha feira de vaidades. Ali, todos se esquivam das porradas, embora batam; e são educados, desde cedo, a ser campeões em tudo. O sentido de vários substantivos desvendar-se-lhe-á em sua concretude: a sujeira, a torpeza, o ridículo, o absurdo, o grotesco, a angústia, a submissão, a arrogância, a vergonha, o enxovalho, o tapete das etiquetas enrodilhado aos pés das heroicas estátuas, como falso testemunho do tempo... E, ainda que tal advertência diga-lhe para não se esquivar da possibilidade do

45 soco, ele verá que muitos não ousam lutar pela própria identidade. Nas placas onde gritam as lições de moral esconde-se o fascínio da imoralidade; e as artes de amar nem sempre coincidem com os livros. Ah, o amor, nem lhe fale! Sérgio conhece, nessa galeria de cópias, o próprio gênero humano em sua repetição histórica. Ele saberá, por fim, que debaixo dos príncipes a mesma caveira repete as mesmas palavras. E se vestirá – como Hamlet – de melancolia... Nas muralhas do Ateneu, as datas repetem a mesma paisagem beirando a estrada da vida. Sérgio lançar-se-á ao encontro, pela milionésima vez, da realidade da experiência, em busca de realizar a nostalgia da forma poética. E não deixará pedra sobre pedra.

Nessa perspectiva de descoberta do mundo, O Ateneu definir-se-ia, à primeira vista, como um romance de formação, que narra os múltiplos rituais de passagem no desenvolvimento do protagonista “em seu início e trajetória até alcançar um determinado grau de perfectibilidade”, contribuindo, por conseguinte, com “a formação do leitor, de uma maneira mais ampla do que qualquer outro tipo de romance” (MORGENSTERN apud MAAS, 2000, p. 20). Segundo Wilma Maas, “a formação do jovem de família burguesa, seu desejo de aperfeiçoamento como indivíduo, mas também como classe, coincidem historicamente com a ‘cidadania’ do gênero romance” como a “grande instituição literária do mundo moderno” (MAAS, 2000, p. 13-14). Ela nos lembra, por conseguinte, que o romance de formação coincide com o programa romântico das literaturas nacionais. No livro de Raul Pompéia, essas características dialogam com as relações que Marcus Mazzari, por sua vez, realiza entre Franz Biberkopf e Oskar Matzerath, personagens de Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin, e Die Blechtrommel (1959), de Günter Grass, segundo as quais “o ‘desenvolvimento’ vem acompanhado pela mutilação, podendo-se falar aqui em formação pela deformação” (MAZZARI, 1999, p. 86-87).

Essa “formação pela deformação” mostra-nos algo além da experiência psicológica e social de um garoto nos corredores de um colégio. É, sobretudo, um exercício de composição por meio do fragmento; um exercício textual, arqueológico. Os embates com os outros e com o próprio ambiente adverso cifram-se no verso e reverso de sua mente literária. E quando entre as suas revelam-se as páginas de Coração (1886), de De Amicis, um dos principais modelos do romance de formação, melhor compreendemos a forma almejada por Sérgio, que, de certo modo, repete os passos do jovem Enrico na sua escola, em Turim. As saudades da sua crônica, porque variação de modelos literários,

46 são hipócritas; e, como tal, ensejam uma escrita todo o tempo dramática, cuja fragmentação culmina em correspondência com trechos, imagens, linhas, personagens, modelos retóricos – ou seja, com a apoteose da ruína. Sérgio atravessa os corredores do Ateneu como um herói... E quando pensamos que relata memórias da vida, ele engendra a metamorfose de célebres infâncias, porque – ele no-lo adverte – são hipócritas as saudades. Nas alvíssaras da “luta” subjaz aquela particular predisposição para o drama trágico, segundo Walter Benjamin (2011, p. 123), que as épocas subsequentes herdaram do barroco enquanto constante histórica da desmistificação da própria História. As leituras que veem o colégio como simulacro da sociedade, assim consideradas, remeter- nos-iam ao velho tópico do mundo como teatro e à simulação alegórica do tempo que estruturam o romance de Raul Pompéia. É o que nos indica o próprio subtítulo – “crônica de saudades”. Nessa perspectiva, a “luta” e o “incêndio” que polarizariam o começo e o fim da narrativa de Sérgio, na verdade tangem os tropos e a cadência trágica de uma linguagem sob o signo da ruína: o exórdio e o arremate na arquitextura retórica de um livro forjado na metamorfose das bibliotecas. Sérgio anda, pois, sobre resíduos literários que nos remetem desde logo a Homero, mas que estão situados – ou melhor, simulados com engenho e arte – no tempo e no espaço de um colégio do século XIX.

A epopeia, aqui revivida por Sérgio, dialoga desde logo com dois tropos, quais sejam, o da Idade de Ouro e o da História. Ambos, assim revividos pela linguagem épica, permitem a Sérgio situar-se no tempo heroico do próprio mito, onde se originam as fábulas e quando os homens falavam pela linguagem poética. Por conseguinte, sua infância embora retroativa, permite-lhe graduar tudo o que vê com olhos de hipérbole e, ao mesmo tempo, desmistificação.

Sérgio tinha onze anos.

Voa como a primeira pomba despertada ao encontro com o desconhecido. Quando abre as portas de sua narrativa, sua memória bi(bli)ográfica e labiríntica, assim “compósita” de muitas leituras, dilatar-se-á no mundo cifrado nos códigos do Ateneu. Sua infância, até então, é um clichê romântico aos poucos ridicularizado por meio da paródia e da sátira.

Haroldo de Campos distingue, dentre os românticos, os “extrínsecos” (Lamartine, Vigny, Musset, Hugo etc.) e os “intrínsecos” (Novalis, Poe, Baudelaire etc.). Os primeiros, estariam marcados pela retórica da “poesia soluço”; os segundos, uma vez assinalados por uma “estética da ruptura”, voltam-se “à materialidade mesma de sua

47 linguagem [...], àquela que se volta para o aspecto material dos signos linguísticos em si mesmos [...]” (CAMPOS, 1977. p. 14). É curioso observar como Raul Pompéia, explorando conscientemente os clichês soluçantes desse romantismo retórico – via paródia –, logra rompê-los em novidade estilística. Pompéia não se limita aos condicionantes históricos da escola romântica, em face da qual, inclusive, é anacrônico; mas extravasa os limites sincrônicos de certos fragmentos estilísticos, perfazendo, por assim dizer, os passos de uma historiografia estrutural da literatura por meio de correspondências de tropos no âmbito da mítica Idade de Ouro. A idealização da infância, por exemplo, tão logo desmentida pelos impasses com a realidade, resulta da profícua tradição retórico-poética de temas afins com a idealização dessa heroica infância. Esses temas se referem “[...] a relações primitivas e são por isso independentes do tempo, uns mais, outros menos” (CURTIUS, 2013, p. 123), razão por que se apresentem em todas as épocas.

Uma investigação das raízes “românticas” de Raul Pompéia, no âmbito sincrônico, leva-nos à genealogia estrutural de Primaveras (1859). Nesse livro, Casimiro de Abreu sedimenta lugares-comuns da chamada escola ultrarromântica: a lírica amorosa, a saudade da infância e da pátria, e a melancolia em face aos desenganos da vida. Dentre as cinco partes que compõem o livro, a primeira se dedica à idealização da infância, materializada no célebre poema Meus Oito Anos:

Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras

À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias Do despontar da existência! - Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é - lago sereno, O céu - um manto azulado, O mundo - um sonho dourado, A vida - um hino d'amor! Que auroras, que sol, que vida,

48 Que noites de melodia

Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar! O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar! Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã.

Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, De camisa aberto ao peito, - Pés descalços, braços nus - Correndo pelas campinas À roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis! Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo, Adormecia sorrindo

E despertava a cantar! Oh! Que saudades que tenho Da aurora de minha vida (...)

A retórica saudosista de Casimiro de Abreu, nesse poema, acha-se endossada pela epígrafe de Victor Hugo: “Oh! souvenirs! printemps! aurores!”. Essas primeiras lembranças, primaveras e auroras que douram o “despontar da existência”, fixam-se nas virgens retinas da meninice por meio da “memória ou dilatada ou compósita” de que falara Giambattista Vico, segundo o qual o espanto das crianças frente ao mundo resulta proporcionalmente da ignorância, isto é, da inocência: “Tanto mais robusta a fantasia, quanto mais débil o raciocínio. O mais sublime ofício da poesia é o de conferir sentido e paixão às coisas insensatas. E é propriamente dos infantes o tomar coisas inanimadas

49 entre as mãos e, entretendo-se, falar-lhes como se elas fossem pessoas vivas” (VICO, 1979). Assim é com a descoberta sinestésica de um mundo gigante pela própria natureza, que permite ao bom selvagem desfrutar da liberdade em meio a laranjais e bananeiras, colhendo a doçura de mangas e pitangas; andando com a camisa aberta ao peito, os pés descalços e os braços nus ao encontro do vento que lhe sopra o rosto virgem de desilusões, das cachoeiras e do mar que cantam, das estrelas que luzem, das campinas que se erguem, das borboletas que voam, das flores que perfumam – um mundo, em resumo, como um “sonho dourado”... Eis como Sérgio desfaz esse “hino de amor” em poucas palavras:

Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.( POMPÉIA, 1981, p. 29).

Eis como, em um parágrafo, por conseguinte, Raul Pompéia dessacraliza e, ao mesmo tempo, explica o clichê como substância maleável conforme a intenção estética:

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo – a paisagem é a mesma beirando a estrada da vida (POMPÉIA, 1981, p. 29).

Vê-se na carta ao leitor, escrita por Casimiro de Abreu a título de introdução: "Este livro fez-se por si, naturalmente, sem esforço, e os cantos saíram conforme as circunstâncias e os lugares os iam despertando [...] Assim, as minhas Primaveras não passam dum ramalhete das flores próprias da estação, flores que o vento esfolhará amanhã, e que

50 apenas valem como promessa dos frutos de outono." Sérgio, parodiando os versos de Casimiro de Abreu, logra uma ironia ainda maior do que a de Oswald de Andrade:

Oh! que saudades que eu tenho Da aurora de minha vida Das horas

De minha infância

Que os anos não trazem mais Naquele quintal de terra Da Rua de Santo Antônio Debaixo da bananeira Sem nenhum laranjais.

Nas paredes do colégio, estampam-se as ilusões de uma origem fabulosa que logo saberá perdidas. Os contatos com o mundo, até ali, haviam sido apenas uma “recordação gulosa” de pão com manteiga da merenda, um e outro colega pitoresco, um palavrão censurado por umas mestras inglesas das primeiras lições. Algo muito diverso o espera além dos portões onde o pai verossímil o abandona nos braços do pai alegórico, que ali reina com leis antigas na figura de Aristarco.

O aviso descortina as utopias da visão paradisíaca e, nesse aspecto romântica, que pintam com áureas cores as reminiscências da infância revivida no clichê. Voltar-se ao tempo com “saudades”, em parte, ameniza os desenganos do tempo hodierno; e, por conseguinte, atualiza a velha utopia de uma edênica Idade do Ouro, que já não pertence aos indivíduos, mas a todas as épocas da História. A crença de que o passado é melhor, endossada pelo heroísmo fabricado pela historiografia, é, por fim, uma negação da própria verdade circunstante sob as brumas do passado:

Assim como para a criança o mundo se mede segundo as próprias vontades e caprichos, o mesmo ocorre com a infância do mundo. Aquela condição de plena bem-aventurança, tal como a viram e cantaram os poetas, representaria a projeção, sobre um plano cósmico, da vida da infância tal como a podem ver os adultos, isto é, uma infância idealizada pela distância: assim, era natural que a situassem no passado. E representa, além disso, o reverso necessário, e em certo sentido compensatório, das misérias do presente (HOLANDA: 2000, p. 185).

Além daquele aviso, Sérgio vislumbra o signo da luta iminente e ancestral que lhe será dado conhecer e, ao mesmo tempo, recordar no recolhimento a princípio bucólico do internato... Recordação ambígua e memorável! “Bastante experimentei depois a verdade

51 deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico” – eis como sublinha a entrada no colégio interno ao qual se destinavam os meninos ricos da época, e o que deixaria para trás desse pórtico engalanado de holografias de ouro – “diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso” (POMPÉIA, 1981, p. 29)10. Essa ilusão de que o passado, sob o signo do “regime do amor doméstico”, é melhor do que o presente, desmente-se página atrás de página, porta sobre porta, na trajetória de Sérgio pelos labirintos do Ateneu. A paródia dessa visão romântica da infância nada mais faz senão realçar a dura realidade debaixo da glória prometida pelo “novo clima rigoroso”. A lição por fim aprendida por Sérgio, é uma lição de arqueologia; sob a casca da vida, ele desenterrará as velhas raízes de sua individualidade literária; na educação “sentimental” de sua experiência no colégio, ele procederá à educação sentimental d’O Ateneu por meio dos fragmentos literários por ele atualizados pela sua nostalgia da forma poética.

Sérgio é um menino educado no clichê do “regime do amor doméstico” e, por isso mesmo, com todos os melindres de uma educação que pinta a realidade com pigmentos exóticos, como se além da casa o mundo se precipitasse como nos mapas antigos. A referência plástica evoca assim o ideal paradisíaco do colégio, com seus pátios e jardins que logo revelarão, por um lado, a morfina abjeta do tédio; mas que, por outro, ensejarão na mente de Sérgio a realidade fabulosa dos livros como ângulo segundo o qual o garoto/ narrador edifica os paralelos entre o Ateneu/O Ateneu... Assim recolhido em si mesmo, ensimesmado com seus áureos botões de lata e soldadinhos de chumbo, Sérgio se depara muitas vezes com a própria imagem no espelho que lhe revelou, por fim, o rosto de Narciso – não poucas vezes, em cacos, desdobrado em holografias barrocas no espelho

10 As citações d’O Ateneu aqui analisadas referem-se à edição estabelecida no volume II das Obras de Raul

Pompéia, organizadas por Afrânio Coutinho. No estabelecimento do texto, cotejaram-se três fontes assim identificadas pelo organizador: A) primeira edição em livro, realizada pela Gazeta de Notícias, em 1888; B) códice de provas da Alves & Cia., com as últimas revisões feitas por Raul Pompéia entre 1888 e 1894; C) edição da Alves & Cia., de 1905, com as ilustrações do autor. O texto base é o B. Um particular, observado no C, são as 355 emendas indevidas feitas por um revisor, ao que tudo indica português, com alterações as mais graves (segundo Afrânio Coutinho, citando também o exemplo de Machado de Assis, esse “aportuguesamento” de autores brasileiros em textos editados no estrangeiro tornar-se-ia relevante na história da filologia e edótica brasileiras, como interferências que devem ser consideradas no âmbito da historicidade da língua e do estilo do autor). Por conseguinte, nas citações, grifaremos os termos linguísticos mais expressivos, a exemplo dos clichês e metáforas, salvo quando já grifados pelo próprio autor.

52 das suas fingidas lágrimas. E o que vê é o desfile de fragmentos épicos atualizados por sua mente literária. Eis como o Ateneu, à primeira vista, recorda-lhe uma Tróia na iminência das guerras, com Príamo encimando as ameias de seu avoengo castelo:

Diante da arquibancada, ostentava-se uma mesa de grosso pano verde e borlas de ouro. Lá estava o diretor, o ministro do Império, a comissão dos prémios. Eu via e ouvia. Houve uma alocução comovente de Aristarco, houve discursos de alunos e mestres; houve cantos, poesias declamadas em diversas línguas. O espetáculo comunicava-me certo prazer respeitoso. O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico, fazia-o incivilmente desaparecer na brutalidade de um contraste escandaloso. Em grande tênue dos dias graves, sentava-se elevado em seu orgulho como em um trono. A bela farda negra dos alunos, de botões dourados, infundia- me a consideração tímida de um militarismo brilhante, aparelhado para as campanhas da ciência e do bem. A letra dos cantos, em coro dos falsetes indisciplinados da puberdade, os discursos, visados pelo diretor, pançudos de sisudez, na boca irreverente da primeira idade, como um Cendrillon mal feito da burguesia conservadora, recitados em monotonia de realejo e gestos rodantes de manivela, ou exagerados, de voz cava e caretas de tragédia fora de tempo, eu recebia tudo convictamente, como o texto da bíblia do dever; e as banalidades profundamente lançadas como as

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