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Génese da obra Pli selon pli (Portrait de Mallarmé) A primeira versão da obra Pli selon pli (Portrait de Mallarmé) foi escrita por Pierre Boulez

No documento Redução para piano: três especificidades (páginas 120-124)

col Violoncello Obbligato de Fernando Lopes-Graça.

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6.2 Reduções de Obras para Solistas Vocais e Orquestra No presente grupo incluímos as obras originalmente escritas para voz e orquestra Existem

6.2.1 Génese da obra Pli selon pli (Portrait de Mallarmé) A primeira versão da obra Pli selon pli (Portrait de Mallarmé) foi escrita por Pierre Boulez

entre 1957 e 1962. O título da obra de Pierre Boulez é proveniente da primeira quadra do soneto

Remémoration d’amis belges122 do poeta Stéphane Mallarmé: “...Que se dévêt pli selon pli la

121 “Formosamente monótono e monotonamente formosa“ (tradução livre) Stravinsky, I. (July 1, 1971), Stravinsky: The Last Interview, The New York Review of Books, Vol. 16, n.º 12. Nova Iorque: The New York Review of Books

122Mallarmé, S. (1899). Poésies. Bruxelles: Deman. Mallarmé, S. (2004). Poesias. Tradução José Augusto Seabra. Lisboa: Assírio & Alvim.

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pierre veuve...”. Nele o poeta descreve a luminosa neblina que se dissipa pouco a pouco – pli selon pli, como a abertura de uma cortina, revelando a pedra (neste caso as fachadas dos vetustos edifícios de Bruges). O mesmo acontece com a história de composição da obra. O próprio compositor descreve o nascimento com as seguintes palavras:

“Es ist nach und nach entstanden, und am Anfang hatte ich keine Ahnung, was das für ein Stück werden würde.”123.

O processo de composição é iniciado em 1957 com a escrita de Improvisation I sur Mallarmé. A génese da obra surge de uma forma lúdica, que serviu de recuperação ao compositor após a criação da Terceira Sonata124 para piano e de Structures II125 para dois pianos. No mesmo ano foi composta Improvisation II sur Mallarmé, obra que foi encomendada pelo Norddeutschen Rundfunk (NRD) em Hamburgo. Em 1959 foram escritas Improvisation III sur Mallarmé e a primeira versão (ainda incompleta) de Tombeau, em memória do príncipe Max Egon von Fürstenberg, por ocasião do seu falecimento em Donaueschingen. Esta versão foi posteriormente reescrita e ampliada pelo compositor. Mais tarde, quando os contornos da obra se

REMÉMORATION D’AMIS BELGES A des heures et sans que tel souffle l’émeuve Toute la vétusté presque couleur encens Comme furtive d’elle et visible je sens Que se dévêt pli selon pli la pierre veuve Flotte ou semble par soi n’apporter une preuve Sinon d’épandre pour baume antique le temps Nous immémoriaux quelques-uns si contents Sur la soudaineté de notre amitié neuve O très chers rencontrés en le jamais banal Bruges multipliant l’aube au défunt canal Avec la promenade éparse de maint cygne Quand solennellement cette cité m’apprit Lesquels entre ses fils un autre vol désigne A prompte irradier ainsi qu’aile l’esprit.

REMEMORAÇÃO DE AMIGOS BELGAS Sem que um sopro a comova a uma hora qualquer A inteira vetustez quase da cor do incenso Como furtiva e nítida eu já sinto que dela Se despe enviuvada e prega a prega à pedra Flutua ou aparenta por si nenhuma prova Trazer senão o antigo bálsamo do tempo Nós imemoriais e alguns bem contentes Ao calor da amizade tão rápida e tão nova Ó meus caros reunidos nessa nunca banal Bruges abrindo a aurora ao defunto canal Com o sulco alongado e esparso dos cisnes Eis que solenemente dessa cidade soube A quais dentre os seus filhos um outro voo coube De logo irradiar como uma asa o espírito.

123 “ela viu o dia pouco a pouco e no início eu não tinha qualquer ideia do que se tornaria no final” (tradução livre). Fink, W. (2002). Der Komponist zu seinem Werk - Pierre Boulez im Gespräch mit Wolfgang Fink. Notas do folheto do CD Deutsche Grammophon DDD 0289 471 3442 8 GH, Boulez Pli Selon Pli.

124 Pierre Boulez, Troisième sonate pour piano, última sonata do compositor para piano em cinco “formants”, dos quais apenas dois foram publicados, Darmstadt, 1958.

125 Pierre Boulez, Structures pour deux pianos, deuxième livre (Structures II), obra para dois pianos em dois capítulos, 1961, Donaueschingen. “O primeiro capítulo de Structures II foi escrito em 1956, o segundo capítulo foi concluído em 1961”. Häusler, J. (1965). Klangfelder und Formflächen: Kompositorische Grundprinzipien im II. Band der Structures von Pierre Boulez. Notas em LP WERGO WER 60011, Pierre Boulez: Structures pour deux pianos, premier livre et deuxième livre. “[O segundo capítulo de Structures II] não foi tanto terminado como abandonado, e a Terceira Sonata para piano contínua em processo de finalização” (tradução livre) Griffiths, P. (2002). Notas do folheto do CD Deutsche Grammophon DDD 0289 471 3442 8 GH, Boulez Pli Selon Pli.

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tornaram claros, nasce em 1960 o último andamento – Don na versão inicial para piano e voz que complementa o ciclo, tendo em conta as diversas considerações sobre o conteúdo e a forma que se manifestaram ao longo do processo da composição dos outros andamentos.126

(...) Wenn man die ursprünglichen Fassungen der fünf Sätze von Pli selon pli betrachtet, ergibt sich ein crescendo in der Besetzung (...)127

Don foi escrito para piano e voz;128

Improvisation I para soprano e sete instrumentistas: vibrafone, sinos tubulares, harpa e quatro percussionistas;

Improvisation II para soprano e nove instrumentistas: vibrafone, sinos tubulares, harpa, celesta, piano e quatro percussionistas;

Improvisation III para soprano e orquestra de câmara;

Apenas o último andamento, Tombeau foi escrito para ensemble inteiro.

Em 1962 Improvisation I sur Mallarmé e Don foram orquestrados, e o andamento Tombeau foi concluído na sua versão completa.

Dann merkte ich, dass die erste Improvisation im Vergleich mit der dritten kein rechtes Gewicht hatte. Die Neufassung von Improvisation I ist nicht nur eine Orchestrierung, sondern auch eine Erweiterung und Verdichtung, so habe ich die melodische Linie, mit Echos, Imitationen usw. angereichert. Konsequenterweise musste ich auch Don in dieser Richtung erweitern. Jetzt gibt es bei der integralen Aufführung aller Sätze ein Decrescendo zur Mitte und

ein Crescendo zum Schluss hin. Die Formtendenz hat sich also vollkommen geändert.129

126 Fink, W. (2002). Der Komponist zu seinem Werk - Pierre Boulez im Gespräch mit Wolfgang Fink. Notas do folheto do CD Deutsche Grammophon DDD 0289 471 3442 8 GH, Boulez Pli Selon Pli.

127 “Se observar as versões originais dos cinco andamentos de Pli selon Pli, é possível encontrar um crescendo na escrita da própria obra”. (tradução livre) Fink, W. (2002). Der Komponist zu seinem Werk - Pierre Boulez im Gespräch mit Wolfgang Fink. Notas do folheto do CD Deutsche Grammophon DDD 0289 471 3442 8 GH, Boulez Pli Selon Pli.

128 “Essa versão é uma adaptação um pouco apressada retirada de peça inacabada para flauta solo intitulada Strophes: era relevante enquanto o Boulez imaginava Pli selon Pli como gradual crescendo. Ele manteve e orquestrou alguns compassos que se encontram na versão orquestral”. Piencikowski, R. comunicação pessoal, 21 Junho 2012.

129 “Pareceu-me que a Improvisation I não possuía a gravidade necessária em relação à Improvisation III. A nova versão de Improvisation I não era somente uma orquestração, mas uma versão amplificada e intensificada da peça inicial: eu enriqueci a linha melódica com ecos, imitações, etc. Como consequência, faltou-me guarnecer Don da mesma forma. Hoje, a obra apresenta um decrescendo desde o início até ao meio, depois um crescendo do meio até ao final. Portanto, a tendência da forma mudou

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A progressão de intensidade e dos meios instrumentais na obra:

(Figura 5)

Essa tendência pode igualmente ser aplicada à utilização do soprano ao longo de toda a obra. Na última versão do Don o soprano tem três curtas intervenções: no início (compasso 2) e na parte central do andamento (N 33, 35 e 37, praticamente sem acompanhamento). Na Improvisation I a voz constitui a ”trave mestre” da composição, enquanto na Improvisation II o soprano partilha a sua função entre intervenções solísticas como elemento de ensemble dos instrumentos; na Improvisation III a soprano está presente no início da obra acompanhada com um sombrio acompanhamento de quarteto de flautas. A partir do N. 10 a voz é afastada pelo conjunto orquestral, reaparecendo novamente para se gradualmente dissipar ao longo do andamento. Em Tombeau a voz intervém só no final da obra com uma única frase. Assim, a evolução da parte do soprano poderia ser observada como: crescendo de Don para o início de Improvisation III e decrescendo130 ao longo da terceira improvisação até Tombeau (Figura 6).

O esquema de evolução da parte de soprano na sua intensidade ao longo do ciclo:

(Figura 6)

completamente”. (tradução livre). Fink, W. (2002). Der Komponist zu seinem Werk - Pierre Boulez im Gespräch mit Wolfgang Fink. Notas do folheto do CD Deutsche Grammophon DDD 0289 471 3442 8 GH, Boulez Pli Selon Pli.

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Deve notar-se, que a presença ou ausência da voz está relacionada intimamente com a densidade da música. A maior densidade da música implica a presença implícita do poeta. Enquanto a menor densidade implica a presença explícita do poeta.

Na sua totalidade a obra pode ser considerada como uma espécie de viagem à conceção da relatividade da forma (ou obra aberta, no termo criado por Umberto Eco). Os andamentos que foram objeto de maior reorganização e revisão, no sentido de retirar a flexibilidade da escolha ao intérprete que tinha sido previamente estabelecida, são Tombeau (em 1960 e 1962), Improvisation III (em 1983) e Don (em 1990). Na sua maioria tais alterações surgem por razões económicas, e para o melhor aproveitamento do tempo dos ensaios.131

6.2.2 Gravações de Pli selon pli (Portrait de Mallarmé)

No documento Redução para piano: três especificidades (páginas 120-124)