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É A gente não fala nem assim de domínio Porque dominar é uma coisa mais forte, mas pelo menos se falasse um pouco Mas tem

D 57 : O professor é quem vai Porque nós sabemos que o professor, ele tem só 4 horas e as outras 20 horas é com a família Mas aí a

D: É A gente não fala nem assim de domínio Porque dominar é uma coisa mais forte, mas pelo menos se falasse um pouco Mas tem

muitos que não falam mesmo! Tem que ser nós mesmos.

CE: Eu lembro quando um dia minha filha chegou em casa falando na língua, perguntando o que tinha pra comer, sabe? Eu disse: “Ah, Valéria. Não sei o que tu tá dizendo não” (Entrevista: junho de 2008).

Mesmo ciente da importância da participação familiar no trabalho docente e a necessidade de atividades que envolvam os pais nas práticas educativas, a diretora Puyanawa percebe a instituição escolar como a principal responsável por ações que permitam a visibilidade dos Puyanawa.

Sempre nos nossos encontros pedagógicos a gente sempre fica batendo na mesma tecla do professor indígena: Olha, nós somos responsáveis pela educação. Somos nós. Independente que esteja na escola ou fora da escola. Somos nós. Somos responsáveis (Diretora da escola em entrevista no dia 02/06/08).

É clara a consciência da diretora quanto ao papel de seus educadores. São eles os maiores responsáveis pelo processo de construção de uma escola transformadora, por mediar o diálogo com a sociedade envolvente, índia e não índia. Além disso, como uma das marcas da educação escolar indígena diz respeito à transculturalidade o professor da escola indígena precisa saber dialogar com as culturas presentes na comunidade escolar e também na externa à escola. Segundo Mindlin (2004) a interculturalidade se encontra “na relação entre os conhecimentos tradicionais e os científicos/ocidentais” (p. 118).

Seguindo esse pensamento, entendo que para conseguir estabelecer o diálogo necessário a uma educação transcultural é importante que os docentes, numa postura dialógica, marcada pela responsabilidade social, consigam vencer algumas barreiras levantadas pelo contato com o não índio. Nesse caso é essencial uma formação que os torne professores reflexivos e com compromisso crítico sobre o papel da escola no âmbito social (PERRENOUD, 1999). Com relação ao caso Puyanawa, os professores têm condições de participarem, de forma crítica, sobre as discussões realizadas em favor da construção de uma escola diferenciada e sobre o processo de “revitalização”.

Segundo Perrenoud (op. cit), o professor reflexivo, dirige seu olhar sobre sua própria prática no contexto escolar, a fim de compreender seu dia a dia e buscar saídas. Seu valor está na capacidade de operar na “identificação e resolução de problemas profissionais”, com eficácia.

O quadro 5 mostra que os professores têm boa parte de sua formação oferecida de acordo com a escola do não índio, mesmo os que estudaram na comunidade, pois é recente sua inserção no rol das escolas indígenas diferenciada, como vimos no terceiro capítulo desta tese. Sendo assim, esses professores vivem o conflito entre o conhecimento adquirido na escola, no caso seguindo os moldes da sociedade majoritária e o conhecimento tradicional Puyanawa.

Parte desse conflito é fruto também da inserção dessa escola na esfera pública de ensino, segundo os Referenciais para Formação de Professores Indígenas (2002), pois obriga ao professor seguir, em alguns aspectos, as determinações da SEE. A escola Puyanawa acompanha todas as determinações da SEE, tanto pedagógicas como administrativas: organização em ciclos; tipos de avaliação; estrutura curricular; estrutura da gestão escolar, são alguns dos exemplos. Mesmo as providências que marcam uma escola diferenciada, como o calendário e o currículo recebem orientação da SEE.

para além dos chamados saberes universais e a forçá-los a “(...) acessar e compreender conceitos, ideias, categorias que não são apenas de sua própria formação cultural” (RFPI, 2002, p.21).

A escola Puyanawa tendo aceitado o desafio de ser diferenciada e específica, tem tomado providências para a concretização dessa escola. Assim, embora a comunidade não seja bilíngue, seu currículo é composto também pelo ensino da língua puyanawa e abre espaço para que os conhecimentos ancestrais, cultura e tradição, sejam ensinados a seus alunos58.

Diante de tamanha encomenda fica a cargo da escola, com participação efetiva dos professores, a construção do Projeto Político Pedagógico (MAHER, 2006; MINDLIN, 2004), com os aspectos que lhe são pertinentes: seus objetivos; a estrutura curricular que deve ser diferenciada; o calendário diferenciado, específico para sua realidade; a escolha por uma metodologia de acordo com a especificidade étnica; por seu sistema de avaliação e a elaboração de materiais didáticos, mais pertinentes a suas demandas.

Aceitar se envolver nas responsabilidades da escola junto à sociedade, a princípio, implica, conforme Perrenoud (1999), em “interessar-se, informar-se, participar do debate, explicar, mostrar”, não é uma atitude passiva e neutra e por isso o professor precisa desenvolver uma postura crítica. Para favorecer essa atitude, por parte do professor, faz-se necessário que os espaços de formação desenvolvam “dispositivos específicos: análise de práticas, estudos de caso, vídeo-formação, escrita clínica, técnicas de auto-observação e de esclarecimento, treinamento para o trabalho sobre o próprio habitus e sobre seu „inconsciente profissional‟” (PERRENOUD, ibidem).

Vale ressaltar que essa postura do professor, reflexivo e participante, se constrói em diferentes espaços. A própria escola, locus de sua prática profissional, é um desses espaços; as universidades, outro. Assim, o que se passa na escola, em seus diversos lugares de atuação do professor, além das salas de aula, é somado ao universo de aprendizagem acadêmica para formação em serviço de um profissional com esse perfil (reflexivo e participante crítico).

Com essa gama de responsabilidades, novas e antigas, o professor precisa pesquisar e estudar os conhecimentos, para compreendê-los, que passam a circular no cotidiano escolar e experimentam um processo de sistematização e de registro. Cresce

seu espectro de ações e responsabilidades: formar cidadãos plenos; ser mediador: entre pais e escola, entre conhecimentos tradicionais, universais e tecnológicos; elaborar PPP e tudo o mais que esteja ligado diretamente a essa proposta, no caso, inclui-se a construção da escola diferenciada. Isso reforça a necessidade de a escola ser atendida por profissionais docentes capazes de desenvolver suas práticas de modo reflexivo. As práticas reflexivas são construídas no coletivo, no diálogo estabelecido com o outro, dentre os quais seus pares. Quanto ao concretizar essa escola diferenciada, os Puyanawa recebem ajuda da SEE e também do linguista Aldir de Paula59. A SEE encaminhou 2 assessores pedagógicos para orientar os trabalhos de organização pedagógica dessa escola; um está direcionado para o Ensino Médio e o outro para o Ensino Fundamental. Esses profissionais têm como uma de suas funções orientar no planejamento de ensino. Contudo, neste ano a escola não recebeu a visita dos assessores o que comprometeu o planejamento, conforme entrevista realizada com a diretora em julho de 201060: