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O gênero memorial como dispositivo de for mação e autoformação: reflexões iniciais

Ana Lúcia Gomes da Silva Luiz Felippe Santos Perret Serpa

No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece [...] por isso ninguém pode aprender da experiência do outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria.

Larrosa (2001, p. 2)

Memorial: “que gênero é esse”?!!!

Como nos afirma de forma pertinente Jorge Larrosa (2001), na epígrafe que abre este texto, o sentido do que nos acontece passa pela experiência, afinal, ouvir a experiência do outro, partilhar, comover-se, é também implicar-se. Ser afetado, entretanto, não subs- titui a dimensão do experienciar, vivenciar, pois a experiência é própria e por isso mesmo intransferível. A aprendizagem passa, pois, pela experiência e posteriormente se torna narrativa, memó- ria, teoria. Serve de referência a contextos diversos de aprendiza- gem e de forma dialética volta a ser prática e novamente refletida; é escrita e a teoria reaparece. Assim a escrita do memorial é uma escrita reflexiva, que provoca deslocamentos, rupturas, e os senti- mentos afloram no ir e vir das lembranças.

O gênero memorial além de ser crítico e autocrítico é, tam- bém, um pouco confessional, apresentando paixões, emoções, sen- timentos inscritos na memória. Para Guilherme do Val Prado e

Rosaura Soligo (2004), o memorial, do latim memoriale, é a escrita de memórias e significa memento ou escrito que relata aconteci- mentos memoráveis.

Cabe, pois, trazermos o instrumento memorial para articular- mos nesse contexto da memória, pois é ela também seu instrumento articulador e seu dispositivo para a escrita dos memoriais. Segundo Alberto Lins Caldas (1999, p. 61), “[...] a memória é um desdobra- mento contínuo e singular que garante vários tipos de identidade”. Queremos, pois, através da escrita dos memoriais dialogar com as histórias de vida dos sujeitos que vivenciaram a experiência de for- mação no Programa Especial oferecido pela Universidade do Estado da Bahia campus XIV, em parceria com o Programa Nacional de Re- forma Agrária. – PRONERA e os Movimentos Sociais. O projeto é intitulado: No cio da terra, o germinar das letras em movimento: For- mação de Professores em Áreas de Assentamentos1 e no Projeto Salva-

dor: Licenciatura em Pedagogia – Ensino Fundamental/Séries Iniciais, para Professores em Exercício no Município de Salvador seus efeitos e sentidos criados em cada sujeito. Que diálogos são possíveis entre essas duas experiências? É o que pretendemos tecer adiante.

A Análise do Discurso (AD) e Gênero como categorias de análise: uma tessitura possível?

Trazer a Análise do Discurso (AD) e Gênero como categorias de análise, significa na nossa perspectiva, que ambas contribuem para melhor compreendermos, analisarmos, contextualizarmos nossas leituras acerca das relações entre homens e mulheres, dos discursos explícitos e/ou subentendidos, que povoam, cristalizam, formam redes de poderes, cujas implicações podem servir tanto para emergirem vozes e discursos, quanto para silenciar, invisibilizar, neutralizar lutas e poderes que têm como fundante a equidade de gênero, a fim de não “naturalizarmos” as relações assimétricas en- tre homens e mulheres ao longo do processo histórico.

A Análise do Discurso nasceu tendo como base a interdisci- plinaridade, pois ela era preocupação, não só de linguistas, como de historiadores e alguns psicólogos. Ela tem seu início nos anos 60 do século XX e o estudo que interessa a ela é a língua funcionando para a produção de sentidos, permitindo analisar unidades além da frase, ou seja, o texto. Inscrevendo-se num quadro em que articula o linguístico com o social, a AD vê seu campo se estender para outras áreas do conhecimento e assiste-se a uma verdadeira proliferação dos usos da expressão “análise do discurso”, nos mais diferentes esforços analíticos então empreendidos, e faz com que a AD se mova num terreno mais ou menos fluido. Conforme pesquisas de Eni Orlandi (2002, 2005) e de Helena Nagamine Brandão (2004), os es- tudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem/mulher1, descentrando a noção

de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da Linguística. AD, conforme o seu próprio nome indica, não trata da língua nem da gramática, embora lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim pala- vra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discur- so observa-se o homem/mulher falando.

Para Eni Orlandi (2005, p. 15, grifo nosso), a AD procura [...] compreender a língua fazendo sentido enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo de ho- mem/mulher e da sua história. [...] A AD concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natu- ral e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que vive. Para a AD, dois conceitos são nucleares: o da ideologia e o do discurso. Para Michel Pêcheux (1997), não há discurso sem sujeito

e não há sujeito sem ideologia; o indivíduo é interpelado em sujei- to pela ideologia, e é assim que a língua faz sentido.

Assim, a primeira coisa a se observar é que a AD não trabalha com a língua como sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens e mulheres falando, con- siderando a produção de sentidos como parte de suas vidas, seja como sujeitos ou membros de uma determinada forma de socieda- de. Em uma proposta em que político e simbólico se confrontam. A AD considera que a linguagem não é transparente. A ques- tão colocada é: como este texto significa? Ela produz um conheci- mento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade. As filiações da AD pressupõem o legado do materialismo histórico, isto é, o de que há um real da história, de tal modo que o homem faz história, mas esta também não lhe é transparente. Daí, conju- gar língua e história na produção de sentidos, sendo, portanto, linguístico-histórica. (ORLANDI, 2005, p. 21)

Nosso entendimento, ao propor uma tessitura entre a AD e Gêne- ro, vai ao encontro desse mosaico em diferentes regiões de conheci- mento para, a partir dos pontos de contato e deriva, ampliarmos o nosso olhar sobre o objeto de estudo e as fontes, utilizando duas cate- gorias de análise que comportam, a nosso ver, uma base interdisciplinar que nos auxilia a melhor compreender nossas leituras e os discursos dos sujeitos num determinado contexto, considerando as relações en- tre homens e mulheres, dando, assim, visibilidade maior e mais am- pliada aos discursos e seus efeitos de sentido, bem como outras ques- tões que envolvem a autoformação na escrita dos memoriais.

Tanto para os estudos de gênero como para a AD, o poder é fundante nas relações sociais. Sendo, pois, o elemento motriz das relações entre homens e mulheres.

Para Joan Scott (1991), o conceito de gênero é tido como ele- mento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças per-

cebidas entre os sexos, e, por outro lado, é uma forma primeira de significar as relações de poder. Um meio de compreender as rela- ções complexas entre diversas formas de interação humana.

Segundo Eni Orlandi (2005, p. 62-71), o discurso por definição se estabelece na relação de um discurso anterior e aponta para outro. O discurso é uma dispersão de textos e o texto é uma disper- são do sujeito. O sujeito se subjetiva em maneiras diferentes, ao longo de um texto. Há pontos de subjetivação, ao longo de toda textualidade. O discurso universitário, por exemplo, constitui-se de uma dispersão de textos: de professores, alunos, de funcionários, de administradores, textos burocráticos, científicos, pedagógicos. Toda essa textualidade faz parte do discurso universitário. No dis- curso dos memoriais de formação não é diferente: as professoras cursistas se dispersam em professoras, alunas, mulheres, gestoras, sem-terras e por aí vai.

Assim, na AD, a língua é vista como condição de possibilidade de discurso. Nem a língua é totalmente fechada em si mesma, nem o discurso é visto como uma liberdade em ato. Há, sim, os condicio- namentos linguísticos, as determinações históricas. A relação é de “encobrimento”, como propõe Eni Orlandi (2005), não havendo, portanto, uma separação entre eles – língua e discurso.

Para a AD, compreender como os objetos simbólicos produ- zem sentidos como partes dos processos de significação, sem pro- curar um sentido verdadeiro, mas o real do sentido é, pois, saber como os sentidos (enunciado, textos, pinturas, música etc.) são produzidos, permitindo escutar outros tantos, ouvir outras vozes, outros discursos, ter novos olhares sobre as fontes e os discursos – deixando emergir, pulverizar, visibilizar, o que se encontra invisibilizado, submerso, subentendido, implícito.

Tanto como a AD, os estudos de gênero preocupam-se com uma abordagem multidisciplinar. Assim se pronuncia Maria Izilda Matos (1998, p. 102):

Os estudos de gênero têm se mostrado como um campo multidisciplinar, com uma pluralidade de influências, na tentati- va de reconstruir experiências excluídas. Nesse sentido, aproxi- mam-se da psicologia e da antropologia, que favoreceram a am- pliação de áreas da investigação histórica.

Nesse aspecto há aí uma confluência entre a AD e gênero, que de forma multidisciplinar se debruça relacional e analiticamente nas questões da linguagem, por entender que sozinhas não dão conta da complexidade da realidade, nem da natureza humana. Eni Orlandi (2005, p. 52) afirma que

A condição da linguagem é a incompletude. Nem sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos, constituídos definitivamente. Funcionam como modo de entremeio, da relação, da falta, do movimento. Essa abertura atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também o lugar do simbólico.

Como uma amplitude dessa compreensão, a AD, consideran- do os estudos de Eni Orlandi, (2002, p. 79), diz: “Assim como o texto não se esgota em um espaço fechado, o sujeito e o sentido também são caracterizados pela sua incompletude”. Nesse sentido, texto e sujeito, dadas suas complexidades e incompletudes, inci- tam-nos à abrangência dos olhares e dos mecanismos de análise, cujas dobras vão perfilando sentidos variados, conforme os con- textos e os tempos históricos.

É exatamente por compreendermos as relações de gênero como categoria destinada a abranger um conjunto complexo de relações sociais, bem como a se referir a um conjunto mutante de processos sociais historicamente variáveis, que teóricas feministas, a exem- plo de Rachel Soihet (1997) e Jane Flax (1991), afirmam em seus trabalhos que o estudo das relações de gênero acarreta pelo menos dois níveis de análise: o de gênero como uma construção ou cate-

goria do pensamento que nos auxilia a entender histórias e mun- dos sociais particulares; e de gênero como uma relação social que entra em todas as outras atividades e relações sociais e particular- mente as constitui dentro das práticas socais concretas.

Um outro aspecto que devemos considerar na AD e gênero são as práticas sociais de linguagem, nas quais os sujeitos, homens e mulheres, estão imersos e se constituem. Para Helena Nagamine Brandão (2004), ao reconhecermos a dualidade constitutiva da lin- guagem, ou seja, seu caráter formal e também atravessado por en- tradas subjetivas e sociais, entra em campo a instância do discurso, já que a linguagem enquanto discurso é interação, um modo de produção social; não é neutra, nem natural, sendo, portanto, o lu- gar privilegiado da manifestação da ideologia. A linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, o que significa que não pode ser estudada fora da sociedade. Por isso, consideramos extrema- mente procedente a afirmação da autora Juliet Michel, citada por Jane Flax (1991), ao dizer: “[...] a luta das mulheres é a mais longa revolução”. E continuamos em luta, pois, embora muito já tenha sido feito, muito há a fazer.

Neste trabalho inicial como já sinaliza o subtítulo, trazemos reflexões inicias, em AD e Gênero como categorias de análise, por- tanto, o recorte de gênero aparece de forma ainda bastante tênue, pois não foi possível, devido ao número limitado de páginas para este texto, nos debruçarmos nas análise de muitos memoriais. Apon- tamos, pois, para essa possibilidade de pesquisa, relacionando de modo mais aprofundado as falas que encontramos nos relatos com as questões teóricas aqui explicitadas.

Memorial como dispositivo de formação e autoformação

Segundo Bruner e Weisser (1995, p.148,149), “[...] qualquer um pode engendrar autobiografias de sua própria vida e organizá-

los segundo diferentes temas e atribuir-lhes diferentes aspectos, relatá-los a diferentes audiências e assim por diante”. Queremos, pois, dialogar polifonicamente com os sujeitos do Projeto Salvador- UFBA e Programa PRONERA – UNEB/Campus XIV.

O gênero memorial, além de ser crítico e autocrítico, é também um pouco confessional, apresentando paixões, emoções, sentimen- tos inscritos na memória. Ao narrar as coisas lembradas, os aconte- cimentos passados assumem vários matizes e tons e nos dobramos sobre a própria vida. Ao recordar, passamos a refletir sobre como compreendemos nossa própria história e a dos que nos cercam. Pos- sivelmente, o narrador e narradora levantarão o véu da parte que, de si próprio(a) prefere que se saiba e que se venha a ser lembrada.

As memórias-referência são lembranças que o(a) narrador(a) protagonista traz à tona de um acontecimento marcante em sua vida (qualquer fase: criança, adolescência, adulta, velhice) e relata suas marcas, aprendizados, apreensões, sentimentos, rancores, reflexões. O gênero memorial vem sendo bastante utilizado como memorial-formação, em diferentes espaços de formação continua- da, em especial de formação de professores. Na nossa experiência, o memorial é um instrumento que depreende uma força extraordi- nária, como sempre acontece nas escritas de memoriais, pois os sujeitos se debruçam novamente sobre os quadros, imagens de sua existência e experiências vividas. Voltamos a citar a voz de Jorge Larrosa (2001, p. 2), que, ao falar do seu entendimento acerca da experiência, afirma:

Experiência é aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao passar-nos nos forma e nos transforma [...] esse é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que lhe vai acontecendo ao largo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece.No saber da experiência não se trata da ver- dade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido

do que nos acontece [...] por isso ninguém pode aprender da experiência do outro a menos que essa experiência seja de al- gum modo revivida e tornada própria.

É esse entendimento fundante que queremos captar nos memoriais dos que experienciam seus processos formativos e ao mesmo tempo se transformam, já que a autoformação vai sendo forjada à medida que refletem suas histórias de vida, de leitura e de formação, nos diferentes espaços de aprendizagem. Somente do lugar da experiência que toca e faz sentido, para cada um e cada uma, é que saberá dizer – do lugar de quem vive, experimenta, tem a experiência.

Diálogos Possíveis: o encontro das experiências dos alunos(as) e dos professores(as) do Projeto Salvador/ UFBA e do Programa especial PRONERA em Conceição do Coité/Campus XIV/UNEB

Os memoriais de formação e as histórias de leitura: pontos e contrapontos

A primeira das experiências narradas a seguir foi vivenciada no curso de Letras Vernáculas pelo já citado Programa especial PRONERA.2

O referido projeto tem como objetivo geral formar educado- res/educadoras do campo em curso de Licenciatura Plena em Le- tras, com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, numa perspectiva crítica e criadora onde a Educação do Campo seja o referencial das construções teórico-práticas.

Vale salientar, ainda, que o projeto traz em sua proposta uma justificativa real e condizente com a realidade da educação rural, em especial dos assentamentos, conforme podemos constatar no texto que justifica sua necessidade de criação e implantação.3

Os dados estatísticos das escolas de assentamentos do MST no Brasil reproduzem o mesmo funil de entrada e exclusão dela. Esse elemento pode ser um dos indícios da migração da juventude sem terra para os centros urbanos. Dados do primeiro censo, realizado nos assentamentos, em 1995, pelas universidades brasileiras e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), de- monstram que nos assentamentos apenas 11% da população são compostos de jovens de 15 a 24 anos. Olhando a sociedade brasileira na sua totalidade, este dado apresenta uma disparidade significativa, instigando-nos a suspeitar que a falta de uma educação básica no campo tem contribuído para o êxodo juvenil nos assentamentos.

A proposta de realizarmos o memorial formação, narrando a trajetória escolar/de vida/de leitura no referido programa, surgiu como uma experimentação de avaliação interdisciplinar entre os componentes curriculares do primeiro semestre.

A proposta foi acolhida pelos docentes e discentes, de forma acolhedora e desafiante, já que muitos ainda não tinham trabalha- do com o memorial formação.

A turma foi dividida em 10 grupos e cada docente ficou desig- nado para proceder a orientação, acompanhamento e orientação dos memoriais, cabendo à Profa. Ana Lúcia Gomes, como profes- sora da componente curricular Língua Portuguesa, apresentar o gênero memorial, suas características e objetivos.

A outra proposta trata de uma experiência de formação em Licenciatura em Pedagogia para professoras do município de Sal- vador, que já atuam nas séries iniciais; convênio da Prefeitura Mu- nicipal com a Universidade Federal da Bahia, especificamente a Faculdade de Educação (FACED). Essa foi uma iniciativa que res- pondeu às exigências da LDB/98.

A experiência contou com um período de seleção diferente do vestibular e com outra proposta curricular.

No período de seleção, as professoras cursistas foram estimu- ladas, por meio de oficinas de produção textual, a escrever acerca

do “eu estudante’’, do “eu professora’’ e também do “eu professora no curso de formação’’, este último item mais prospectivo. Era uma “semente” daquilo que seria ponto de partida para a escrita do trabalho de conclusão de curso: um memorial de formação.

A proposta curricular foi na mesma direção, com ofertas de atividades, oficinas, palestras, seminários, grupos de estudos. Em linhas gerais, as diferentes linguagens perpassavam todas as expe- riências acadêmicas e a autonomia era o cerne dos processos educativos desenrolados.

Na orientação do memorial, um encontro com a experiência anterior: também as professoras cursistas do Projeto Salvador, na maioria mulheres, foram orientadas por um grupo de orientadores, sendo que na turma 01 – e os exemplos foram retirados de memoriais de formação da turma 01 – eram subgrupos de 13 a 14 professoras para um orientador (num total de 7); já na turma 02, conta-se com um número de 3 orientadores com 12 orientandos cada. O profes- sor Luiz Felippe Santos esteve envolvido no processo de orientação com as mesmas inquietações que a profª. Ana Lúcia Gomes.

Na escrita dos memoriais, as histórias de leitura revelavam-se com uma franqueza, pois o que estava em jogo, nos relatos, era o desvelamento de si e de sua formação. Como a própria professora cursista reconhece: “Com a necessidade da construção do Memorial de Formação, por todos os cursistas, foram surgindo dificuldades na produção dos textos por falta de leituras anteriores”.4

A escrita dos memoriais como dispositivo de formação e autoformação

A escrita dos memoriais de formação do Projeto Salvador tem uma peculiaridade, em relação a todas as outras experiências, que cabe salientar. Porém, para abordar esse processo, é preciso reto- mar a explicitação do período de seleção. Aquelas “linhas’’ de es- crita (“eu estudante”, “eu professora” e “eu professora no curso de

formação”) foram fundamentais para o entendimento de como escrever um texto desse gênero, novo para elas, e que anunciam aos leitores e leitoras as escolhas, ou os próximos gestos de escrita: no “eu estudante”, apareceram gestos em que as lembranças eram frequentes, porque os fatos tinham de ser recuperados pela memó- ria; no “eu professora”, havia um misto de recordações do tempo de professora em carreira inicial e também associações com os tem- pos atuais, uma vez que se continuava atuando em sala de aula, mesmo com o curso em andamento; no “eu professora no curso de formação”, os gestos de escrita já não eram tão fundados nas lem- branças, uma vez que o curso caminhava junto com a escrita do memorial – o que parecia uma descaracterização do gênero textu- al, mas, na verdade, enriquecia a aprendizagem, pois elas passa-