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Garantia Fundamental do Devido Processo Legal e o Poder Geral de Cautela.

dos procedimentos cautelares específicos, regulado no CPC, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, aumentando, assim, o leque de providências que o magistrado poderá determinar, se julgar necessárias, para garantir a efetividade do processo principal.

Previsão salutar para quem busca a implantação do direito à percepção de medicamentos, que se tiver de aguardar os trâmites legais para ser obtido, certamente não só o objeto teria perecido, mas o próprio titular do direito.

Para os que entendem que a concessão de medicamentos através de medidas cautelares, com a incidência do Poder geral de cautela, lesa o contraditório e a ampla defesa, corolários do devido processo legal há se ressaltar que mesmo através desta medida o devido processo legal é observado, apenas postergado o momento para o exercício do contraditório e da ampla defesa.

4.1. Garantia Fundamental do Devido Processo Legal e o Poder Geral de Cautela.

O princípio do devido processo legal surgiu com a Magna Carta de João Sem Terra, no ano de 1215, na qual se referiu a law of the land, somente sendo usada a expressão due process of law, assim consagrada, em lei inglesa de 1354, editada no reinado de Eduardo III.

Apesar de a Magna Carta ter sido um instrumento de contundente reacionarismo, atuando como uma espécie de garantia dos nobres contra os abusos da coroa inglesa, continha exemplos de institutos originais e eficazes sob o aspecto jurídico, suscitando admiração e elogios de estudiosos da história do Direito.

Após origem na Inglaterra, o princípio do due process of law, devido processo legal no idioma pátrio, consolidou-se no direito americano, inicialmente aparecendo em algumas constituições estaduais para finalmente ser incorporado à Constituição da Filadélfia por meio das Emendas 5ª e 14ª.

No direito americano o princípio do due process of law tem sido visto de forma ampla e genérica, isto é, a sua aplicação busca resguardar os bens jurídicos espelhados no trinômio vida–liberdade-propriedade, pilar do sistema jurídico norte-americano.

Esta feição genérica do due process of law lhe imprime uma forma bipartida, tendo o princípio o seu aspecto substancial, voltado ao direito material, bem como o processual, quando atua na tutela daquele.

Neste contexto, a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio do devido processo legal, disposto no art. 5º, inciso LIV, no qual contempla a proteção à liberdade e aos bens.

Sob o enfoque processual, a doutrina brasileira tem construído ao longo dos anos as garantias emanadas do princípio do devido processo legal. Eis algumas: a) direito á citação e ao teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à respectiva notificação para comparecimento junto aos tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto-incriminação.

Veja-se que, com base nas construções da doutrina pátria, o simples fato de a Constituição Federal fazer menção expressa ao princípio do devido processo legal, torna desnecessária a presença de boa parte dos direitos fundamentais insculpidos no art. 5º.

O princípio do devido processo legal, sob o prisma processual, compreende a garantia, a possibilidade efetiva, de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível.

Essa garantia de acesso à justiça deve ser entendida como uma garantia de “acesso à ordem jurídica justa”, na feliz definição do professor KAZUO WATANABE116, citado por

ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, para quem:

A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas.117

Neste passo, é de se considerar que a garantia de acesso à ordem jurídica justa contempla necessariamente o direito de acesso ao judiciário previsto no art. 5º, inciso XXXV,

116 Expressão encontrada no ensaio “Assistência Judiciaria e o Juizado Especial de Pequenas Causas”,

publicado na obra coletiva Juizado Especial de Pequenas Causas, coord. De Kazuo Watanabe, São Paulo: RT, 1985, p. 163.

da vigente Constituição Federal. Isto não quer dizer que esteja assegurada a mera possibilidade de ajuizar a demanda, mas sim, de se obter, em tempo hábil, provimento útil e eficaz.

Decerto, o direito não consiste apenas no simples acesso formal ao judiciário. Compreende, também, a observância de procedimentos que visem à tutela efetiva do direito violado ou ameaçado. Dessa forma, o direito de ação abrange igualmente o direito a uma decisão cujo cumprimento se dê em tempo razoável, o que significa assinalar que o pedido de tutela jurisdicional corresponde também a um pedido de tutela tempestiva. Se assim não fosse, a demora na solução do litígio ou a inadequação do procedimento obstariam a tutela do direito, tornando inócuo o significado prático da garantia de acesso à ordem jurídica justa.

Como compatibilizar, pois, o pleno acesso ao judiciário, observando-se o contraditório e a ampla defesa (corolários do princípio do devido processo legal), com a necessidade de se afastar a ação deletéria do tempo sobre o processo, que é essencialmente o instrumento de realização da prestação jurisdicional, especialmente na efetivação do direito à saúde?

Nesse norte, o legislador brasileiro contemplou no Código de Processo Civil duas modalidades de medidas cautelares preventivas e assecuratórias que podem ser adotadas pelo juiz, denominadas medidas cautelares.

As medidas cautelares provenientes do poder geral de cautela, assim como as demais medidas cautelares, nada mais buscam senão a garantia de que a tutela jurisdicional perseguida seja plenamente realizada, se porventura deferida. Caso não existissem tais medidas, a tutela de muitas situações fáticas e jurídicas seria prejudicada com a ação do tempo ao longo do transcurso do processo, não cumprindo esse a missão bem definida por CHIOVENDA118, segundo o qual: o processo deve dar, na medida do que for praticamente possível a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.

O poder geral de cautela tem assento nas garantias constitucionais que emanam do princípio do devido processo legal. O emprego da tutela cautelar deve ser feito de maneira a prestigiar e reforçar o due process of law, a proteger o processo e suas garantias básicas, e

nunca de forma a subverter seus princípios, quebrando a isonomia e anulando o contraditório e a ampla defesa.119

No exercício do poder geral de cautela, mesmo adotando medidas cautelares inaudita altera pars, o juiz não afasta o contraditório nem a ampla defesa, muito menos o princípio do devido processo legal, visto que tais garantias continuam preservadas na relação processual. O que ocorre, em virtude da natureza urgente da medida cautelar, é a antecipação de sua fase executória, e, por conseguinte, o deslocamento do contraditório para momento posterior da relação processual a ser instaurada com a citação do requerido, sendo a este permitido exercer todos os meios de defesa legalmente previstos.

Nestes termos, o poder geral de cautela é uma prerrogativa outorgada ao juiz para atuar como um instrumento que objetiva resguardar as situações de fato e de direito cuja preservação é indispensável à plena eficácia do acesso a uma ordem jurídica justa, premissa também almejada pelo princípio do devido processo legal, visto na sua acepção mais genérica, ou seja, como meio de defesa dos bens jurídicos tutelados pelo Direito.