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2 EM CENAS OS BASTIDORES DA GALERIA METROPOLITANA DE ARTE

2.2 UMA GALERIA-MUSEU: COMO SE IMPLANTA UM MUSEU DE ARTE?

2.2.1 Galeria Metropolitana de Arte do Recife

Outro ponto precisa ser desdobrado. Por que Galeria Metropolitana de Arte do Recife? Por que galeria e não museu? As historiadoras Fernanda Tozzo Machado (2009) e Maria Cecília França Lourenço (1999) nos ajudam a entender, quando a primeira nos lembra que parte da história de um museu está atribuída ao seu nome (2009: 14). Tal afirmação, como já vimos no começo desse tópico, é comprovada na escolha dos nomes dos Museu de Arte Moderna no segundo quarto do século XX. Para a segunda historiadora, a imagem da arte moderna “é vitoriosa e unida a valores positivos – arrojo, heroísmo, ousadia, audácia, entusiasmo, coragem, progresso e destemor –, atraindo o poder político em especial, o econômico, para criação de tais museus” (1999: 12).

Em entrevista, o primeiro Diretor Executivo da Fundação de Cultura Cidade do Recife nos contou que a escolha foi inspirada no Metropolitan Museum of Art, de Nova York. A motivação teria origem em um curso que o mesmo fez à época nos Estados Unidos. Segundo Leonardo Dantas, o curso foi em Administrador em Artes, teve um formato de seminário e

17 No próximo capítulo discorreremos sobre a gestão do Prefeito Gustavo Krause, bem como da política cultura do período.

durou quatro meses. Lá, ele teria se empolgado com o Metropolitan Museum of Art. “Vi que no Metropolitan tinha de tudo, tinha artes plásticas, escultura, tinha história, tinha arte popular, tinha tudo. E eu em vez de criar um museu só histórico, eu naquele espírito da museolo gia norte-americana, eu criei uma galeria metropolitana de arte”. Para o Diretor da FCCR, um museu é um centro de pesquisa histórica, não pode apenas exibir as obras artísticas, que era o que ele e a Fundação buscavam na Galeria.

A história narrada oralmente pelo primeiro presidente da Fundação de Cultura já pode nos explicar muita coisa – a presença de tantos elementos expostos: esculturas em barro, cerâmica, madeira, ferro, estandartes carnavalescos em tecido, além das já mencionadas pinturas à óleo, por exemplo – porém, o historiador não pode parar na primeira “prova”, neste caso ela deixa de lado quais os valores e símbolos foram atribuídos ao nome da Galeria. Buscar esses significados não foi tarefa simples, muito menos exata. Nem sempre os atores político - sociais expõem seus reais interesses; o espaço de trabalho do historiador não é um campo neutro.

O complexo socioeconômico do sistema brasileiro na segunda metade do século XX apresentou um traço diferenciador entre os fenômenos de suas transformações, o espaço social, econômico e político denominado Região Metropolitana. A ocorrência, como se sabe, longe de constituir apanágio do Brasil, teve praticamente âmbito mundial, representando uma característica daqueles tempos. Em nosso país, ela possuía manifestação expressiva e variada.

O geógrafo Mário Lacerda de Melo (1978) destaca uma ideia sobre as dimensões que a tendência metropolizadora assumiu no Brasil na concentração populacional a ela inerente. Embora somente um segmento ínfimo da superfície do país, as regiões metropolita nas brasileiras em 1970 possuíam 24% do efetivo humano nacional. E o fato de realizar-se o seu crescimento demográfico em ritmo muito mais acelerado do que o encontrado na média das demais áreas brasileiras tornava cada vez maior a sua participação relativa. “Em 1960 ela era de 18,4%. Em 1975, segundo dados constantes de estimativa oficial, deve ter passado para 27%” (1978: 21).

O próprio trabalho do Professor Mário Lacerda de Melo, aqui utilizado também como fonte, “Metropolização e subdesenvolvimento: o caso Recife” de 1978, ou seja, três anos antes da inauguração da Galeria Metropolitana de Arte do Recife, que teve o apoio do Departamento de Ciências Geográficas do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, mostra como a sociedade recifense estava refletindo esta concentração humana e econômica geradora do fenômeno da metropolização.

A Constituição Brasileira de 24/01/1967 (10 do artigo 157) e a Emenda Constitucional Nº 01, de 17.10.1969 (artigo 164) conferiram ao Governo da União a faculdade de, mediante lei complementar, delimitar os segmentos do espaço nacional correspondentes a esse tipo de região. Trata-se de providência destinada às áreas “constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integram a mesma comunidade de interesse comum”. A partir dessa disposição constitucional, tem constituído demonstrações expressivas de que o poder público se vem mostrando capacitado da relevância assumida por esse novo elemento integrante dos quadros espaciais, sociais e econômicos do país: i) os estudos realizados para regulamentação e efetivação do aludido prefeito legal; ii) a promulgação d a Lei Complementar Nº 14 de 08.06.1973 que definiu as noves regiões metropolitanas brasileiras; iii) as medidas destinadas à implementação daquela lei; iv) a elaboração e implementação dos programas de dos programas de desenvolvimento das regiões em causa (MELO, 1978: 22)

Em 1970 a cidade do Recife ultrapassou a marca de um milhão de habitantes (1.060 mil). Naquele ano a sua região metropolitana possuía uma população urbana de 1.629 mil pessoas. Era a RM brasileira que populacionalmente se colocava em terceiro lugar no país. Um terceiro lugar situado à longa distância da primeira e segunda colocações, pertencentes à RM de São Paulo (7.837 mil habitantes urbanos) e à do Rio de Janeiro (6.847 mil), no entanto, não muito acima da RM de Belo Horizonte, situada em quarto lugar (1.505 mil) e da de Porto Alegre (1.346), porém expressivamente acima da de Salvador, que se classificava em sexto lugar (1.067 mil). As outras três regiões metropolitanas – a de Fortaleza, a de Curitiba e a de Belém do Pará – possuíam, cada uma, menos de um milhão de habitantes: 864 mil, 647 mil e 606 mil, respectivamente (MELO, 1978).

Denominar o espaço voltado para o patrimônio artístico como Galeria Metropolitana de Arte do Recife, era dizer que nas artes esta cidade também era referência. Esse paralelo é notado facilmente utilizando a matéria do Jornal do Commercio já citado. Seu título: “No Recife, a 3ª maior galeria do Brasil” – como vimos, mesma colocação da RM do Recife em relação ao número de população urbana. Bem como o trecho já lido por nós, no qual afirma que

O Prefeito Gustavo Krause cumpre no segundo ano de mandato, integralmente aquilo a que se comprometeu quando assumiu: devolver ao Recife as tradições culturais e artísticas que a tornaram o centro das decisões de toda a região nordestina (Jornal do Commercio de Pernambuco, domingo, 29 de março de 1981).

Melo também apontou que dentro do mapa do Brasil, esse tipo de região representava, antes do mais, concentrações de populações a nível variavelmente elevado, sempre superior a meio milhão de habitantes, mas chegando, no caso de São Paulo, a perto de oito milhões. Assim, “suas áreas de influência mais intensa confundem-se em grande parte com os espaços territoriais dos Estados onde se encontram” (1978: 26). O que nos leva a crer que o nome “Metropolitana” para designação da Galeria de Arte parece ter sido aprovado sem ressalvas, o que não ocorreu com a opção por Galeria e não Museu e isso quem nos revela também é a

memória de Leonardo Dantas, “Fui criticado por muita gente, inclusive por Paulo Bruscky que dizia que tinha que ser um museu de arte” (DANTAS, Depoimento, 15/09/2017).

Como já mencionado, Projeto Museológico e Museográfico para implantação da GMAR foi produzido, a pedido da FCCR, pela Departamento de Museologia da Fundação Joaquim Nabuco/MEC (Fundaj). Coordenada pelo museólogo Aécio de Oliveira, a equipe contava com outros museólogos e técnicos como Regina Maria Batista e Amélia Couto. O Projeto, que se encontra nos arquivos do Museu do Homem do Nordeste/ Fundaj, revela que, com base nas informações fornecidas pela Fundação de Cultura Cidade Recife, “a preocupação da equipe da Fundaj foi de instalar uma Galeria que tivesse a dupla função de galeria e museu”18.

No campo mais específico da museologia e do patrimônio, muitos debates à época problematizavam o papel do museu na sociedade. Renata Vieira da Motta (2009) reflete que o pensamento museológico foi se politizando desde a década de 1960, paralelamente ao processo de culturalização das cidades. A Declaração de Santiago de 1972, resultante da mesa-redonda realizada pelo ICOM em Santiago do Chile, por exemplo, influenciada pelas discussões promovidas pela UNESCO em relação ao papel do patrimônio na sociedade e permeada pelos questionamentos de Maio de 1968 sobre o papel dos museus numa sociedade, “afirmou um novo conceito de ação dos museus: o “museu integral”, isto é, destinado a proporcionar à comunidade local uma visão de conjunto do seu meio material e cultural” (MOTTA, 2009: 34). O museu passa a ser compreendido como instrumento de mudança social.

Esse é o debate museológico compõe o cenário no qual os profissionais que atuaram na construção da GMAR estão inseridos. Todavia, o museu além de lugar de pesquisa, como refletiu o Presidente da Fundação de Cultura, tinha como máxima ser o lugar que possui uma narrativa permanente, uma exposição permanente. A ideia de rotatividade de mostras estava associada a galerias e não a museus. Para as reflexões da época, uma galeria de arte poderia apresentar os artistas vivos, os artistas jovens; ter mais dinâmica de mudança de mostras artísticas. Assim, a proposta de duas exposições simultâneas escolhidas pelos profissionais da Fundação Joaquim Nabuco, uma permanente e outra temporária, foi pensada, em primeiro lugar, a partir da constituição do acervo, em seguida, como da possibilidade de mostrar outras coleções que não apenas a da Galeria-museu.

Os indícios indicam que alternativa por Galeria Metropolitana foi mesmo de Leonardo Dantas e sua admiração pelo Metropolitan Museum of Art, de Nova York. Em entrevista com o Prefeito do Recife à época, questionamos sobre as especificidades da Galeria Metropolita na

de Arte do Recife, como o nome do espaço, a escolha dos artistas e a opção pela configuração da exposição. De maneira direta, o ex-prefeito disse que delegava essas atividades para Leonardo Dantas, Diretor Executivo da Fundação de Cultura Cidade do Recife, e Luiz Otávio Cavalcanti, Secretário de Planejamento e Urbanismo. Recordo um excerto espirituoso dessa trecho do depoimento: “Isso aí eu deixava pra Leonardo cuidar. Umas complicações... ‘Traga pra eu decidir que eu decido’. E, evidentemente, não tem nada simples que dois intelectuais não possam complicar [risos]” (KRAUSE, Depoimento, 10/10/2017).