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Às epístolas, se aplicam as teorias e reflexões do gênero carta. Reiteramos que todas as metodologias utilizadas nesta tese, assim como a questão do gênero, estarão em correlação direta e hierarquicamente abaixo do enfoque enunciativo. A enunciação será vista nos três modelos de abordagem: a) em sua criação, sua gênese; b) no seu ato comunicativo; e c) na criação de um objeto textual e discursivo. A escolha da enunciação como "a ave que choca o ovo" que fará nascer nosso discurso em contato com seus leitores tem, além da pertinência teórica, uma justificativa prática. Ela se encontra marcada visceralmente no gênero da epístola, incontestavelmente uma interação discursiva. Uma epístola/carta, em cujo gênero de discurso a INSTÂNCIA DA

ENUNCIAÇÃO é admitida como mais facilmente marcada na discursivização. Por isso

mesmo, nosso olhar sobre essa instância é indispensável para busca significado/sentido, tanto no que se refere à sua gênese, como ato de textualização/discursivização e como ato de interlocução/interação.

Se, como alguns teóricos admitem toda literatura é uma "lettre" endereçada a um leitor, o gênero epístola/carta é o protótipo da literatura pois condensa e capitaliza, na própria forma de discursivizam, as demais implicâncias enunciativas que lhe são inerentes. (sua gênese e seu ato comunicativo). A Epístola tem marcada no texto a presença indissociável da enunciação, como ato de interlocução/interação. Esse fato leva o leitor a reparar igualmente na questão dos lugares, de onde fala o

31 do grupo ao qual pertence, num lugar de autoridade em relação ao destinatário. Quanto à discursivização: as escolhas do modo de dizer; e sua construção a narratividade e o agenciamento de figuras; o texto de Tiago é dialético. O orador admite a participação do auditório como interlocutor participante. Destacamos a argumentação, que tanto parte de questões tidas como importantes e aceitas pelo auditório principal, como também pelo modo de discursivizam, rico em marcas que criam um diálogo.

A questão do gênero da epístola de Tiago pode ser focalizada do ponto de vista retórico tradicional. Os grandes gêneros da retórica são: judiciário, deliberativo, e epidídico. Numerosos são os autores que apontaram a imperfeição dessa categorização. Ela apenas indica um esforço metodológico que leva em conta a situação da interação e o objetivo do discurso. Decidimos não optar pela classificação rígida da Epístola de Tiago como pertencendo a um determinado gênero retórico e, ao mesmo tempo, excluindo os outros. O fato é que a epístola, como toda a carta, vale-se dos recursos da retórica no ato da interação dialética que lhe é inerente. Assim o texto/discurso de Tiago como um todo é retórico/argumentativo e contendo micro-discursos que podem ser enquadrados nos três gêneros retóricos.

Assim a classificação da epístola como sendo do gênero judiciário está mais diretamente ligada ao percurso narrativo da relação homem/Deus, p. ex. nos Vers: 2:3 e 4:11, e na relação homem/homem p. ex. nos vers. 2:6 e 5:12; como gênero deliberativo, ao percurso narrativo da relação do homem consigo mesmo, representado pelo auditório desejoso de saber o que é útil ou nocivo para construção de sua identidade e, como epidídico, ao percurso narrativo discursivizado de forma dramática (auditório/espectador) e vinculado a um elogio ou a uma censura. A maior ou menor ocorrência de marcas do gênero pode nos levar a estabelecer uma hierarquia de predominância na epístola, ainda que provavelmente falha, que vai do deliberativo, passando pelo judiciário e chegando no epidídico.

O discurso de Tiago é sem dúvida, como um todo, do gênero deliberativo, já que o auditório é delimitado a uma assembléia; o tempo ao qual os temas se referem é o

futuro.25 Na epístola predominam os atos de aconselhar ou desaconselhar; trata de valores úteis ou nocivos; e usa como um dos argumentos, o exemplo. Os exemplos são mesmo explícitos e aparecem na evocação de fazeres de personagens do AT. Mas, os exemplos são igualmente pressupostos e aparecem no uso das orações hipotéticas que têm igualmente um caráter de exemplo, já que são consideradas, argumentativamente, como reais. Ver ocorrências de argumentos pelo exemplo, explícitos e/ou pressupostos, a seguir:

Exemplos explícitos:

2:20 " & % & ) "

8

2:20 Oh! Ser humano vazio! Tu estás querendo saber porque a fé separada dos trabalhos é inativa ?

2:21 . / " " 0 . " "

" " " 8

2:21 O nosso pai Abraão não foi “justificado” a partir dos trabalhos, tendo levado para cima/oferecido Isaac, o seu filho, sobre o altar do sacrifício?

2:25 " " 9: "/ 0 0

" " * * / 8

2:25 Da mesma forma, também, Raab a meretriz não foi justificada a partir dos trabalhos, tendo acolhido os mensageiros e os tendo enviado por outro caminho ?

5:10 / & & " "

. . . 5:17 .; % " . . .

.

5:10 Irmãos, tomai exemplo da dificuldade/sofrimento e da paciência dos profetas. 5:17 Elias era um homem de mesmo sentimento que nós

Exemplos pressupostos:

3:2 * &

3:2 Se alguém não tromba/tropeça em palavra/logos

3:3 " ) " " " 5 /

3:3 Ora, se lançamos os freios para dentro da boca dos cavalos,

4:11 " & " " +

4:11 E, se julgas/continuas julgando a lei, não és fazedor/produtor da lei, mas juiz.

25 Não estamos falando aqui das marcas textuais que se utilizam do tempo verbal futuro, mas sim do

grande uso de exortações, no modo imperativo, que clamam por uma realização futura. Imperativos que, quando no aspecto Infectum/Inacabado, contêm o sentido de uma realização imediata do ato ou continuação do ato já em curso. Quando no aspecto verbal pontual, simplesmente mencionam a ação, deixando-a no ar para ser pensada e/ou realizada no futuro.

33 A epístola como um todo pode ser considerada como do gênero deliberativo porque assinala o que é útil ou nocivo, quando se leva em conta o Percurso Narrativo do destinatário, na (des)construção da sua identidade.26 Por sua vez, como gênero judiciário, a epístola assinala o que é justo ou injusto: no relacionamento dos auditórios com Deus; no relacionamento dos seres humanos entre si; e no relacionamento do ser humano consigo mesmo. Os modos de dizer do orador auxiliam a reforçar o enquadramento da epístola como sendo do gênero judiciário. Em Tiago, o que é justo ou injusto aparece, por exemplo, em sanções dos pequenos percursos narrativos, como abaixo:

2:3 / # " " " " " " " & 5 "

$ & " * * & 5 " < " "

&

2:3 Se vós lançardes o olhar sobre o que traz a veste brilhante e disserdes: senta tu/inicia o ato de sentar aqui/deste modo bem e se ao pobre disserdes: coloca-te de pé ali ou senta/inicia o ato de sentar abaixo do lugar de colocar o meu pé/meu escabelo.

2:4 " " 8

2:4 Não fizestes discriminações/juízos atravessados entre vós mesmos e não vos tornastes juízes raciocinando/calculando maldosamente?

O discurso de Tiago aconselha e desaconselha o auditório a respeito de sua posição futura dentro da nova reunião/assembléia, a “igreja” , ou no seu “fazer religioso/ religião” .

Finalmente, toda a temática religiosa bíblica é tratada do ponto de vista oratório como um tema jurídico. São abundantes as metáforas discursivas do campo jurídico utilizadas pelos autores do NT. O tema central do NT é a relação homem/Deus em que os membros das doze tribos na dispersão são vistos como num tribunal, no qual por meio do trabalho da personagem Jesus os homens têm suas faltas perdoadas. Assim,

26 Como aparece, por exemplo, em vers. 1:26 , “fazedor/religioso”; vers. 1:18

, “um certo tipo de primícia das criaturas dele”; ou vers. 1:25 “bem-aventurado no fazer

dele”, * ; vers. 1:12 “recebedores da coroa da vida”, cf. # "

2 ; vers. 2:5 “herdeiros do reino que ele prometeu”, /

igualmente, na Epístola de Tiago o tema jurídico está evidenciado, discursivamente nos termos utilizados, argumentos, e tópicos, não só na relação homem/Deus como na relação homem/homem. 27

Já o gênero epidídico aparece, por exemplo, na argumentação ligada à temática dos “ricos” . A eles está ligada a censura, marcada visceralmente pela presentificação do estado dos actantes pelo aspecto verbal Perfectum /Perfeito/Acabado.

Alem de ser uma carta, epístola, o discurso de Tiago tem, de acordo com os comentaristas, a característica de um panfleto que deveria circular e ser lido em voz alta, oralmente, conforme abaixo:

James may be thought of as a homiletical letter intended to be circulated and read aloud (as were all letters) by early Christian

communities influenced by Jerusalem church.28

Tiago pode ser considerado como uma carta homilética destinada a circular e ser lida à distância pelas comunidades cristãs primitivas, influenciadas pela igreja de Jerusalém (tradução nossa).

Tal peculiaridade é possível de ser constatada na própria epístola com marcas textuais do chamado imperativo na terceira pessoa do singular. Tal recurso lingüístico textual indica que o orador se dirige a um auditório especifico. O auditório, por sua vez, transmitirá a exortação àqueles para quem a carta for lida. Assim, a tradução do imperativo da terceira pessoa, sugerida por Murachco: diga a ele que, serve para marcar o que acabamos de explanar.

27 O gênero judiciário postula uma tese perante um terceiro, tentando persuadir o julgador. Este jogo

interativo aparece em Tiago, quando o orador apresenta ao seu auditório o membro das doze tribos referenciado como alguém, ninguém, cada um, etc. Com aquele tipo de discursivização, o orador mostra para as doze tribos na dispersão, como um todo, a ação de uma personagem individual. Naquele momento, as mesmas doze tribos na dispersão - como auditório - funcionam como julgadores, afinal, de seu próprio ato. Mas também criando uma cena fictícia, como na cena da sinagoga (vers. 2-8), o orador isola o destinatário de seu próprio ato, para que ele seja persuadido no ato de julgar a si mesmo.

CAPÍTULO 04

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