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Manoel.

Filha de Antônio Rocha e Elvira Marques, Cecília é a caçula de uma família que conta com oito irmãos. No território da Invernada, os Marques viveram nas áreas próximas à estrada de rodagem, em limite com a fazenda de Túlio Dangui, este, bisneto do já referenciado sobrinho da senhora Balbina, Pedro Lustosa150

Nascida e criada no Fundão, Cecília de lá saiu com dez anos, para trabalhar como doméstica em Guarapuava, na casa de Túlio Dangui,

, e uma das testemunhas a favor da Agrária durante o processo de usucapião.

também proprietário da fazenda que divisava com as terras da Invernada. Muito influentes, os Marques eram considerados pessoas de poder e decisão. Uma delas, por exemplo, foi casar a irmã mais velha de Cecília, Celinha Marques, com um dos filhos de criação de Túlio Dangui.

Desde que foi trabalhar na casa dos Dangui, Cecília jamais voltou a morar nas terras do Fundão, fazendo somente visitas à família. Conta ela que, nos idos da década de setenta, sua família esteve com problemas com a colheita, e sua mãe, internada em um hospital por conta de problemas de saúde, acabou por assinar, às pressas e convalesce, a procuração que cessionava seus direitos hereditários das terras da Invernada ao então delegado de Guarapuava, Oscar Pacheco dos Santos.

Cecília vive em sua casa no Bairro Santana, Guarapuava. O quintal conta com duas casas, a primeira onde mora sua filha Sônia e seu neto Júnior, e a segunda onde mora ela mesma. Vivem ali há 14 anos, quando ela, a filha (então grávida) e o ex-genro, decidiram comprar o terreno e construir a casa.

Trabalha já algum tempo como zeladora e faxineira de um edifício e banco no centro de Guarapuava. Acorda toda manhã, bem cedo, e desce as ruas do bairro que dão para o centro, de onde retorna somente no meio da tarde. Como Sônia (a única de um relacionamento que durou até a morte de seu cônjuge, Sabará), não se envolve diretamente com as questões relativas ao retorno às terras do Fundão. Frequenta algumas reuniões, somente quando estas têm maior relevância, como por exemplo, aquela sobre o cadastro das famílias junto ao INCRA, ou a que contou com a participação do grupo de antropólogos.

Como uma das anciãs portadoras da memória dos “tempos do Fundão”, Cecília nos serviu como interlocutora nas pesquisas para o trabalho do relatório antropológico. Mas diferentemente de pessoas como Domenico, Oliveira e Carla, Cecília nunca esteve assiduamente nos atos e movimentos da luta pelo retorno às terras da Invernada. Não participou dos primeiros encontros e assembleias que deram origem à associação Pró-Reintegração Invernada Paiol de Telha, e tampouco acampou nas cercanias da área hoje ocupada pela Agrária, fazendo somente visitas esporádicas às famílias que estavam no Barranco.

ministra aulas para o ensino fundamental

O caso Fundão foi "re-descoberto" por Sônia quando se propagou aos quatro ventos que os herdeiros das terras da Invernada, descendentes daqueles escravos, agora seus ancestrais, estavam acampados nas cercanias da propriedade ocupada pela Agrária. Como no caso de muitas outras pessoas, foi a partir do momento em que as famílias se articularam em torno da necessidade de retorno às suas terras, e montaram o acampamento, que se desenhou e se reforçou o sentido de pertencer ao grupo.

. Assim como a mãe, a filha não está a par das pautas e demandas que orientam as reuniões, encontros e assembleias dos representantes da comunidade. Até então conhecedora do Fundão apenas nas narrativas de seus parentes mais velhos, só viria a conhecer melhor a história dos moradores do Fundão quando, em consequência do acampamento no Barranco, as histórias dos negros, bem como a condição atual dos descendentes dos escravos, passaram a ser noticiadas pela imprensa local, passaram a ser valorizada.

Até então objeto de certo repúdio e esquecimento, a herança, as terras do Fundão, as histórias sobre a escravidão, passaram a ser mais acessadas nas conversas e encontros de Sônia. Foi no momento em que os acampados foram assentados, que começou a se envolver, ainda que indiretamente, com a questão, mesmo sabendo que viver na Colônia Socorro não estava em seus planos.

O "engajamento", portanto, de ambas, às questões do Fundão, sempre foi dado de modo esporádico. Cecília e Sônia parecem encarnar aqueles tipos de pessoas descendentes dos escravos que participam dos atos e encontros referentes à causa Fundão somente quando "é preciso" e "é importante". Cecília é uma das "anciãs" da comunidade. Sua legitimidade se baseia no simples fato de ser uma daqueles que portam a "memória dos antigos", que nasceram nas terras da Invernada, e ali

151 Para seu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia na Unicentro, Sandra fez um relato crítico sobre preconceito racial a partir de sua experiência como professora em duas escolas da Colônia Vitória, onde lecionava. Uma escola particular, a Imperatriz, e outra municipal. Dentre as questões levantadas por Sandra, está a separação entre os “brasileiros” da chamada Vila dos Brasileiros, formada pelos “brasileiros” (que inclusive trabalham para a Agrária), e os descendentes Suábios que ali vivem. Outras questões levantadas pelo trabalho de Sandra se referem às relações entre as crianças descendentes dos suábios e as brasileiras que frequentam as referidas escolas. Ver SANTOS, 2000.

viveram. Foi isto que levou a equipe de antropólogos, guiada por Oliveira, às suas dependências, e que possibilitou que descrevêssemos a sua história e a história de sua família.

Nem uma, nem outra, foram viver no Assentamento. Era realmente difícil estar ali, “debaixo de lona”, mesmo que sob a promessa das casas serem construídas pelo INCRA. Assim como era difícil estar acampado. Cecília trabalha em Guarapuava, Sônia é professora de uma escola. Quer queira, quer não, trocar o certo pelo incerto é sempre duvidoso. Além disso, Cecília não sabe, desde os seus 10 anos de idade, o que é viver na zona rural. Sônia nem sequer teve esta experiência. Estão em Guarapuava, bem como estão a favor da causa pelo Fundão. Aliás, para o Fundão sim, Cecília retornaria. Não necessariamente para residir, mas para ter um sitio d'onde ir passear, ou quem sabe, morar.

Houve, no entanto, em algumas reuniões internas sobre o cadastro, este impasse, relativo ao "lugar dos Marques" no conjunto das famílias pertencentes à comunidade. Cecília é prima de outra Marques, Lucia. Pode-se dizer que Lucia se apresenta como uma das principais lideranças da comunidade. Ela, além representante do núcleo Guarapuava na coordenação geral, está vinculada à Cempo, onde trabalha nos projetos da Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais. Além de professora da rede municipal de Guarapuava, Lucia passa grande parte de seu dia trabalhando, não somente para a causa Paiol de Telha, mas para a causa das comunidades quilombolas do Paraná152

Lucia está vinculada ao grupo dos descendentes pela mesma linha de descendência de Cecília. O bisavô de Lucia, José Tereza, é neto do legatário Manoel

.

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. Lucia e Cecília são, portanto, primas. Cecília, no entanto, foi questionada acerca da legitimidade dos Marques no conjunto da comunidade. Lucia, por sua vez, jamais teve seu lugar enquanto membro da comunidade questionado. Resta à ela apenas defender a prima, e dizer que Cecília é sim, uma legítima herdeira.

152 Lucia é atualmente a representante da recém criada Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná.

5.13 - O caso Serginho

Houve alguns impasses, no início de 2008, durante a assembleia que decidiu a escolha dos nomes dos coordenadores que representariam os núcleos da coordenação geral. Nem Oliveira, nem Mariana, do núcleo Assentamento, aceitaram (naquele momento), que Serginho fosse um dos coordenadores do núcleo Barranco, e por um motivo, argumentado por eles: somente os descendentes poderiam sê-lo.

Bem diferente da história de envolvimento de pessoas que vivem no Barranco, como Osvaldo, Nina e Antônio, Serginho é conhecido pelo notório e recente envolvimento com a causa dos acampados. Foi descobrir, no ano de 2004, juntamente com sua mãe, Melina, que aquelas pessoas que estavam acampadas na estrada que liga os municípios de Pinhão e Reserva do Iguaçu eram também parte da história de sua família.

Melina é filha de Carlota e João Balduíno. Este é filho de Gertrudes, eminente parteira dos tempos dos antigos. Gertrudes não possui descendência direta com nenhum dos escravos legatários, nem tampouco foi casada com alguém que a possuísse. Muito possivelmente, chegou à viver nas terras do Fundão pelo fato de sua filha, Maria Francisca, ter se casado com Manoel Ricardo, neto do escravo Manoel.

Serginho Mario Melina João Balduíno Carlota Constante Balduíno Gertrudes (parteira) Maria

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