3. Biodiesel: Produção e Propriedades 3.7 Fungos Degradadores de Combustíveis Os fungos são organismos eucariontes com ampla variedade morfológica e crescem formando colônias de dois tipos: leveduriformes e filamentosas. As colônias leveduriformes possuem aparências pastosas ou cremosas, formadas por micro-organismos unicelulares. 46 As colônias filamentosas, além de apresentarem crescimento radial, podem também exibir texturas diversas, desde algodonosas, aveludadas, até pulverulentas; são constituídas fundamentalmente por elementos multicelulares, chamadas hifas, que podem ser contínuas (cenocíticas) ou possuírem septos entre uma célula e outra (septadas) (Loguercio-Leite et al., 2006; Höfling & Gonçalves, 2008). São encontrados nos mais variados ambientes, mesmo naqueles onde as condições de vida são completamente adversas. Sua importância nos ecossistemas se dá principalmente pelo fato de contribuírem para a decomposição da matéria orgânica e ciclagem de nutrientes (Alexopoulos et al.; 1996; Trabulsi & Alterthum, 2008; Fukasawa et al., 2009). Algumas leveduras podem apresentar metabolismo diferenciado, sendo aeróbias facultativas e realizando fermentação quando se desenvolvem em ambientes com pouco oxigênio (Bigaton, 2010; Pratt et al., 2012). Essa plasticidade metabólica já é muito bem explorada pela indústria, o exemplo disso é que algumas leveduras, como as leveduras Saccharomyces cerevisiae e Hanseniaspora guilliermondii, são empregadas em processos industriais importantes como a fabricação de bebidas e na produção de compostos de aroma acetoína com potencial utilização na indústria, respectivamente (Mello, 2001; Badotti et al., 2010; Carvalho & Zambiazi, 2011). Outros fatores são considerados muito importantes para o crescimento fúngico, como por exemplo, temperatura, pressão osmótica e pH do meio. A faixa de temperatura que possibilita o crescimento desses micro-47 organismos é muito ampla, mas 25°C é considerado a temperatura média, que todos os fungos conseguem se desenvolver (Kavanagh, 2011). Ainda que o pH mais adequado ao crescimento dos fungos esteja entre 5 e 7, a maioria dos fungos tolera amplas variações no pH. Os fungos filamentosos, por exemplo, podem crescer na faixa entre 1,5 e 11, porém os leveduriformes não toleram pH alcalino (Singh, 2006; Colauto et al., 2008; Trabulsi & Alterthum, 2008; Kavanagh, 2011). 3.7.2 Exoenzimas fúngicas Os fungos produzem uma ampla variedade de enzimas degradadoras, que, quando liberadas no ambiente (exoenzimas) podem levar à completa mineralização de moléculas orgânicas ou inorgânicas, ou ainda disponibilizar compostos, produtos de degradação para outros organismos, como bactérias. O sistema enzimático fúngico é um sistema bastante complexo, com capacidade para degradar moléculas recalcitrantes na natureza, que são encontradas fazendo parte de resíduos vegetais, como, por exemplo, a lignina e compostos xenobióticos, como benzeno, benzopireno, antraceno e naftaleno (Hencklein et al., 2007; Maciel et al., 2010; Arun & Eyini, 2011). O potencial degradador dos fungos aumenta quando comparados a outros micro-organismos, pois são adaptáveis a características ambientais extremas (Magan, 1997; Singh, 2006; Loro et al., 2012). Na degradação de óleos combustíveis algumas outras enzimas estão envolvidas, como as oxigenases, que é um exemplo das classes de 48 enzimas que são necessárias para que um micro-organismo utilize esses compostos como fonte de carbono. A classe de enzimas denominadas hidrolases, como lipases e esterases, possui um papel fundamental no início da degradação do biodiesel. Essas enzimas destacam-se por sua estabilidade em solventes orgânicos, alta especificidade com relação ao substrato e o não requerimento de cofatores para a reação (Whiteley et al., 2003; Suzuki et al., 2004, Hasan et al., 2006). A classe das enzimas lipases hidrolisam triglicerídeos em interfaces óleo-água e está posicionada apenas atrás de proteases e carbohidrases no mercado mundial de enzimas, possuindo cerca de 5% de todo esse mercado (Vakhlu & Kour, 2006). A degradação aeróbia de hidrocarbonetos, que são encontrados nos combustíveis fósseis é considerada mais rápida e completa e envolve a ação das oxigenases (Das & Chandran, 2010; Pazmiño et al., 2010). A maior parte dos micro-organismos oxidam os hidrocarbonetos através de enzimas da classe das monooxigenases, as alcanos hidroxilases, as quais catalisam a adição de um grupo hidroxila nas regiões terminais, subterminais ou biterminais da cadeia hidrocarbônica (Funhoff & Van Beilen, 2006; Hamamura et al., 2008). Por outro lado, nos mecanismos de degradação envolvendo enzimas dioxigenases, os alcanos são convertidos em hidroperóxidos e subsequentemente reduzidos a alcoóis correspondentes (Fritsche & Hofrichter, 2000; Haritash & Kaushik, 2009). As moléculas resultantes da ação enzimática são então transformadas em intermediários das rotas comuns do metabolismo microbiano, via ciclo do ácido cítrico (Bamforth & Singleton, 2005). 49 Alguns micro-organismos já possuem sua capacidade deteriogênica bem explorada pela literatura, porém alguns aspectos ainda necessitam explicações e, portanto, são continuamente alvos de estudos pela comunidade científica. Schultz (2010) acompanhou o crescimento do fungo Pseudallescheria boydii, entre outros micro-organismos, em meio mineral e diesel, e encontrou resultados de crescimento constante nos tratamentos, bem como a produção das enzimas lipase, monoxigenase e dioxigenase, o que o caracteriza como um possível degradador de diesel. Além disso, alguns estudos já descreveram sua capacidade de degradação de dioxina, um organoclorado altamente carcinogênico, com remoção final de 92% desse contaminante em sistemas de biorreatores (Ishii & Furuichi, 2007). Cazarolli et al. (2012) monitorou o crescimento do isolado P. boydii em biodiesel de sebo bovino e constatou que a forma de produção do biodiesel interferiu na produção de biomassa pelo fungo, sendo que o biodiesel de sebo bovino, cuja produção foi utilizado com o catalisador KOH promoveu o maior crescimento, em relação ao biodiesel de sebo bovino produzido com o catalisador NaOH. Outros fungos como Aspergillus fumigatus, Hormoconis resinae e Candida silvícola, foram isolados através da filtração dos sedimentos biológicos presentes em tanques de armazenamento do combustível diesel (Bento et al., 2005). Por essa mesma técnica de filtração, o isolado Paecilomyces variotii 50 morfológicos analisados em microcultivo (Bücker et al., 2011). Outras espécies de Aspergillus foram descobertas em tintas à base de água (Bach & Rangel, 2005). Alguns micro-organismos do gênero Penicillium sp. foram isolados do herbicida 2,4-D, químico amplamente utilizado na agricultura (Guedes, 2010). Mucor plumbeus, Penicillium adametzii e Eupenicillium hirayamae, entre outros fungos, foram encontrados em pentaclorofenol, etc (Carvalho et al., 2009). Esses micro-organismos podem entrar no sistema de armazenamento de combustível via ar, água de lavagem poluída, tubulações contaminadas ou proveniente do biofilme formado nas paredes dos tanques, e, de posse de um sistema metabólico, como o descrito anteriormente, com capacidade e plasticidade suficientes, conseguem crescer e degradar o combustível estocado, diminuindo o tempo de armazenagem do produto (Gaylarde et al., 1999). Outros fatores são muito importantes para o crescimento fúngico, como por exemplo, temperatura, pressão osmótica e pH do meio. A faixa de temperatura que possibilita o crescimento desses micro-organismos é muito ampla, mas 25°C é considerado a temperatura média, que todos os fungos conseguem se desenvolver (Kavanagh, 2011). Ainda que o pH mais adequado ao crescimento dos fungos esteja entre 5, 6 e 7, a maioria dos fungos tolera amplas alterações no pH. Os fungos filamentosos, por exemplo, podem crescer na faixa entre 1,5 e 11, porém os leveduriformes não toleram pH alcalino (Singh, 2006; Colauto et al., 2008; 51 3.7.3 Necessidades energéticas Os fungos são considerados quimiorganotróficos, ou seja, obtêm sua energia e fonte de carbono da quebra de compostos orgânicos e possuem basicamente as mesmas necessidades energéticas principais que outros micro-organismos: nitrogênio, fósforo e carbono (Kavanagh, 2011). As fontes de carbono preferenciais são carboidratos simples, como D-glicose e os sais minerais como sulfatos e fosfatos, porém na falta destes, são capazes de utilizar carbonos de outras substâncias mais recalcitrantes, como hidrocarbonetos aromáticos (Jonathan & Fasidi, 2001; Prenafeta-Boldu et al., 2001; Madigan et al., 2010; Tortora et al., 2011; Kennes & Veiga, 2012). Oligoelementos, como ferro, zinco, manganês, cobre, molibdênio e cálcio são necessários em pequenas quantidades e agem como cofatores enzimáticos. Alguns fungos requerem fatores de crescimento que não conseguem sintetizar, em especial vitaminas como tiamina, biotina, riboflavina, ácido pantotênico, etc (Cardoso et al., 2009; Kavanagh, 2011). Uma das formas utilizadas para o isolamento de micro-organismos degradadores de um determinado contaminante é o método de enriquecimento. Nesta técnica, utiliza-se um meio mínimo mineral, como suporte de sais minerais, e a adição de um dado composto orgânico é oferecido como a única fonte de carbono e energia. Bushnell & Haas, em 1941, confeccionaram um meio mineral simples com o objetivo de isolar os micro-organismos capazes de usar hidrocarbonetos como única fonte de carbono e energia para o seu crescimento. Esses autores concluíram que algumas substâncias como 52 petróleo, querosene, gasolina, óleos minerais e a parafina poderiam ser utilizadas como fonte de carbono por diversos micro-organismos (Bushnell & Haas, 1941; Bücker et al., 2011; Simons et al., 2012; Prince et al., 2013). Outros meios foram confeccionados com a função de suporte mineral, como os meios Richard e Vogel, Tanner, Kaufmann e Kearney e Bastiens, entre outros, sendo a diferença entre eles é a concentração de minerais que cada meio possui (Kaufmann & Kearney, 1965; Shuttleworth & Cerniglia, 1996; Richard & Vogel, 1999; Bastiens et al., 2000). A finalidade desses meios é auxiliar no isolamento e crescimento de micro-organismos, dando-lhes os macro e micronutrientes necessários para seu desenvolvimento e, em contrapartida, a fonte de carbono virá da substância a ser testada para sua biodegradabilidade. No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE CIÊNCIAS BÁSICAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MICROBIOLOGIA AGRÍCOLA E DO AMBIENTE (páginas 45-52)