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Garantir os vínculos Brasil-EUA pelo protagonismo da Missão Suez: o papel do Alto Oficialato conservador

Mas qual seria o meandro em que a Missão Brasileira no Suez permaneceria incólume sob um atritoso governo Goulart, a partir de janeiro de 1963? Tanto Afonso Arinos, como seus sucessores, San Tiago Dantas, Hermes Lima e Araújo Castro, procuravam conferir sua atuação à frente do MRE calibrando a PEI através dos ativos na arena internacional que o país dispunha: na altura de suas passagens pelo Itamaraty – e para o caso de Arinos que volta ao Senado nos fins de agosto de 1961, com notável articulação nas comissões de Constituição e Justiça e Relações Exteriores – o Batalhão Suez era o mais importante ativo em política internacional a pleno funcionamento. O chanceler Araújo Castro (então secretário geral do MRE) foi explícito nesta constatação em 1962.256

E com o erratismo da PEI, visível na falta de sucesso em acordos multisetoriais que beneficiassem a fragilizada economia brasileira, sobrava poucos músculos ao Itamaraty e ao próprio Executivo, com que exercitassem suas aspirações à meta do Brasil potência. Os encaminhamentos da Embaixada brasileira em Washington diferem em muito daquele entusiasmo com que se observava nos idos do presidente Kubitschek. O Embaixador Roberto Campos, apesar de afinado com os interesses políticos e mercantis americanos – e brasileiros por suposto – não lograva viabilizar uma agenda positiva para o país, na opinião do já citado Pedro Malan. Por ocasião da implementação do Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado e negociado por Dantas e Campos em Washington, sua constatação era de que;

[…] A bem da verdade, houve um esforço sério no sentido de lidar com a situação econômica em rápida deterioração e, em particular, de demonstrar à comunidade financeira internacional, e ao governo norte-americano, em especial, que havia um programa de governo a ser implementado tão logo Goulart recebesse os poderes presidenciais que a Constituição de 1946 lhe outorgava. (...)Este esforço se consubstanciou no Plano Trienal (1963-1965) e efetivado

256 Araújo Castro, João Augusto. Op. Cit. p. 202. “Com 104 membros a Assembleia Geral se tornou representativa do mundo em que vivemos. Na Conferência do Desarmamento fomos chamados como um dos oito mais representativos Estados independentes, denominados não alinhados. É nossa presença na Força de Emergência (UNEF) e nossa atuação no mundo que nos outorga esse status.”

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no primeiro trimestre de 1963. (...) Mas já no segundo semestre de 1963, o Plano Trienal tinha perdido qualquer vestígio de apoio. A oposição ao Plano era de tal ordem, que San Tiago Dantas deixou o Ministério (Fazenda) mergulhando o país num caos econômico, financeiro e social […]257

No início de setembro de 1963, Roberto Campos entrega o cargo de embaixador extraordinário nos Estados Unidos, por desacertos com o governo Goulart. Seus esforços por conseguir os empréstimos que viabilizassem o Plano Trienal junto a credores americanos lograra êxito, dentro das restrições ao gasto público que Executivo e FMI acertaram. No entanto, o populismo trabalhista falou mais alto e a sequência de medidas que o governo Goulart adotou como cumprimento das promessas do Presidente às organizações sindicais, movimentos sociais e empresários, fez estourar o debilitado orçamento nacional. Como consequência, o FMI vetou a segunda liberação creditícia, U$ 90 milhões, e o setor financeiro americano retirou todo e qualquer auxílio ao Brasil. Foi esse malogro o suficiente para que Campos deixasse seu posto. Com sua saída, se extinguiram os últimos vestígios de sintonia que havia nas relações com o núcleo do poder em Washington; pelo menos a nível de embaixada.258

A adidoria militar na capital americana também fora afetada pelo ambiente criado pela saída de Campos e tudo indica que, de setembro de 1963 em diante, as negociações com os Estados Unidos se azedaram devido às críticas que o bloco governista no Congresso e na imprensa brasileira dirigia ao governo americano. Embora as Forças Armadas brasileiras encontravam-se na dual fricção intestina entre nacionalistas e liberal-conservadores, quem orientava a política militar no Brasil desde a posse de Jânio Quadros era o núcleo dirigente da ESG. E conforme aponta Frank McCann (2015: 35) desde os anos do presidente Kubitschek que a ESG protagoniza no cenário das relações internacionais militares do Brasil, com o bloco ocidental, e em especial com os Estados Unidos. Segundo McCann,

[…] Kubitschek dependia dos militares para a segurança de seu governo e, portanto, estava preocupado com o fato de suas necessidades serem atendidas. Principalmente os funcionários da Escola Superior de Guerra influenciam politicamente. Ele estava comprometido em dar continuidade à tradicional política externa pró- Estados Unidos do Brasil, mas em questões econômicas e militares, ele teve que se submeter ao congresso e às forças armadas, ambos “altamente sensíveis a qualquer desenvolvimento que parecesse infringir as leis brasileiras soberanas”[…]259

257 Malan, Pedro Sampaio. Op. Cit. P. 101-102.

258 Roberto Campos é nomeado para Washington em agosto de 1961 por Quadros. Com a renúncia do presidente, Goulart o confirma, mas como embaixador extraordinário e plenipotenciário, quando afinal se demite em agosto de 1963, por discordâncias com o governo.

259 McCann, Frank D. The Rise and Fall of the Brazilian-American Military Alliance, 1942-1977. In: Revista do Programa de Pós graduação em História da UFSC. V. 22, n34, 2015. Disponível

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Fato é que desde o governo de JK, a Presidência da República ficara muito sensível aos postulados políticos da ESG. Seja na colaboração com o governo americano para a segurança continental, a contenção aos movimentos comunistas – supostamente patrocinados por Moscou – ou a cooperação brasileira junto às forças de paz das Nações Unidas.

Mas a condução da ESG à frente da política militar do Brasil esbarrava- se no caos em que se encontrava o Executivo de João Goulart. Isso porque o governo Goulart, já retornado ao presidencialismo, inviabilizou por inércia própria e inabilidade administrativa, qualquer ensaio relativo à estratégia de defesa ou mesmo de política militar. Até mesmo os planejamentos definidos na gestão de Lott no Ministério da Guerra, foram abandonados pelo governo. O primeiro Ministro da Guerra no governo Jango, general Amauri Kruel, pouco ou quase nada lograva realizar a frente da pasta, o que causava descontentamento entre a alta oficialidade, e abria caminho para as maquinações contra o governo. Avesso a conspirações por relação pessoal com o presidente, e pelo fato de ser seu ministro – e apoiar o retorno ao presidencialismo – o general Kruel não franqueou seu gabinete para a ala liberal-conservadora obrar contra o governo. Porem não trabalhou num dispositivo militar legalista que sustasse o golpe. E ainda não conseguiu levar adiante as reformas estruturais que as Forças Armadas necessitavam, bem como a modernização, passo prioritário para a estratégia de defesa gestada desde os tempos de Juscelino Kubitschek.

Aqui vai um pouco mais sobre o ministro da Guerra, o general Kruel, porque sua relação com a oficialidade americana era conhecida. Entre 1956- 1957, como chefe do Departamento Nacional de Segurança Pública (DNSP, órgão que antecedeu a Polícia Federal) o general Kruel entrevistara-se pessoalmente com o presidente Eisenhower – na companhia do coronel Danilo Nunes, seu chefe de gabinete – e instara o líder americano da importância em garantir uma Força Armada coesa, operacional e de prontidão no Brasil.260 Nessa reunião ocorrida a 21 de outubro de 1958, obteve-se do mandatário americano a concordância em modernizar as FFAA brasileiras, aprofundar a associação e parceria bilateral e avalizar a estratégia de defesa do Brasil junto ao hemisfério sul-americano. Também conseguiu do presidente americano o aceite em promover o Brasil nos quadros das futuras forças de paz da ONU. Tomando por base o que considerava ser uma profissional e proveitosa participação brasileira na UNEF I desde fevereiro de 1957 – Missão Suez – na fronteiriça e tensa área política entre as contendas leste-oeste.

A conduta técnica e profissional do país na UNEF I, naquele primeiro ano marcado por tensões internas entre os membros, foi notada pelo presidente Eisenhower, que elogiara o Batalhão Suez. Por isso a atenção

em: <http://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2015v22n34> Acesso em: 25/08/2018.

260 Ver em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionario/verbete-biografia/kruel-amauri Acesso: 20/10/2018. O presidente Eisenhower, recordara de Kruel nos campos italianos em 1945.

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consignada pela ESG – e o conjunto dos altos oficiais sorbonistas – ao Batalhão brasileiro no Egito. Tanto porque, naquele momento de crise nas relações com os Estados Unidos, era o único ativo estratégico que o país tinha em funcionamento. Seja para granjear o respeito e o reconhecimento das potências democráticas e da ONU, seja da superpotência. E ainda, garantir a viabilidade necessária aos planejamentos em defesa, vitais para as FFAA na visão daqueles oficiais. Ainda como Ministro da Guerra, o general Kruel já indicara o substituto do comandante da UNEF em retirada, que pela rotatividade constante na normativa da ONU, caberia tal posto ao Brasil. Naquela altura o tenente-general indiano P. S. Gyanni, em fins de 1963, foi substituído pelo general brasileiro Carlos Flores de Paiva Chaves, da ala conservadora e bem relacionado com o núcleo dirigente da ESG. Não se pode afirmar que era quadro militante da corrente esguiana, mas nada o desabonava perante a oficialidade nacionalista, que todavia, ainda mantinha seu ativismo nas FFAA.261

Assim declarara o embaixador brasileiro no Cairo Sérgio Armando Frazão, a respeito dos dois generais brasileiros no comando da UNEF, em relatório para o Ministro da Guerra Costa e Silva em março de 1965;

[…] Permito-me ressaltar a grande impressão que me causou o respeito e a apreciação, que de todos recolhi, de que é cercado o General Syzeno Sarmento no comando da Força de Emergência das Nações Unidas. Asseguro a Vossa Excelência que não me estou entregando, neste particular, ao elogio formal e de estilo, ou ao gesto louvaminheiro, que não são de meu feitio, como de longos anos sabe o Itamaraty. Tampouco tenho autoridade ou competência para louvar um oficial dessa categoria. Mas, sem procurar passar de minhas sandálias, cumpro o meu dever de Chefe de Missão ao dizer a Vossa Excelência da convicção em que estou de que o General Syzeno Sarmento, com a mesma polidez e cortesia de seu antecessor, o general Carlos Flores de Paiva Chaves, e com pulso firme de atilado e hábil comandante, é um dos principais, senão o primeiro responsável pela manutenção de bom entendimento entre a UNEF e as autoridades de Gaza e pelo inatacável desempenho das responsabilidades cometidas a essa Força simbólica. […] as qualidades pessoais dos Generais Paiva Chaves e Syzeno Sarmento, adaptam-se admiravelmente a execução da tarefa, em permanente ação diplomática de conciliação e persuasão, e da militar, de afirmação de força e autoridade. E com isso se ilustra para o mundo a participação do Brasil nesses cometimentos de manutenção da ordem e da paz em zonas regionais de conflito cuja deterioração teria imprevisíveis consequências[…]262

261 Cf. Motta, Aricildes. História Oral do Exército. Entrevista com o coronel João Baptista de Paiva Chaves. P. 361-362. O coronel Paiva Chaves era filho do general Carlos de Paiva Chaves, e serviu como ajudante de ordens de seu pai no comando da UNEF, até fins de 1964, quando é substituído pelo general Sizeno Sarmento.

262 Relatório do embaixador Sérgio Armando Frazão ao Ministro da Guerra General Artur da Costa e Silva. 3 de março de 1965. Arquivo Diplomático MRE. Cx.III.

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De fato, a Missão Suez propiciou ao Brasil o crédito internacional para superar as vicissitudes que o país passava sob o crítico governo Goulart, sobretudo no tangente às Forças Armadas. Institucionalmente as FFAA era um dos poucos setores do Estado brasileiro que não sucumbira à polarização política entre os apoiadores do presidente, formado por movimentos progressistas/socialistas, e grupos de direita que afloravam em quase todas as instâncias estatais. Mesmo a disputa política interna nas FFAA entre a minoritária corrente nacionalista e a corrente conservadora, “Sorbonne”, aglutinada na ESG, não representava cisão no meio militar como havia no meio político civil, e social também.

Nesse sentido, conservar a Missão Suez nesses tempos de crise era fundamental para a oficialidade conservadora, pois manteria junto aos interlocutores nos Estados Unidos – e noutros países ocidentais – certo diálogo sobre a situação interna no Brasil e a posição das Forças Armadas. Os mais bem posicionados quadros da alta hierarquia militar do Brasil, ao mesmo tempo que conjuravam contra o governo Goulart, também buscavam a sintonia necessária com seus pares americanos. Seja para não colapsarem os planos que já constavam da agenda estratégica em defesa, seja para não medrar a crise nas Forças Armadas.

O próprio general Sizeno Sarmento, que substituíra o general Paiva Chaves em fins de 1964, desempenhara o cargo de assessor especial na Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos, entre janeiro de 1959 e fevereiro de 1961, como coronel. E não menos significativo, o representante brasileiro na Comissão bilateral (e seu presidente) era o general Osvaldo Cordeiro de Faria, importante quadro da ESG e liderança conservadora. Mas nos anos de intensa crise nas relações entre os dois países, fora a articulação levada a efeito por esses oficiais na Comissão, e na embaixada em Washington, o que salvou, no âmbito da defesa, a Missão Suez e as relações Brasil-EUA. Principalmente a Missão Suez, que estando desde o final do governo JK sob influência da corrente conservadora e da ESG, não nutria qualquer posicionamento político na Força.263 E como destacado mais atrás, tal postura fora reconhecida pelo governo americano – e demais governos integrantes da UNEF I – como profissional, em se tratando das polaridades entre os próprios Estados membros da Força. Explica-se: numa perspectiva triangularizada, a atitude iugoslava em apoiar na arena internacional a participação egípcia na rebelião argelina contra a França, chocava-se com o apoio brasileiro ao governo francês, sobretudo após a chegada de De Gaulle ao poder em 1958. Segundo Lessa,

[…] Com o retorno às posturas tradicionais e, em breve, com o início das discussões sobre o colonialismo português, perdia

263 E esse “apoliticismo” seria necessário prosseguir, a bem do profissionalismo operacional, como atesta o gal. Sylvio: “...A organização desse contingente (junho/1964) foi conduzida com bastante rigidez, pelo fato de ter sido o primeiro imediatamente após a Revolução de 1964...” Depoimento do gen. Sylvio Ferreira da Silva. In: História Oral do Exército. Op. Cit. P. 463.

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irremediavelmente o Brasil a oportunidade histórica de aproveitar as questões coloniais para encaminhar outras questões de seu interesse. Ainda que pretendesse barganhar ponto a ponto o seu apoio às questões de interesse do Hexágono (França), o apoio irrestrito a Portugal balizou o comportamento brasileiro em todas as questões coloniais, sem que se pedisse nada em troca. Com a sustentação da tese de que as colônias constituíam partes dos respectivos territórios metropolitanos, na forma de províncias ou departamentos de ultramar, não pôde o Brasil aproveitar a mais importante de todas as questões coloniais francesas, a Argélia, para a qual a França empenhou-se como nunca para conseguir apoios pelos quatro cantos do mundo[…]264

Igualmente, o apoio brasileiro à intervenção americana no Líbano em 1958, encarada no mundo árabe como uma ignóbil invasão, causou desconforto na Força. A Operação Bluebat em que os Estados Unidos se engalfinharam contra os grupos nacionalistas contrários ao presidente Camile Chamoun, foi acidamente denunciada pelos regimes progressistas árabes. E o líder dentre eles, o Egito, foi o que mais denunciara o papel agressivo dos Estados Unidos, e o papel servil dos Estados árabes – todos membros do Pacto de Bagdá – que o secundara. Mas tudo isso não alterou a profissional e neutra participação brasileira, garantindo o papel apolítico e, portanto, contribuindo com a legitimidade do trabalho da ONU na zona de Gaza. De fato, a diplomacia do governo Kubitschek emudeceu-se ante a invasão americana ao Líbano em 1958. O que causou certo constrangimento nos oficiais brasileiros na UNEF perante seus pares indianos e iugoslavos, incluindo as autoridades militares egípcias em Gaza.

Assim sendo, não havia porque a alta oficialidade brasileira desconsiderar as expectativas americanas quanto à defesa hemisférica e a lógica na Segurança Nacional, já um axioma entre as FFAA brasileiras. O último ministro da Guerra do governo Jango, o general Jair Dantas Ribeiro (junho de 1963/abril de 1964) não comungava com aquelas óticas que presidiam o alto escalão das FFAA, na altura hegemonizado pela ESG e pelos liberais-conservadores (sorbonistas). Sua gestão à frente do Ministério, não refletiu os anseios daquela oficialidade, e tampouco se importava com os melindres da diplomacia militar (esguiana) em preservar o status do Brasil perante os Estados Unidos e as potências democráticas.265 Não poderia assim ser bem sucedida sua passagem pela pasta da Guerra naquele momento tão crítico para o Brasil. Definitivamente, o Ministério da Guerra era uma área vital para o curso da política de defesa, interna e externa do país.

264 Lessa, Antônio Carlos de Moraes. A Parceria Bloqueada: as relações entre o Brasil e a França, 1945-2000. P. 140-141. Tese de doutorado. Disponível em: <http://core.ac.uk/download/pdf/3353.pdf> Acesso: 01/06/2019.

265 Gorender, Jacob. A Sociedade Cindida. “Mesmo sustando a chamada rebelião dos sargentos em Brasília, em 1963, o ministro Dantas Ribeiro, atendendo ordens expressas do Presidente, e contrariando seus pares, avalizou a anistia presidencial concedida, o que debilitou ainda mais sua posição na pasta.” Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v28n80/03.pdf Acesso em: 27/10/2018.

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E não menos importante, para preservar a fiabilidade do Brasil nos organismos internacionais – como visava a classe política e imprensa – era colocar o país ao serviço da causa da paz e estabilidade consagrada pelas Nações Unidas. Neste ponto, saliente-se a preservação da Missão Suez brasileira e seu Batalhão, que já operava a mais de seis anos (1963) no terreno. Era, pois este, o compromisso que a alta oficialidade das FFAA visava manter como bônus nas relações com os EUA no campo da defesa. Mais do que preservar aquelas relações no aspecto formal e técnico das disposições normativas do Acordo Mútuo corporificado na Comissão Mista, seria preciso ampliar e aprofundar a paridade. No âmbito da defesa hemisférica entre os dois Estados, não haveria espaço para desconfianças mútuas. Assim raciocinava a alta oficialidade brasileira. Sobretudo quanto ao curso a ser seguido pela política interna do Brasil respeito às preocupações que afligiam ambos os países no importante quesito da Segurança Nacional.

Um Brasil estável, social e politicamente harmônico, significava a estabilidade para todo o continente sul-americano, ou ao menos a principal razão instrumental para se obtê-la. Pelo menos, assim racionavam os líderes militares conservadores, em sua cruzada anticomunista.266 Todavia antes disso, a estabilidade política brasileira, no modelo democrático e liberal, seria altamente positiva à consolidação geopolítica, de Washington no hemisfério. E por conseguinte, altamente positivo para o Brasil também, conquanto assumisse o papel de “gerdarme” no continente. Na perspectiva da alta oficialidade conservadora por suposto. Era positivo ainda porque o mais extenso e populoso país austral estaria bem assente na órbita americana, e sob o penhor de instituições civis solidificadas e FFAA harmonizadas com a superpotência.

Mas toda essa lógica desenhada pela intelligentsia diplomática e militar americana ainda não estava presente. Destarte, tornava-se imperioso manter os vínculos institucionais e de camaradagem com os brasileiros, na perspectiva de Washington. De acordo com o memorando preparado conjuntamente pelo Departamento de Estado e Agência de Desenvolvimento Internacional, de setembro de 1963, é revelada a dificuldade americana no trato diplomático desde o governo Kubitschek, como segue,

Goulart continuará reatribuindo e promovendo oficiais militares dentro do que ele julga serem os limites da viabilidade política, a fim de fortalecer seus apoiadores e enfraquecer as forças que podem montar uma oposição política dentro das forças armadas. Enquanto as promoções e atribuições sem dúvida enfraqueceram os elementos anti-Goulart e em graus variados fortaleceram as forças pró-Goulart, oportunistas, nacionalistas e esquerdistas (incluindo extremistas nas duas últimas categorias) nas forças armadas brasileiras, continua existindo nas forças armadas um forte defesa da lei e da ordem, e

266 “Dentre os resultados obtidos, durante o ano de 1962, podemos, sintetizando, ressaltar: - evolução da política do bloco comunista e das relações sino-soviéticas; - acompanhamento dos assuntos político-militares e sociais e das atividades comunistas em todo o país, por meio de relatórios, boletins e informes diversos.” In: Documentos Históricos do EME. Op. cit. p. 363.

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uma preferência substancial por processos democráticos ordeiros que reajam contra os excessos extremistas, seja pela esquerda ou pela direita. Isso foi pelo menos temporariamente fortalecido pela recente revolta dos sargentos. Isso significa que, embora a capacidade militar já limitada de derrubar Goulart em bases puramente políticas tenha