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1. A PROBLEMÁTICA E A GESTÃO PÚBLICA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

1.4. GEOGRAFIA, RESÍDUOS E MEIO AMBIENTE URBANO

Na Geografia, o interesse no tema dos resíduos pode desenvolver-se de diferentes formas: sobre a presença e movimentação do lixo no espaço geográfico (pela produção, transporte, estocagem e eliminação); sobre as consequências ambientais e sociais das estratégias e políticas para o setor; assim como, sobre a ação de diferentes atores sociais e a territorialização de suas práticas.

São problemas atuais dos resíduos sólidos nas cidades e possíveis focos de atenção para a Geografia: a resistência da população em aceitar a instalação de equipamentos de tratamento ou eliminação de resíduos na sua vizinhança; o dilema entre a intalação de aterros sanitários distantes dos núcleos urbanos e o risco de um aumento insustentável de custos de transporte; o crescimento do tecido urbano e o avanço da ocupação residencial sobre antigas áreas de aterramento de resíduos; a presença de resíduos sólidos no espaço público, como o armazenamento de recicláveis em praças por catadores de rua, gerando conflitos com os demais usuários do espaço urbano; a exportação de lixo para outros territórios, etc.

As pesquisas que envolvem os resíduos têm enfoque variado: os numerosos riscos associados ao manejo inadequado; as crescentes massas de resíduos que demandam novas soluções de descarte e eliminação; a obsolescência ou

inadequação dos sistemas de gestão dos resíduos sólidos estabelecidos no século XX; as obsoletas unidades de tratamento em vias de saturação; a ausência de planejamento adequado; e o desperdício de recursos e de esforços das municipalidades que afetam múltiplos territórios.

Os resíduos sólidos são, nesse contexto, um tema amplo e diversificado para a Geografia, sendo necessário constatar que as abordagens apresentam-se diferenciadas, desde a organização da gestão até a implicação de diferentes atores sociais, mas tais abordagens concentram-se em torno de um núcleo comum: o meio ambiente urbano.

Apesar da importância evidente para os estudos urbanos, as questões sobre o meio ambiente e as cidades foram relegadas a um segundo plano especificamente no ramo da Geografia Urbana. Os enfoques principais deste ramo foram: o marxismo e as relações de classe, a partir dos anos 1960; o pós-modernismo e a ênfase sobre o sujeito e a percepção, nos anos 1990; e a competitividade entre os territórios, em um contexto de neoliberalismo (DORIER-APPRIL, 2006a).

Nesse sentido, as abordagens da pesquisa em Geografia Urbana concentraram-se sobre temas distantes de uma perspectiva ecológica. A recuperação deste tipo de reflexão é desenvolvida, inicialmente nos anos 1980, pelos climatólogos que trabalham com o conceito de ecossistema, sobre as relações entre clima e poluição, ou mesmo sobre o tema clima, conforto corporal e saúde na cidade (DORIER-APPRIL, 2006a). Posteriormente, outros geógrafos dedicaram-se ao meio ambiente urbano, como aqueles que trabalharam sobre a periurbanização e a preservação dos cinturões verdes nos limites das cidades ou os biogeógrafos que promoveram uma Geografia dos ambientes urbanizados, através do tema dos riscos ambientais (DORIER-APPRIL, 2006a).

A partir da década de 1990, no Brasil, destaca-se a abordagem socioambiental voltada aos problemas urbanos, que vem sendo desenvolvida por autores como Arlete Rodrigues (2007) e Francisco Mendonça (2004; 2010; 2011).

Nessa abordagem, enfatiza-se a compreensão da interdependência entre as dinâmicas sociais e naturais para o estudo dos fenômenos relacionados ao meio ambiente urbano.

É preciso, para compreender a dinâmica das relações societárias com a natureza, não separar o tempo do espaço que é produzido socialmente. E não separar também a natureza da sociedade, o que significa compreender a diversidade social e as formas pelas quais a sociedade se apropria e transforma esta natureza e produz o espaço social (RODRIGUES, 2007, p.

16).

Nesse contexto, ambos os autores apontam duas bases essenciais para se pensar a problemática ambiental: a natureza como recurso exterior ao homem; e as formas de apropriação individual-coletiva deste recurso.

Nesse sentido, Mendonça (2011) indica uma ruptura na relação para com a natureza quando esta passa a ser apropriada como recurso natural, como propriedade privada geradora de riqueza e poder, e não mais como fonte para subsistência. Trata-se de uma crítica à transformação da natureza em mercadoria que resulta no questionamento do modo industrial capitalista e da produção social do espaço. A questão ou problemática ambiental é um resultado de como “a natureza tem sido apropriada, transformada e paulatina e velozmente destruída”

(RODRIGUES, 2007, p. 42).

As formas de apropriação individual-coletiva da natureza também são ressaltadas, assim como as desigualdades socioeconômicas e espaciais que se manifestam entre aqueles que se beneficiam da produção destrutiva e aqueles que recebem os efeitos negativos desta produção.

Rodrigues (2007) destaca o intercâmbio ecologicamente desigual entre países, que se refere à energia e recursos, mas também à transferência de resíduos. Para a autora, as trocas ecologicamente desiguais precisam ser compreendidas, no sentido de que alguns países dominantes se beneficiam da extração de recursos naturais e outros restam com a degradação natural decorrente dessas atividades.

As desigualdades também se manifestam em escala local. Os benefícios do desenvolvimento da cidade concentrariam-se nas mãos de uns e os malefícios atingem outros:

[...] aqueles que não participam das condições consideradas adequadas de qualidade de vida e de justiça social, partilham em escala ampliada dos

“resíduos” deste processo de urbanização acelerado, respirando o ar poluído das cidades e metrópoles, habitando em situação precária e não tendo trabalho adequado para as necessidades de sua reprodução, sem fornecimento adequado de luz e água e de esgotamento sanitário [...]

(RODRIGUES, 2007, p. 92)

Mendonça (2004), também se referindo às desigualdades socioeconômicas e espaciais, ressalta as condições de vida e as diferenças entre a cidade formal e a cidade informal. Nesse sentido, o conceito de risco ambiental conduziria a uma abordagem dual na qual é necessário compreender o risco não só como produto de um fenômeno aleatório (chuvas concentradas, tremores de terra, etc.), mas também como efeito de uma vulnerabilidade que se distribui de maneira desigual no espaço urbano e atinge as camadas economicamente menos favorecidas da população.

[...] as várias concepções, as manifestações bruscas e repentinas da natureza (natural hazards) e o meio-ambiente, constituem os dois principais responsáveis pelo maior número de problemas socioambientais urbanos.

Também é verdade que sozinhos eles não respondem muito, tornando-se imperativo o envolvimento da análise socioeconômica, cultural e política da sociedade face aos riscos urbanos (MENDONÇA, 2004, p. 142)

Mendonça (2004) indica que os problemas relacionados ao meio ambiente urbano foram tratados, inicialmente, na perspectiva de impactos ambientais, isto é, por abordagens de cunho naturalista que se concentravam em temas como: o verde urbano; a degradação hídrica, do ar e dos solos; as inundações; os deslizamentos de terra, etc. Posteriormente, evidenciou-se a necessidade de relacionar aspectos da dinâmica social com aspectos das dinâmicas naturais a fim de compreender o meio ambiente urbano. Este se refere ao conjunto de edificações, infraestrutura, equipamentos de consumo coletivo, mas também ao conjunto de atividades exercidas na cidade, ou seja, “compreende a dinâmica da própria sociedade”

(RODRIGUES, 2007, p. 89).

Na perspectiva socioambiental, os resíduos são um elemento importante, pois envolvem os riscos relacionados à poluição ambiental, provenientes de sua circulação e destinação inadequada. Os resíduos envolvem também a inseparável dimensão social, já que a forma de manejo destes depende de múltiplos fatores

como: as representações sobre os resíduos (cultural); as escolhas das formas de tratamento pelos gestores (político); os custos do manejo e as tecnologias utilizadas (econômico); os agentes envolvidos no processo (social); entre outros.

É relevante destacar que as soluções encontradas para o problema dos resíduos em geral (líquidos, sólidos e outros tipos) são eminentemente espaciais. A forma de se livrar ou aproveitar deles é um problema espacial constante para o poder público e para a sociedade. Os estudos sobre a gestão dos resíduos sólidos configuram, portanto, tema de destaque ao se tratar do meio ambiente urbano.

1.5. RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS E GESTÃO: DEFINIÇÕES E