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Gênese do patrimônio e políticas de preservação:

Patrimônio e Tombamento: memória e identidade de São Pedro do Itabapoana

2.1 Gênese do patrimônio e políticas de preservação:

“Os chamados patrimônios históricos e artísticos têm, nas modernas sociedades ocidentais, a função de representar simbolicamente a identidade e a memória de uma nação. O pertencimento a uma comunidade nacional é produzido a partir da idéia de propriedade sobre um conjunto de bens: relíquias, monumentos, cidades históricas, entre outros. Daí o termo ‘patrimônio’” (Oliveira, 2008, p. 26).

O tombamento é uma política de preservação daquilo que se tornou excepcional para determinadas comunidades, grupos e nações: ou seja, uma política de preservação patrimonial. As políticas de preservação nasceram com a Revolução Francesa a partir de questões práticas. Com a extinção da monarquia, os bens da Coroa passaram a pertencer ao Estado, assim como as propriedades do Clero e da Igreja. Juntamente aos bens da Igreja e da monarquia, juntaram-se os bens da aristocracia que abandonou a França naquele mesmo contexto histórico. Com a instituição de um Estado Francês republicano agrega-se o atributo “nacional” ao estado, ou seja, a nova concepção de estado constitui- se de “Bens Nacionais”. (Camargo, 2002).

Desta maneira, em plena Revolução Francesa e em meio a lutas civis, cria-se uma comissão encarregada da preservação daquilo que viria representar os monumentos nacionais22. “O objetivo era proteger os monumentos que representassem a incipiente nação francesa e sua cultura” (Funari e Pelegrini, 2006, p. 19). E neste mesmo ano da lei francesa de preservação os Estados Unidos decidem também proteger seus bens culturais de interesse nacional que estivessem sob a tutela do governo.

Os bens da Igreja, monarquia e emigrados não foram muito bem vistos pelo Estado e pelo restante da população francesa, muito possivelmente por conta das lembranças que muitos destes bens traziam consigo, e outras vezes pelo valor histórico que agregavam. Desta forma, muitos bens foram descaracterizados, destruídos ou vendidos a particulares. Por outro lado, em 1794 o padre Henri Gregori elaborou um relatório para a Convenção Nacional com diversas peças de campanha para a preservação dos bens patrimoniais: antiguidades romanas em solo francês, medievais e até mesmo bens contemporâneos. E assim, forja-se o conceito de patrimônio nacional.

Alguns estudiosos atribuem o conceito moderno de patrimônio ao antiquariado23, ou seja, lugares onde se colecionam antiguidades. Porém, a preocupação com o patrimônio rompeu com as bases aristocráticas e privadas do colecionismo,

22 Os monumentos “são edificações ou construções que pretendem perpetuar a memória de um fato, de uma pessoa, de um povo” (Camargo, 2002, p. 24). Durante a Antiguidade e a Idade Média, os monumentos eram criados unicamente para preservar na “consciência das gerações futuras a lembrança de uma ação ou de um destino” (Fonseca, 1997, p. 51). Porém, o termo foi mudando de sentido passando a ser entendido como monumento histórico e artístico. Esta mudança só passa a ocorrer no momento em que, na cultura ocidental, as noções de arte e história ganham uma certa autonomia.

23 O maior objetivo dos antiquários é tornar visível o passado. Sua exposição permite pôr em comparação as produções humanas.

resultando numa transformação profunda das sociedades modernas com o surgimento dos Estados Nacionais, ou seja, os Estados Nacionais era o que faltava para a mudança do conceito de patrimônio como algo não apenas individual, passando para o plano daquilo que é coletivo. Ele surge da “(...) invenção de um conjunto de cidadãos que deveriam compartilhar uma língua e uma cultura, uma origem e um território” (Funari e Pelegrini, 2006, p. 15).

A palavra patrimônio é de origem grega, patrimonium, que entre os romanos dizia respeito a tudo o que pertencia ao pai de família. Surgiu na esfera do direito privado e estava intimamente ligado aos interesses aristocráticos, ou seja, o patrimônio era um valor aristocrático e privado, “referente à transmissão de bens no seio da elite patriarcal romana. Não havia o conceito de patrimônio público. Ao contrário, o Estado era apropriado pelos pais de família”. (Funari e Pelegrini, 2006, p. 11).

A este patrimônio – patriarcal, individual e privado - acrescentou-se o qualitativo nacional. “Ou seja, os cidadãos da Revolução Francesa, eram livres e iguais perante a lei (Liberdade/Igualdade), e, nascidos no país, são todos irmãos (Fraternidade) e herdeiros do mesmo pai, o Estado Nacional”. Os bens deveriam representar o “gênio do povo francês através do tempo. Os monumentos seriam a materialização da identidade nacional e, por meio deles, os cidadãos se reconheceriam como franceses” (Camargo, 2002, p. 21).

Segundo Maria Cecília Londres Fonseca (1997, p. 59), o sentido do patrimônio como bens fundamentais e inalienáveis, na França, serviu para cumprir funções simbólicas necessárias à formação do estado nacional francês:

• Reforçar a noção de cidadania, na medida em que a população passa a ter objetos comuns inseridos no imaginário daquilo que é privado, mas público e coletivo;

• O patrimônio tornou mais real e palpável, ou seja, objetivou a entidade do ideal nacional, simbolizada pelas obras para expressar tal finalidade, como as bandeiras, os hinos, etc.;

• O patrimônio serviria, também, como prova material de “versões oficiais da história nacional, que constrói o mito de origem da nação e uma versão da ocupação do território”;

• A conservação desses bens serviria como instrumento pedagógico de instrução dos cidadãos.

No Brasil, assim como na América Latina, as políticas de preservação do patrimônio cultural ainda são muito recentes. Elas surgiram a partir do momento em que a UNESCO reconheceu alguns bens culturais latino-americanos como patrimônios da humanidade. (Funari e Pelegrini, 2006).

“A constituição dos patrimônios históricos e artísticos nacionais é uma prática característica dos Estados modernos, que, através de determinados agentes, recrutados entre os intelectuais, e com base em instrumentos jurídicos específicos, delimitam um conjunto de bens no espaço público. Pelo valor que lhes é atribuído, enquanto manifestações culturais e enquanto símbolos da nação, esses bens passam a ser merecedores de proteção, visando a sua transmissão para as gerações futuras. Nesse sentido, as políticas de preservação se propõem a atuar, basicamente, no nível simbólico, tendo como objetivo reforçar uma identidade coletiva, a educação e a formação de cidadãos. Esse é, pelo menos, o discurso que costuma justificar a constituição desses patrimônios e o desenvolvimento de políticas públicas de proteção” (Fonseca, 1997, p. 11).