• Nenhum resultado encontrado

Futebol no sertão do São Francisco Francisco Demetrius L. Caldas

No documento Depois da Avenida Central (páginas 197-200)

Bruno Otávio de Lacerda Abrahão

Nas margens do São Francisco nasceu a beleza E a natureza ela conservou

Jesus abençoou com sua mão divina

Pra não morrer de saudade vou voltar pra Petrolina Do outro lado do rio tem uma cidade

Que na minha mocidade eu visitava todo dia Atravessava a ponte, ai que alegria

Chegava em Juazeiro, Juazeiro da Bahia Hoje me lembro que no tempo de criança Esquisito era a carranca, e o apito do trem Mas achava lindo quando a ponte levantava E o vapor passava num gostoso vai e vem Petrolina, Juazeiro, Juazeiro, Petrolina Todas duas eu acho uma coisa linda Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina. Jorge de Altinho (1984)

A música “Petrolina Juazeiro” do pernambucano Jorge de Altinho deu voz às relações históricas e culturais entre estas duas cidades do sertão nordestino. A primeira, no estado de Pernambuco, e a segunda, na Bahia, são separadas pelo Rio São Francisco e por uma rede de discursos elaborados sobre quais seriam os traços de distinção e diferenciação de uma cidade em relação à outra. Embora tenham crescido às mar-gens do Velho Chico com as possibilidades econômicas que os ventos do progresso traziam, o desenvolvimento acelerado da região foi protagonizado por Petrolina.

O fato de serem tão próximas faz com que tenham muitas semelhanças, mas sobretudo também muitas diferenças e particularidades que se expressavam nas dimensões da vida como a economia, o desenvolvimento urbano, social e cultural destas cidades. Como canta a música de Jorge de Altinho que se tornou uma representação da polarização histórica entre as cidades, Petrolina terminou por representar as narrativas de progresso e modernidade enquanto Juazeiro representava o atraso e o antigo.

Esta disputa em torno dos significados dos traços da identi-dade cultural de cada ciidenti-dade ganhou também o terreno esportivo através da idealização de um jogo de futebol amador praticado por times destas cidades vizinhas: o bApE. O nome do evento sugere seu diferencial: um jogo de futebol que fazia do seu atra-tivo as representações e significados socioculturais construídos sobre as cidades. Em jogo estava a necessidade de estimular o futebol da região e demarcar o diferencial e a superioridade de uma cidade em relação à outra também no campo esportivo.

Realizadas a partir do ano de 1972 e se estendendo até o ano de 1996, estas partidas mobilizavam equipes esportivas, diri-gentes, atletas amadores, torcedores, jornalistas e demais ad-miradores do futebol, mais especificamente do Sertão Médio do São Francisco, onde se situam estas cidades. Do ponto de vista sociocultural, estes jogos são férteis para interpretação de significados construídos sobre as cidades. Neste sentido, o objetivo deste capítulo é interpretar os diferentes significados histórico-culturais da trajetória do torneio futebolístico bApE, a partir da mídia impressa.

Os esportes no vale do São Francisco

Os dados desta pesquisa, que se constituíram em matérias jornalísticas dos principais jornais destas cidades, permitiram também desenvolver uma visão panorâmica sobre as práticas esportivas historicamente desenvolvidas nesta região. Estas investigações revelaram que a imprensa escrita se estrutura

na região a partir de 1855, e que a presença do esporte nesta

imprensa data desde a primeira metade do século 20.1

Estudos de campos fazem referência ao um impresso em formato de tabloide que circulou na região nos anos de 1940,

reeditado nos anos de 1960, denominado Esporte.2 Este

perió-dico, pertencente à Liga Desportiva de Juazeiro, a Ldj, já refe-renciava as equipes de futebol amador de Juazeiro e Petrolina envolvidas nos campeonatos municipais de futebol, já popula-res naquele período. Assim, o futebol detém de forma hegemô-nica a atenção desta imprensa, considerando também que co-meçou a ser praticado em Juazeiro e Petrolina entre 1915 e 1920.3

No período de 1972 a 1996, considerado o arco temporal desta pesquisa, concomitante as notícias sobre o objeto de pesquisa, neste caso, o torneio futebolístico bApE, encontra-mos também notícias sobre outras práticas esportivas na re-gião. Destaque para matérias sobre os torneios de futsal regio-nais realizados pela rede pública ou privada de educação. Em uma escala menor, encontramos ainda eventos desta mesma natureza com outros esportes como o voleibol e o basquete. Estas matérias datam sobretudo das décadas de 1980 e 1990. Na década de 1980, encontramos também no cenário esportivo da região, eventos competitivos de judô e algumas iniciativas em torno da capoeira.

Pela proximidade do rio São Francisco, esta região natural-mente desenvolveu relações históricas com a prática de na-tação. Competições no rio já aconteciam com frequência na década de 1970. Outras práticas esportivas disseminadas na região são a corrida de rua, os grupos de ciclismo e esportes aquáticos realizados nas margens do rio, como a canoagem ou o caiaque.

Em virtude do olhar ter sido direcionado ao futebol nas visitas a estas fontes, reconhecemos a limitação destas infor-mações referentes às demais práticas esportivas da região. Um estudo mais aprofundado fundamentaria estas informações, bem como revelariam outras, como exemplo, a prática da va-quejada ou as competições que ocorrem na caatinga. Próximos

estudos podem dar conta da gama de esportes que vem se con-solidando no Vale do São Francisco.

Metodologia

Compreendemos esta pesquisa enquanto uma investigação histórica, uma vez que pretende construir um itinerário his-tórico e a interpretação de significados associados a partidas de futebol que opunham Petrolina e Juazeiro, metonimizadas nos times que representavam as cidades. Esta iniciativa, por-tanto, situa-se no âmbito dos estudos históricos e sociocul-turais do esporte, entendido como uma ramificação da Nova História Cultural, que procurou privilegiar a importância das investigações das práticas corporais.4

Como fonte histórica para acessar estes significados, op-tamos pelo jornalismo impresso, mais especificamente dois periódicos destas cidades: o Jornal de Juazeiro, publicado em Juazeiro, e jornal O Fharol, publicado em Petrolina. Os jornais como fontes de pesquisa se relacionam com o próprio desen-volvimento histórico do futebol, que não teria sido o mesmo sem a presença e contribuições da imprensa escrita. Em seu passado, os periódicos foram determinantes, pois “tornaram--se a base para que historiadores e cientistas sociais pudessem

se debruçar sobre suas temáticas mais caras”.5

O tratamento dos dados foi realizado por meio da análise documental, pesquisando no acervo dos jornais as notícias sobre o evento ao longo dos anos. Estas notícias foram organi-zadas a partir das décadas de sua existência, compreendendo a partir destas leituras os significados do jogo em seus diferen-tes períodos.

Resultados e discussões

Do ano de 1972 a 1996, encontramos o total de 174 (cento e setenta e quatro) reportagens em sua expressiva maioria do

No documento Depois da Avenida Central (páginas 197-200)