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Geometria Neutra

No documento FUNDAMENTOS DE GEOMETRIA HIPERBÓLICA (páginas 36-64)

O objetivo do estudo da Geometria Neutra, num trabalho de Geometria Hiperbólica, é verificar qual é o papel do postulado das paralelas para se entender sua independência em relação aos outros postulados. Antes de aprofundar este tema, duas definições se fazem necessárias.

Geometria Neutra 35 Definição: Dadas duas retas l e l’ cortadas por uma reta transversal t, como na figura 2.14, chamam-se ângulos internos aos ângulos ∠A′

B′ B, ∠ABB′, ∠C′ B′ B e ∠CBB′. Os ângulos (∠ABB′ e ∠C′ B′ B) e (∠A′ B′ B e ∠CBB′) são chamados de ângulos alternos internos.

Figura 2.14: Definição de ângulos alternos internos

Definição: Duas retas, distintas e coplanares, são ditas paralelas se não se inter- sectam.

Tendo em vista a peculiaridade das retas paralelas na Geometria Hiperbólica – pe- culiaridade a ser tratada mais adiante –, devemos ressaltar o fato de esta ser uma das definições mais importantes deste trabalho. Os objetos principais de estudo da Mate- mática são os números e o espaço. Antes de aprofundar o tema a respeito da Geometria Neutra, cabe estabelecer as bases que permitirão tratar medidas de segmentos e ângu- los, ou seja, entrelaçar os dois objetos de estudo da Matemática de modo a facilitá-lo, apesar de não ter sido esta a abordagem de Euclides, ao escrever Os elementos. As dificuldades dos gregos em lidar com segmentos incomensuráveis, ou seja, com os núme- ros reais, e a sua álgebra puramente geométrica, além da posterior falta de apreço dos romanos pela Matemática, impediram o desenvolvimento deste campo, e das ciências, com maior rapidez. Isso, sem mencionar a monopolização do conhecimento pela igreja, na Europa, na Idade das Trevas [4].

Axioma de Dedekind: Julius Wilhelm Richard Dedekind (1831-1916) estabele- ceu, em 1871, o que pode ser considerado como a recíproca do axioma de separação S–3. O conjunto de todos os pontos de uma dada reta l é uma união disjunta Σ1∪ Σ2, de dois conjuntos não vazios, de modo que nenhum ponto de um subconjunto está entre pontos do outro subconjunto. Então, existe um único ponto O de l, tal que um

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dos dois subconjuntos é uma semirreta a qual tem como ponto inicial o ponto O e o outro subconjunto é a semirreta oposta. Isto garante que a reta l não tem buracos. Tomando-se ainda, um segmento qualquer como unidade de medida, existem pontos únicos P e Q, com P ∗ O ∗ Q, que distam aquela unidade de medida de O. Veja a figura 2.15.

Figura 2.15: Axioma de Dedekind

O axioma de Dedekind permite estabelecer uma correspondência biunívoca entre os pontos de uma reta e os números reais. Assim, a cada ponto corresponde exatamente um número real, que se pode chamar de coordenada do ponto, e vice-versa. A distância entre dois pontos quaisquer será o valor absoluto da diferença entre os números corres- pondentes. Da mesma forma, podemos fazer corresponder a cada ângulo, um número real entre 0 e 180, ou seja, dada um reta l definindo dois semiplanos, para cada número real entre 0 e 180, há exatamente uma semirreta em cada semiplano, a qual define um ângulo com tal medida.

Isto posto, e com as definições prévias estabelecidas, pode-se proceder ao Teorema dos Ângulos Alternos Internos.

Teorema dos Ângulos Alternos Internos: Se duas retas, cortadas por uma transversal, formarem um par de ângulos alternos internos congruentes com relação a esta transversal, então, as duas retas são paralelas.

Demonstração. Para provar este teorema, novamente com referência à figura 2.14, toma-se como hipótese que as retas l e l’ se intersectam em um dos lados da transversal (essa intersecção ocorreria no ponto D), o que é um absurdo, pois são paralelas. Como o axioma S–4 garante que a reta t define dois lados disjuntos, utilizando o axioma C–1, encontra-se o ponto E na reta ←−→B′

C′, no lado oposto a D em relação a t, de modo que B′D ∼

= B′

E. Isto equivale a construir o triângulo △B′

BE, reflexão do triângulo △B′

BD em relação a t, obtendo um outro ponto de intersecção (E), violando o axi- oma I–1. Nesse caso, B′E ∼

= BD e, como o segmento BB′ é congruente a si mesmo, △B′

BD ∼= △BB′

E, pelo caso LAL, já que, por hipótese, ∠EB′

B ∼= ∠DBB′. Então, ∠DB′

B ∼= ∠EBB′. Mas, como ∠DB′

B é o suplementar de ∠EB′

Geometria Neutra 37 ser suplementar de ∠DBB′, pois ângulos congruentes têm suplementares congruentes. Então, o ponto E pertence a l, o que leva l e l’ a ter dois pontos de intersecção (D e E) – um absurdo. Assim, l e l’ são paralelas.

Isso significa que duas retas perpendiculares a uma mesma reta são paralelas, pois formam ângulos alternos internos congruentes com ela.

Outra consequência importante é que existe uma única perpendicular (r) a uma reta qualquer (l) passando por um ponto qualquer (P). A demonstração deste corolário deve ser dividida em duas partes.

Demonstração. Primeira, considera-se o ponto P pertencente à reta l. O axioma C–4, garante que a perpendicular existe. Para provar ser única a perpendicular por P, supõe- se que existam duas perpendiculares (r e r’) a l por P. Veja a figura 2.16. Assim, r e r’ formam um ângulo α entre si. Mas r e r’, por definição, formam ângulos retos com l. Então, como os ângulos que r e r’ formam com l são retos e suplementares, não sobra espaço para o ângulo α; portanto, r e r’ coincidem.

Figura 2.16: A perpendicular por um ponto em uma reta é única

Agora, considera-se o ponto P como não pertencente à reta l. Veja a figura 2.17. Para provar a existência da perpendicular a l por P, sejam dois pontos distintos em l, A e C. Se P A é perpendicular a l, está provada sua existência. Por outro lado, se P A não é perpendicular, no semiplano oposto ao que contém o ponto P, através do axioma C–4, define-se a semirreta −−→AD, com ∠P AC ∼= ∠CAD. Através do axioma C–1, define-se o ponto P’ na semirreta −−→AD, com AP ∼= AP′. Os triângulos △P AB e △P′

AB são congruentes (LAL). O ponto B é a intersecção de P P′ com l e é chamado de pé da perpendicular a l por P. Como os ângulos ∠P BA e ∠P′

BA são congruentes e suplementares, conclui-se que P P′ é perpendicular a l. Para provar que P P′ é a única perpendicular a l passando por P, supõe-se que existam duas retas perpendiculares a l, passando por P. O teorema dos ângulos alternos internos garante que essas perpen- diculares coincidem, pois os ângulos alternos internos são retos e ambas passam por P.

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Figura 2.17: A perpendicular por um ponto fora de uma reta é única

Ainda mais importante, se l é uma reta qualquer e P qualquer ponto não perten- cente a l, existe pelo menos uma reta paralela a l passando por P. Para se demonstrar este resultado, basta verificar que, como demonstrado acima, só há uma perpendicular a l passando por P, a qual pode ser chamada t (transversal). Novamente, só há uma perpendicular a t passando por P, e esta pode ser chamada m. Então, l e m são pa- ralelas. Não é possível, como será visto adiante, provar que esta reta m, paralela a l, é única. Isso seria equivalente a provar o postulado Playfair ou o quinto postulado de Euclides. Por isso foi declarado que existe pelo menos uma paralela e não exatamente uma. Com a ressalva de ser colocado a posteriori, é um resultado que deixa antever o desenvolvimento de outra geometria diferente da euclidiana.

Definição: O ângulo suplementar de um ângulo qualquer de um triângulo é cha- mado de ângulo externo a este triângulo. Os dois outros ângulos do triângulo, que não aquele do qual foi tomado o suplementar, são chamados de ângulos internos não adjacentes a este ângulo externo. Todo triângulo possui seis ângulos externos, sendo três pares de ângulos congruentes.

Teorema do Ângulo Externo: Um ângulo externo de um triângulo é sempre maior do que qualquer um dos ângulos internos não adjacentes a ele. A figura 2.18 apresenta a situação e será referida na demonstração do teorema.

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Figura 2.18: Teorema do ângulo externo

por vez. Considera-se, então, que ∠BAC ∼= ∠ACD. Se isso for verdadeiro, pelo teorema dos ângulos alternos internos, ←→AB é paralela a ←→CD, contradizendo a hipótese que essas retas se cruzam em B. Supõe-se, então, por redução ao absurdo, que ∠BAC > ∠ACD. Então, existe uma semirreta −→AE, entre −→AB e −→AC, de modo a que ∠CAE ∼= ∠ACD. Esta semirreta intersecta BC no ponto G, pelo teorema das barras cruzadas. Mas, ainda de acordo com o teorema dos ângulos alternos internos, −→AE e −−→CD são paralelas, contradizendo a hipótese de essas retas se cruzarem em G. Portanto, ∠BAC não é congruente e nem maior do que ∠ACD, só restando ser menor. Para o ângulo ∠ABC o raciocínio é idêntico, mas deve-se tomar o ângulo externo ∠BCF , que é congruente a ∠ACD, pois são opostos pelo vértice.

Uma consequência desse teorema é que se um triângulo tem um ângulo reto ou obtuso, os outros dois ângulos devem necessariamente ser agudos.

Proposição: Em um triângulo △ABC, o maior lado fica oposto ao maior ângulo e vice-versa, ou seja, AB > AC ⇔ ∠ACB > ∠ABC. Veja a figura 2.19.

Se AB > AC, então, ∠ACB > ∠ABC.

Demonstração. Para provar que ∠ACB > ∠ABC, toma-se um ponto D em AB de modo que AD ∼= AC, já que por hipótese, AB > AC. Como ∠ADC é externo ao △BCD, ∠ADC > ∠ABC, um ângulo interno não adjacente ao ∠ADC. O △ADC é isósceles por definição, então, ∠ACD ∼= ∠ADC. Portanto, ∠ACD > ∠ABC e mais ainda, ∠ACB > ∠ABC, como se desejava demonstrar.

Reciprocamente, se ∠ACB > ∠ABC , então, AB > AC.

Para provar que AB > AC, nega-se que AB seja maior do que AC. Nesse caso, AB só pode ser igual ou menor do que AC. Se AB < AC, então, pelo que foi provado anteriormente, ∠ACB < ∠ABC, contradizendo a hipótese. Se AB ∼= AC, então, o

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Figura 2.19: Relação entre ângulos e lados no triângulo

△ABC é isósceles e ∠ACB ∼= ∠ABC, novamente contradizendo a hipótese. Portanto, só resta a possibilidade de AB > AC.

Proposição: O menor segmento unindo uma reta a um ponto fora dela é o seg- mento perpendicular.

Demonstração. Para provar esta proposição, referindo-se à figura 2.20, tome um ponto P, não pertencente a uma reta l. Seja r a perpendicular a l passando por P e Q, o pé desta perpendicular. Seja R um ponto qualquer de l, distinto de Q. Seja S um ponto em l de modo que S ∗ Q ∗ R ocorra. O ∠P QS é reto, já que r é perpendicular a l. Pelo teorema do ângulo externo, este ângulo (∠P QS) é maior do que ∠P RQ, e portanto, baseado na proposição anterior, P Q < P R.

As duas proposições anteriores serão importantes mais adiante, ao tratar-se dos quadriláteros de Saccheri.

Proposição – Desigualdade triangular: Se AB, BC e AC são os comprimentos dos lados AB, BC e AC de um △ABC qualquer, então, AC < AB + BC. Veja a figura 2.21.

Demonstração. Para provar essa proposição, deve-se lançar mão do axioma C–1, fa- zendo com que o segmento BC seja replicado sobre a semirreta −→AB, a partir de B, definindo o ponto D. Forma-se, então, um △BCD, isósceles, e portanto, com

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Figura 2.20: O menor segmento entre um ponto e uma reta é o segmento perpendicular

Figura 2.21: Desigualdade triangular

∠BCD ∼= ∠BDC. Temos que AD = AB + BD e BD ∼= BC, por construção. Subs- tituindo, temos AD = AB + BC. A semirreta −−→CB está entre as semirretas −→CA e −−→CD, pois ∠ACD > ∠BCD, por construção. Então, ∠ACD > ∠ADC, pois este último é congruente a ∠BCD. Portanto, AD > AC, pela proposição anterior. Mas como AD = AB + BD, conclui-se que AB + BC > AC.

Como já foi mencionado, todos os resultados da Geometria Neutra, mostrados até aqui, são válidos tanto na Geometria Euclidiana quanto na Geometria Hiperbólica. No entanto, para a Geometria Elíptica, esse conjunto de axiomas não convém, já que o axioma S–3 não vale, nem os teoremas dos ângulos alternos internos, pela inexistência de paralelas, e do ângulo externo, pois um triângulo pode ter dois ângulos retos nesta geometria.

Propõe-se agora assumir o axioma das paralelas de Hilbert para provar um resultado importante o qual mostra uma diferença entre as Geometrias Euclidiana e Hiperbólica. Esse resultado refere-se à soma dos ângulos internos de um triângulo.

Proposição – Soma das medidas dos ângulos de um triângulo: A soma das medidas dos ângulos de qualquer triângulo é 180o

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euclidiano das paralelas de Hilbert.

A figura 2.22 auxilia na prova desta proposição.

Figura 2.22: Soma das medidas dos ângulos internos

Demonstração. Assim, seja um triângulo △ABC qualquer. Toma-se a paralela à reta ←→

AC que passa por B. Os ângulos alternos internos com respeito às transversais←→AB e←→BC são congruentes, como assegura o Teorema dos Ângulos Alternos Internos. Os ângulos formados no vértice B somam 180o

e são exatamente os ângulos do triângulo.

Um corolário importante desta proposição é o fato de – lembrando que, agora, se está assumindo o axioma euclidiano das paralelas de Hilbert – a medida de um ângulo externo de um triângulo ser igual à soma das medidas de seus dois ângulos internos não adjacentes. Como a soma dos três ângulos internos é 180o e a soma de um externo com seu adjacente externo também é 180o, basta cancelar a medida deste ângulo adjacente externo nos dois lados desta igualdade para obter o resultado.

Quadriláteros de Saccheri

Giovanni Girolamo Saccheri (1667-1733) foi um padre jesuíta e matemático itali- ano que dedicou boa parte de seu tempo em análises críticas da Geometria Euclidi- ana, principalmente do axioma das paralelas, numa abordagem cujo objetivo era obter consequências contraditórias da negação desse axioma. Ao não conseguir obter tais contradições, já que estava no caminho certo e suficientemente perto de desenvolver as Geometrias Não-Euclidianas, fez pressuposições injustificadas alegando que a hipótese do ângulo agudo, descrita a seguir, era absolutamente falsa devido a ser repugnante à natureza das linhas retas. Publicou, pouco antes de sua morte, a obra Euclides ab Omni Naevo Vindicatus (Euclides liberto de todas as falhas). Cabe reparar na ironia deste título. Se Saccheri tivesse sucesso no seu intento, ao contrário de libertar Eucli- des de falha, estaria, na verdade, mostrando que ele cometeu um erro de redundância, pois teria estabelecido um postulado passível de prova. De qualquer maneira, o título escolhido não causou maiores polêmicas junto aos inquisitores da igreja católica [6].

Geometria Neutra 43 Definição: O quadrilátero convexo ABDC, em que os ângulos adjacentes à base ∠A e ∠B são retos e os dois lados AC e BD são congruentes, é chamado de quadrilátero de Saccheri. Veja a figura 2.23.

Figura 2.23: Quadrilátero de Saccheri

Não é difícil provar, por congruência de triângulos, as seguintes afirmações: • os ângulos de topo, ∠C e ∠D, são congruentes;

• a reta ligando os pontos médios da base e do topo é perpendicular a ambos esses lados;

• as diagonais, AD e BC, são congruentes.

Se for assumido o axioma euclidiano das paralelas de Hilbert, os ângulos de topo serão retos. Por outro lado, se for assumido que os ângulos de topo possam ser ambos agudos ou obtusos, implicitamente está se negando este axioma. Foi o que fez Saccheri, na busca por alguma contradição nas duas hipóteses que não a euclidiana. Saccheri nomeou estas três hipóteses conforme segue:

• Hipótese do ângulo reto: m∠C = m∠D = 1 ângulo reto. Nesse caso, AB = CD. • Hipótese do ângulo obtuso: m∠C = m∠D > 1 ângulo reto. Nesse caso, AB >

CD.

• Hipótese do ângulo agudo: m∠C = m∠D < 1 ângulo reto. Nesse caso, AB < CD.

Não só para se provar as afirmações acima sobre as medidas da base e do topo, mas também para se demonstrar não se sustentar a hipótese do ângulo obtuso, faz-se necessária a introdução do Teorema de Saccheri–Legendre. Antes porém, um teorema e três proposições também necessárias.

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Teorema: Existe uma correspondência biunívoca entre os pontos de uma reta e os números reais.

Esta bijeção é também chamada de sistema de coordenadas para a reta em questão. Em conjunção com o axioma de Dedekind, este teorema permite associar a cada ponto da reta um único número real, que será a coordenada do ponto em relação à reta. O ponto da reta associado ao número zero é a origem do sistema de coordenadas. Assim, seja um segmento AB, em que a e b sejam as coordenadas de suas extremidades A e B. A medida do segmento AB será dada por AB, o valor absoluto da diferença das coordenadas a e b. A ordenação dos números reais garante a consistência dessa abordagem.

Proposição 1: Todo segmento tem um único ponto médio.

Demonstração. Para demonstrar a existência do ponto médio, considere um segmento AB, com as coordenadas dos extremos sendo a e b. Considere, ainda, um número m de- notado por a+b

2 . O axioma de Dedekind e o axioma S–3 garantem que existe um ponto M com esta coordenada. Deve-se provar que M está entre A e B e que AM ∼= M B. Os comprimentos de AM e MB são dados por:

AM =| a − m |=| a − a + b2 |=| a22b | M B =| m − b |=| a + b2 − a |=| a2 − b2 |

O que significa que AM = MB e, como o número a+b

2 está entre a e b, o ponto M está entre A e B (A ∗ M ∗ B).

Para provar a unicidade do ponto médio, supõe-se a existência de um outro ponto médio M’, com coordenada m’, de modo a que AM′ ∼

= M′ B. Assim, se a < m’ < b, então a - m’ = m’ - b. Ou seja, m′ = a+b 2 . E se b < m’ < a, então b - m’ = m’ - a. Ou seja, m′ = a+b

2 . Como têm a mesma coordenada a+b

2 , M e M’ são o mesmo ponto e o ponto médio é único.

Proposição 2: Dado um triângulo ABC, existe um triângulo AEC cuja soma das medidas de seus ângulos é igual à soma das medidas dos ângulos do triângulo ABC, mas que possui um ângulo de medida menor ou igual à metade da medida de um dos ângulos do triângulo ABC.

Demonstração. Para demonstrar a proposição, seja um triângulo ABC e seja o ponto D o ponto médio do segmento BC. Na semirreta −−→AD define-se o ponto E, de modo

Geometria Neutra 45 que AD ∼= DE, através do axioma C–1. A figura 2.24 mostra essa situação. Deve-se mostrar primeiro que:

m∠AEC + m∠ACE + m∠EAC = m∠ABC + m∠BAC + m∠ACB

Da congruência dos triângulos ADB e EDC, tem-se que ∠ABD ∼= ∠ECD e ∠BAD ∼= ∠CED. Então, vem:

m∠ABC + m∠BAC + m∠ACB = m∠ECD + m∠BAD + m∠DAC + m∠ACB e

m∠ABC + m∠BAC + m∠ACB = m∠AEC + m∠ACE + m∠EAC

Figura 2.24: Dois triângulos com dois requisitos atendidos Em seguida, deve-se mostrar que m∠AEC ou m∠EAC 6 1

2m∠BAC. Mas, m∠BAC = m∠BAD + m∠DAC = m∠AEC + m∠EAC. Então, segue o resultado, pois, se o todo é maior do que as partes, ou os ângulos ∠AEC e ∠EAC são iguais à metade de ∠BAC ou um deles é maior e o outro, menor.

Proposição 3: A soma das medidas de dois ângulos internos de um triângulo é sempre menor do que 180o

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Demonstração. Para a prova desta proposição, referindo-se à figura 2.25, basta tomar o Teorema do ângulo Externo para verificar que m∠B < β e que β+m∠C = 180o

. Então,

m∠B + m∠C < β + m∠C m∠B + m∠C < 180o

Figura 2.25: A soma das medidas de dois ângulos de um triângulo é sempre menor do que 180o

Teorema Saccheri–Legendre: A soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo qualquer é menor ou igual a 180o

, ou seja, dado △ABC, m∠A + m∠B + m∠C 6 180o

.

Demonstração. Para demonstrar este teorema, deve-se supor que exista um triângulo ABC com a soma das medidas de seus ângulos maior do que 180o, para encontrar uma contradição, provando o resultado. Então, para esse suposto triângulo, m∠A + m∠B + m∠C = 180o

+ δ, com δ sendo um número positivo. Dado o que foi colocado na proposição 2, acima, existe um triângulo △A1B1C1, que satisfaça:

   m∠A1+ m∠B1+ m∠C1 = 180 o + δ m∠A1 6 1 2m∠A

Assim, iterando dessa mesma forma, vai-se obter um triângulo que satisfaça:    m∠An+ m∠Bn+ m∠Cn= 180 o + δ m∠An 6 21nm∠A

Ao atingir um n0suficientemente grande, de modo a que 1

2n0 < δ, o triângulo obtido

Geometria Neutra 47    m∠An0+ m∠Bn0+ m∠Cn0 = 180 o + δ m∠An0 < δ

A esta altura, tem-se m∠Bn0 + m∠Cn0 = 180

o

+ δ − m∠An0 a qual será maior do

que 180o

, contrariando o que ficou, acima, estabelecido pela proposição 3. Portanto, m∠An+ m∠Bn+ m∠Cn 6180

o .

Este resultado será usado não só a fim de provar não caber a hipótese do ângulo obtuso na Geometria Neutra, mas também para obter as relações entre os tamanhos da base e do topo do quadrilátero de Saccheri, nas outras duas hipóteses. Como con- sequência desse resultado, tem-se que a soma das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero é menor ou igual a 360o

.

Proposição: A hipótese do ângulo obtuso não é válida na Geometria Neutra.

Demonstração. Para demonstrar esta proposição faz-se uso da figura 2.26 que associa um triângulo qualquer a um quadrilátero de Saccheri, da seguinte maneira: seja o triângulo EDC em que se definem os pontos médios do lado ED, como ponto M, e do lado EC, como ponto N. Assim, EM ∼= M D e EN ∼= N C. Sobre a reta←−→M N definem- se duas perpendiculares passando por D e C. A intersecção dessas perpendiculares com ←−→M N definirá os pontos B e A. Assim, fica definido o quadrilátero ABDC, com os ângulos A e B retos. O quadrilátero aparece invertido com relação ao desenho usual. Define-se, então, a perpendicular ao segmento MN, passando pelo ponto E, que intersecta MN em F.

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Observa-se que △EMF ∼= △DMB e △ENF ∼= △CNA, pelo caso LAA. Então, EF ∼= BD ∼= AC e o quadrilátero formado é um Quadrilátero de Saccheri.

Como impõe o Teorema de Saccheri–Legendre, a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo, na Geometria Neutra, é menor ou igual a 180o

. Então, α+γ+ε+ζ 6 180o

. Note que ∠E = α + γ. Como α = β e γ = δ, tem-se que β + ε + δ + ζ 6 180o . Mas β + ε = ∠D e δ + ζ = ∠C, são os ângulos de topo do quadrilátero. Então,

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