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Um trabalho mais recente de dissertação de Mestrado, o qual já citamos, feito por Rildo José Cosson Mota, é o único que analisa o romance-reportagem tentando levar em conta as influências tanto do jornalismo quanto da literatura na construção desses textos. Por um lado Rildo Mota discorda da crítica que apontou a pouca elaboração da linguagem, a tentativa de desficcionalização e a denúncia social "ingênua e pouco contundente" como aspectos negativos e responsáveis pela baixa literariedade das

113 Idem, p. 57.

obras. Para ele, estas são marcas que asseguram a essa produção textual "independência enquanto gênero autônomo".115

Por outro lado, a classificação do romance-reportagem como "equívoco es- tético-literário e sócio político" atribuída pela crítica acadêmica, não teria se originado, segundo entende Rildo Mota, apenas da cegueira para com a condição de gênero autônomo destas obras. Ela teria sua origem também na ambigüidade do estatuto narrativo. Para ele, o romance-reportagem

"oscila na sua louca busca de verdade plena, no desejo absoluto e absurdo de desvelar a realidade tal como ela é, na denúncia da opressão sofrida pelo indivíduo nessa sociedade injusta e castradora, entre as pessoas e as personagens, entre os fatos e a ficção, entre ser romance,

ser reportagem e não ser ambos ao ser ele mesmo".116

A ambigüidade do estatuto narrativo não tira dessas obras a sua condição de gênero autônomo que teria, na "verdade factual a nível semântico, nos processos narrativos realistas a nível sintático e na denúncia social a nível pragmático", seus traços definidores.

É interessante notar que, segundo a dissertação citada, o que liga os romances- reportagem ao jornalismo, à reportagem, é esta questão da verdade factual comum a ambos os relatos, mas é isso também que os separa. A verdade factual tem "um modo particular de ser verdade" em cada um dos relatos, diz o autor. No jornalismo ela estaria sustentada por uma "cadeia de fatos mutuamente validados e validáveis, denominada "teia de faticidade"(...)que garante a veracidade ao noticiado".117 Assim,

115 Do romance- reportagem como gênero, op. cit., p. 158.

116 Idem, pp. 140,158.

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enquanto na reportagem essa 'teia de faticidade'118 é alimentada por técnicas de controle da subjetividade, no "romance-reportagem, a mimeses e a verossimilhança determinam um caminho outro para a caracterização da verdade factual: o emprego de um conjunto de processos narrativos realistas" .119

Como a construção dessa verdade, nas narrativas do romance-reportagem, está apoiada, segundo o autor, na mimeses e na verossimilhança, a leitura desses textos exigirá sempre do leitor uma necessária interpretação alegórica, "cujo fundamento é dado pelo tipo de mimeses que adota".120 Assim, enquanto outros críticos viram a alegoria como um problema ou uma falha a ser resolvida, Rildo Mota discorda, dizendo que a alegoria é parte da própria constituição desses textos, enquanto narrativa mimética. "Negar a interpretação alegórica é recusar o algo mais que a verdade, toda a

verdade que os fatos oferecem ao leitor do romance-reportagem como marca de sua narrativa".121

Em síntese, para o autor, é a forma diferenciada de construção dessa verdade factual que afasta os romances-reportagem do jornalismo e da própria reportagem.

"A adoção de determinados processos narrativos realistas e a preocupação excessiva em ser mais verdadeiro para atingir a sociedade com sua denúncia evidenciam, no romance-reportagem um lado ficcional que não permite,

118 Esse termo, "Teia de faticidade" é empregado por Gaye Tuchmam no livro Making News: a study

in the construction of reality (New York, Free Press, 1980) e definido da seguinte maneira: " A fact justifies

the whole (this story is factual), and the whole (all the facts) validates this fact (this particular referent)" (Um

fato justifica o todo (esta história é factual) e o todo (todos os fatos) legirtimam este fato (este referente

particular) p. 86.

119 MOTA, Rildo José C. op, cit., p. 64.

120 Idem, p.55.

sem que seja escamoteado ou fraudado tal aspecto, declará- lo apenas jornalístico".122

O fato deste novo gênero constituído pelo romance-reportagem não pertencer, segundo o autor, ao âmbito do jornalismo, não quer dizer que ele deva, automati­ camente, ser inserido no âmbito da literatura. Adotando para sua análise um conceito de Bemard Mouralis em As Contra-literaturas123, Rildo José Mota tenta provar que o romance-reportagem também não se enquadra como obra do gênero literário porque está situado "na faixa da literatura 'descartável' òu de fácil consumo, não sendo, por isso, considerado como um valor cultural na sua apresentação".124 Além do que, entende o autor, como esse tipo de narrativa se apresenta simultaneamente como uma semelhança (romance) e uma diferença (reportagem) em relação ao que é considerado como literatura

"a sua presença heterogênea impede ou dificulta a sua integração em nosso sistema literário(...)Esse tipo de narrativa termina por colocar em risco o funcionamento da literatura como instituição, uma vez que sua 'diferença' evidencia a arbitrariedade dos critérios que fazem da literatura um estado de fato".125

122 Idem. p. 156.

123 O conceito de Bemard Mouralis no qual Rildo José Mota se baseia diz o seguinte: o que é designado,

transmitido e recebido como 'literatura' - ou sob outra denominação qualquer que ela seja - é característica de

uma procura etnocentrista e dogmática, e isto em dois níveis. Por um lado, porque esta procura limita o fato

literário a um domínio histórico, geográfico, sociológico bem circunscrito e a formas não muito precisas; por

outro lado porque ela privilegia sistematicamente a herança constituída em detrimento do que se constitui ou se

produz".. In As contra-literaturas. Coimbra, Almedina, 1982, p.39.

124 MOTA, Rildo José C. op. cit, p. 156.

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Assim, partindo do jornalismo mas saindo de seu campo e não tendo conseguido se alçar até ao campo aurático da literatura, o romance-reportagem, segundo as concepções da dissertação que examinamos, se constitui como "um gênero em trânsito" que carrega em seu estatuto narrativo a marca da ambigüidade. Ambigüidade esta que determina a impossibilidade de uma leitura definitiva do romance-reportagem como literário ou jornalístico, posto que

"a definição para um lado ou para outro, a travessia de uma das fronteiras, significa, antes de tudo, a sua morte enquanto simbiose de ambos os gêneros numa nova forma de narrar".126