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Geopolítica do Açúcar

No documento CÁRIE DENTÁRIA E GRAVIDEZ (páginas 124-128)

5. MATERIAL E MÉTODOS

7.6. O Papel do Açúcar na Patologia Oral

7.6.1. Geopolítica do Açúcar

Antes do desenvolvimento deste tema, é conveniente explicitar a forma como o termo "açúcar" é aqui utilizado. O termo não está empregue no seu sentido químico ou bioquímico, agrupando toda a família química das "oses", mas, antes, no seu sentido vulgar ou comum com que normalmente se denomina a.sacarose. Assim, quando se usa aqui a palavra "açúcar" é concretamente à sacarose que se está a fazer referência. Os outros açúcares não são considerados nesta análise.

Os economistas, quando confrontados com o dilema de escolher entre aço e pão, tendem com muita frequência a optar pelo aço, levando os dirigentes políticos a exigirem às populações sacrifícios normalmente inúteis que a História tem demonstrado estarem errados. A expansão industrial pode, temporariamente, criar riqueza. Mas o sector primário agrícola será sempre fundamental para garantir um desenvolvimento equilibrado119,137'153.

Ora, actualmente a tendência de industrialização da própria agricultura leva, muitas vezes, a situações de monocultura. A monocultura não garante a subsistência alimentar dos povos que a praticam, que abandonam as pequenas culturas domésticas, e

empregam a sua força laboral nestas grandes culturas industrializadas. Isto, portanto, não lhes confere autonomia alimentar tornando-os consu- midores/importadores dos bens que anteriormente produziam.

Além disso geram-se desequilíbrios ecológicos graves devido à exaustão dos terrenos e ao uso de produtos químicos po- luentes. Trata-se de um ciclo vicioso demasiado comum hoje em dia.

Esta tendência doentia, geradora de fome e desequilíbrio social, tem raízes antigas154.

O açúcar, a partir dos Descobrimentos passou a ser uma das mais devastadoras monoculturas do globo, bastante agravada, mais tarde, pela "Revolução Industrial". O açúcar esta na base de modificações drásticas na delicada balança ecológica em que vive a Humanidade. Mas só recentemente se começou a ter consciência de tal facto6.

Quais os instrumentos que poderão ser usados para tornar o panorama mais favorável? Antes de mais tomar consciência da seriedade dos problemas. Depois, tomar parte activa no processo e abandonar a atitude, sem dúvida mais comum, de meter a cabeça na areia como os avestruzes.

Apesar de ser conhecido e usado há muitos séculos, o consumo de açúcar é um fenómeno recente em muitas áreas do mundo. Comunidades isoladas que se tornaram expostas às trocas comerciais com os países "ocidentalizados" adoptaram

subsequentemente as suas dietas açucaradas. Nalgumas destas comunidades, afortunadamente, o status da cárie dentária havia sido recolhido anteriormente, bem como posteriormente ao aumento de consumo de açúcar7'153.

Veja-se, por exemplo, o que ocorreu com os Inuit

(comunidades esquimó do Alaska). Vivendo com a sua dieta natural os Inuit tinham um índice de cárie baixo (Zitzow 1979), mas a sua Saúde Oral declinou rapidamente assim que adoptaram hábitos ocidentais, transformando, completamente, o seu estilo de vida, incluindo a

adopção de uma dieta ocidental rica em açúcar. (Price 1936; Moller et ai. 1972; Mayhall 1975,1977; Curzon and Curzon 1970,1979).

Entre 1955 e 1957, Bang (1964) observou a Saúde Oral e a dieta dos Inuit do Alaska em três comunidades. Os habitantes de Point Ley e de Point Hope fizeram trocas comerciais durante muitos anos com pessoas de raça branca e semanalmente aviões-correio trouxeram suplementos alimentares, incluindo farinha, açúcar, e confeitaria. Na terceira comunidade, Anaktuvuk, embora existisse um pequeno armazém de comércio aberto em 1953, a importação de géneros alimentares era muito menor, e observou-se que as crianças mais novas tendiam a comer a comida importada. Os habitantes de Anaktuvuk foram examinados novamente 8 anos mais tarde (Bang e Kristoffersen 1972). Neste intervalo de tempo abriram-se mais 3 lojas e um serviço semanal de correio aéreo foi estabelecido, pelo que em 1965 apenas 20% da comida era nativa. Todos os exames que aqui se comparam foram executados pelo mesmo examinador. Em Anaktuvuk entre 1955-57 observavam-se índices de cárie baixos, particularmente nos adultos, comparados com Point Ley e Point Hope. Contudo, em 1965, os índices de cárie nos dentes decíduos aumentaram para os níveis já observados em Point Ley e Point Hope. As cáries em dentes permanentes também aumentaram mas não atingiram os níveis detectados em Point Ley e Point Hope.

A Gronelândia tem a maior população descendente dos Inuit. A cárie dentária era praticamente desconhecida (Pedersen 1938). Contudo, em 1977, a média do epos (dentes decíduos) nos 7 anos de idade era 20 e a média do CPOS (dentes permanentes) aos 14 anos de

idade era 19. São valores que se situam entre os mais elevados do mundo (Jacobsen 1979).

Tristão da Cunha é uma ilha rochosa vulcânica situada no sul do Oceano Atlântico junto ao Cabo da Boa Esperança. Faz parte de um grupo de ilhas das quais é a maior com cerca de 35 Km de

perímetro. A ilha possui numerosos recortes que formam montanhas cortadas a pique que dão à ilha um perfil negro e tétrico. Toda a costa é bastante perigosa para a navegação e frequentes vezes batida por violentos ciclones. O arquipélago tomou o nome do seu descobridor, o português Nuno Tristão da Cunha que, em 1506, ali aportou, quando procurava dobrar o cabo da Boa Esperança, em viagem para a índia. O seu primeiro habitante foi o americano Thomas Currie que, juntamente com três companheiros, todos de Boston, resolveram ali fixar-se em meados do século XVIII. Outros aventureiros vieram e iniciaram o plantio de legumes, trigo e aveia bem com a criação de porcos e gado.

Actualmente, os habitantes são cerca de 200 e são quase todos de origem europeia e apenas ocasionalmente estabelecem contacto com o mundo exterior.

Devido a uma erupção vulcânica, os ilhéus foram evacuados para Inglaterra entre 1961 e 1963. Até 1940 a sua dieta continha muito pouco açúcar, mas a partir daí o armazém da ilha começou a fornecer açúcar e alimentos contendo açúcar. Verificou-se um aumento vertiginoso durante os dez anos seguintes do consumo de alimentos açucarados importados.

A Saúde Oral dos ilhéus foi analisada várias vezes antes e depois de 1940. Os resultados dos levantamentos mostram um índice muito baixo de cárie dentária em 1937 e uma constante deterioração da sua Saúde Oral desde então; mais rápida nas crianças que nos adultos (Fisher 1968). O estudo é válido no que respeita à demonstração do paralelismo entre os índices de cárie e o consumo de açúcar na mesma população.

Na sua comunidade isolada, a mudança mais notável no seu estilo de vida foi na dietaque se verificou, e o aumento do consumo de açúcar constituiu a maior destas alterações153,154.

No documento CÁRIE DENTÁRIA E GRAVIDEZ (páginas 124-128)