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Gêneros discursivos e tipos textuais

2.2 OS GÊNEROS TEXTUAIS

2.2.2 Gêneros discursivos e tipos textuais

Hoje, há muitas correntes que tratam dos gêneros textuais, a partir de diferentes perspectivas. Abordaremos mais detalhadamente a visão de Marcuschi (2003;2008), referência brasileira no que tange ao estudo dos gêneros textuais. O autor defende, como tese central, a ideia de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por meio de um gênero. Isso porque toda manifestação verbal se dá por meio de textos realizados em algum gênero. Por isso, a noção de gênero textual que, para ele, pode ser substituída por gênero do discurso ou gênero discursivo, é uma noção central nos estudos linguísticos.

Cabe salientar que Marcuschi (2008) não se preocupa em discutir a pertinência a respeito da nomenclatura adotada – gênero textual, gênero discursivo ou gênero do discurso. Frente e essa questão, o autor adota a posição “de que todas essas expressões podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles momentos em que se pretende, de modo explícito e claro, identificar algum fenômeno específico” (MARCUSCHI, 2008, p. 154).

Em oposição, Rojo (2005) procura explicar essa diferença terminológica. Para a autora, embora as posições gêneros textuais e gêneros discursivos sejam oriundas de releituras da herança bakhtiniana, enquanto a teoria dos gêneros textuais se ocupa da descrição da materialidade textual, a teoria dos gêneros discursivos se ocupa do estudo das situações de produção dos enunciados em seus aspectos sociais e históricos.

Adotaremos, em nosso trabalho, a posição de Marcuschi (2008). O autor chama a atenção para outro aspecto teórico e metodológico relevante, mas que nem sempre é analisada de modo claro na bibliografia pertinente: a distinção entre as noções de tipo textual e de gênero textual. Afirma que

Tipo textual designa uma espécie de construção teórica (em geral uma sequência subjacente aos textos) definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas,

estilo). O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados (MARCUSCHI, 2008, p. 154).

E

Gênero textual refere a textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por padrões funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Diante disso, é possível compreender que os tipos textuais são constructos teóricos, não empíricos que se reúnem em um conjunto limitado de categorias (narração, descrição, exposição, argumentação e injunção). Os gêneros textuais são, por sua vez, materializações linguísticas, empiricamente realizadas e que constituem um conjunto aberto e ilimitado, que se vai modificando à medida que também se modificam as relações e as estruturas sociais.

O quadro a seguir, apresentado por Marcuschi (2010), possibilita uma melhor visualização desses conceitos.

Quadro 1 - Tipos e Gêneros textuais

Fonte: MARCUSCHI,2010, p. 24.

Tipos textuais Gêneros textuais

1. Construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas

intrínsecas;

1. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades

sociocomunicativas; 2. Constituem sequências

linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos

empíricos;

2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em

situações comunicativas; 3. Sua nomeação abrange um

conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo

canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.

4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião

de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital

de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica,

Não se deve, entretanto, conceber a ideia de que os conceitos de tipo e gênero se opõem, como se constituíssem uma dicotomia. Na verdade, são noções que se complementam, visto que, em todos os gêneros, realizam-se tipos textuais. Cabe, inclusive, ressaltar o fato de que um mesmo gênero pode realizar dois ou mais tipos. Esse é o fenômeno da heterogeneidade tipológica. Dessa forma, pode-se afirmar que os gêneros textuais são, muitas vezes, tipologicamente variados. Outra terminologia abordada por Marcuschi é a de domínio discursivo. Ao esclarecer esse termo, o autor afirma que

Domínio discursivo constitui mais uma “esfera da atividade humana” no sentido bakhtiniano do termo do que um princípio de classificação de textos e indica instâncias discursivas (por exemplo: discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, etc.) (MARCUSCHI, 2008, p. 155, grifos do

autor).

Assim, compreende-se que domínio discursivo é um conceito que faz referência a uma esfera de produção discursiva. Esse domínio não abarca um gênero específico, mas origina vários deles. Trata-se, na verdade, de uma prática discursiva em que é possível identificar um agrupamento de gêneros textuais que lhe são próprios.

Enfim, o linguista chama a atenção para o fato de que as definições por ele apresentadas são mais operacionais que formais. Desse modo, para a noção de tipo textual, predomina a identificação de sequências linguísticas típicas, ao passo que, para a noção de gênero textual, predominam os critérios de ação prática, circulação sócio- histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade. Já os domínios discursivos são concebidos como as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam.

Não se pode desconsiderar, a partir de tais noções, que a abordagem de Marcuschi para os gêneros textuais se apoia, como o próprio autor afirma, na posição bakhtiniana sobre a qual falamos anteriormente. Sob essa perspectiva e diante da plasticidade e da dinamicidade inerentes aos gêneros, Marcuschi destaca, fundamentado em Bakhtin2, que os gêneros se imbricam e se interpenetram para constituírem novos gêneros. O autor cunha, então, o termo intergenericidade, para tratar do fenômeno da hibridização, ou seja, da mistura de gêneros, quando um gênero assume a função de outro.

2 Bakhtin (2011), ao versar sobre a diferença entre os gêneros discursivos primários (simples) e os gêneros

secundários (complexos), aponta que estes, em seu processo de formação, incorporam e reelaboram aqueles.

O texto a seguir, construído sob a forma de uma notícia, é, na verdade, um convite de casamento, exemplificando o conceito de intergenericidade.

Figura 8 - Convite de casamento

Fonte: casamentosemsegredo.com.br.

Não se deve, todavia, confundir o conceito de intergenericidade e o de heterogeneidade tipológica, apresentado anteriormente. Esse segundo conceito, como fora mostrado, diz respeito ao fato de um gênero realizar sequências de vários tipos textuais.

Uma outra questão explorada por Marcuschi (2008) diz respeito a uma discussão ainda em andamento sobre a qual, segundo o autor, inexistem estudos sistemáticos. Trata- se do estudo sobre o suporte dos gêneros. Acerca disso, o autor cita Maingueneau, que diz que “é necessário reservar um lugar importante ao modo de manifestação material dos discursos, ao seu suporte, bem como ao seu modo de difusão: enunciados orais, no papel, radiofônicos, na tela do computador etc.” (MAINGUENEAU, 2001, p. 71).

Para os autores, não se deve desprezar o suporte. Este não é um simples meio para transportar mensagens. Uma mudança importante no suporte modifica o gênero. Compreende-se, desse modo, que para Marcuschi, o suporte não é neutro, e o gênero não fica indiferente a ele.

Isso fica claro quando consideramos, por exemplo, publicidades impressas e publicidades em vídeo. Não há como negar que o suporte influencia diretamente características importantes desses dois modos de fazer publicidade, a ponto de pensarmos em diferentes gêneros: gênero anúncio impresso e gênero anúncio em vídeo.

Marcuschi apresenta, então, algumas indagações a esse respeito: “qual o papel do suporte na relação com os gêneros?”; “Tem o gênero características distintivas adicionais quando realizado e acessado em um ou outro suporte?” (MARCUSCHI, 2008, p. 174). O autor fornece, também, algumas respostas a essas indagações. Para ele, o suporte é não só imprescindível para que o gênero circule na sociedade, mas também tem alguma influência na natureza do gênero suportado. Há casos – como o dos anúncios publicitários – em que o suporte determina a distinção que o gênero recebe. Fica clara, então, a necessidade de, ao estudar os gêneros, analisar, inclusive, o suporte no qual eles circulam. Marcuschi define, desse modo, o suporte como o “locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto” (2008, p. 174) e trata da existência de suportes convencionais e suportes incidentais.

Livro, livro didático, jornal, revista, rádio, televisão, telefone, outdoor, encarte, folder e faixas são exemplos de suportes convencionais, isto é, aqueles que foram elaborados tendo em vista a sua função de portarem ou fixarem textos. Embalagens, para- choques, roupas, corpo humano, paredes, paradas de ônibus, estações de metrôs, calçadas e fachadas, dentre outros, são exemplos de suportes incidentais, ou seja, aqueles que operam como suportes ocasionais ou eventuais, uma vez que não foram elaborados para isso.

Enfim, o autor destaca que “todos os textos se realizam em algum gênero e que todos os gêneros comportam uma ou mais sequências tipológicas e são produzidos em algum domínio discursivo, sendo que os textos sempre se fixam em algum suporte pelo qual atingem a sociedade” (2008, p. 176). Compreende-se que, para Marcuschi, o estudo do gênero não pode ignorar questões referentes aos tipos textuais, ao domínio discursivo e ao suporte.

Vale ressaltar, ainda, que, além de Marcuschi, outros autores têm voltado seu olhar para questões relativas aos gêneros, conforme observaremos no item a seguir.