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4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3. Geoquímica dos solos do Sítio Terra Preta 2

O processo de formação das terras pretas está arraigado por distintas interpretações. Hartt (1885) denomina as terras pretas de solos vegetais, para os quais os índios eram atraídos devido à elevada fertilidade natural. Para Cunha Franco (1962), as TPA`s teriam sua origem em lagos antigos, em cujas margens os índios habitavam. Os solos com terra preta são antigos assentamentos indígenas, formado a partir da ocupação humana pré-histórica (Gourou, 1950; Hilbert, 1955; Sombroek, 1966; Simões & Correa, 1987; Kern & Kämpf, 1989). Enquanto que Ranzani et al. (1962), Andrade (1986), e Glaser et al. (2001) enfatizam que a elevada fertilidade das TPA`s deve-se a adição intencional de nutrientes no solo através de práticas de manejo.

De modo geral, as TPA`s apresentam altos teores de elementos como Cálcio, Magnésio, fósforo, bem como, Cobre, Zinco e Manganês, C orgânico, soma e saturação de bases elevadas, diversidade microbiológica e apresentam-se mais estáveis e melhor estruturados em relação às áreas circunvizinhas, além de ocorrerem sobrepostos a diversas classes de solos, com predominância nos Latossolos.

As características morfológicas do solo dentro do sítio Terra Preta 2 caracterizam um solo de Terra Preta de Índio ou Terra Preta Arqueológica (Kern e Kampf, 1989). A camada de ocupação constituída pelos horizontes A1, A2 e A3 apresenta grande variabilidade na espessura, devido à deposição irregular de resíduos em alguns pontos chega à profundidade de 80 cm, entretanto a média geral do sítio é de 45 cm. A cor do solo varia de preto (Munsell-7,5YR2/1) ao bruno escuro (Munsell-7,5YR3/2) e textura arenosa, contém ainda fragmentos de cerâmica e carvão, que se concentram nos horizontes A1 e A2 situados entre os níveis 0-10 ao 30-40cm.

Nos horizontes de transição AB e BA da TPA, o solo apresentou-se mais claro variando da coloração bruno escuro 10YR3/3) ao marrom amarelado (Munsell-10YR4/6), textura franco arenosa, com ocorrência esporádica de cerâmica e carvão, demonstrando não ter sofrido grandes alterações de suas propriedades morfológicas.

O solo da periferia do sítio arqueológico apresentou a seqüência de horizontes A1, A2, A3, AB, BA, B1, B2, com características de um solo bem desenvolvido e bem drenado, alcançando profundidade superior a 1,80m. O solo apresenta textura franco arenosa e a coloração variou de cinza muito escuro (Munsell-10YR3/1) ao bruno acinzentado escuro (Munsell-10YR3/2) no horizonte A.

Este solo não apresenta fragmentos cerâmicos ou líticos, entretanto a espessura do horizonte A, com cerca de 40 cm e coloração ainda escura, indica tratar-se de um solo antrópico. Sombroek (1966) & Sombroek et al., (2002) denominam esses solo de Terra Mulata, ou seja, solos de cor marrom escuro, contendo pouco ou ausência de vestígios arqueológicos, mas que ainda apresentam teores elevados de matéria orgânica. Esses solos, chamados denominados de Terra Mulata, parece ser o resultado do intenso uso agrícola por comunidades indígenas pré-coloniais.

No horizonte B a cor dominante é o bruno amarelado (10YR5/6), com pouca diferenciação entre as camadas B1 e B2. A textura apresentou-se franco argilo arenosa, boa estrutura e presença de carvões dispersos do horizonte A2 ao B1, correspondendo aos níveis 20-30 ao 90-100 cm da camada arqueológica.

As propriedades morfológicas observadas no perfil do solo de fora revelaram a seqüência de horizontes A1, A2, AB, BA, B1 e B2 as características estas pertinente de solo bem desenvolvido, bem drenado e com boa porosidade. A espessura do horizonte A atinge 21 cm e cor bruno acinzentado (Munsell-7.5YR3/2), e textura arenosa. Enquanto que o horizonte B apresentou cor bruno amarelado (Munsell-7,5YR5/6) e textura franco arenosa.

Vale ressaltar que no estudo das propriedades do solo, a cor é um dos requisitos diagnóstico fundamental facilmente identificável em campo. De modo que sua variação de tons, com base na carta de cores de Munsell (2000), possibilitou elaborar o mapeamento de sua distribuição espacial na área do Sítio Terra Preta2 (Figura 23).

As áreas ocupadas pelas terras pretas além de evidenciar grande variação quanto à espessura e composição química, como discutiremos adiante, também, apresenta grande variabilidade quanto sua extensão.

No mapa de distribuição de cores do solo do Sítio Terra Preta 2 é possível visualizar duas grandes manchas de terra preta com forma ligeiramente alongada (figura 23). A mancha de TPA encontra-se entre as linhas 1020 e1620S, estendendo-se por cerca de 28ha (780x360m), e correspondem também as concentrações de material cerâmico, confirmando as áreas de maior permanência e/ou atividades.

120 240 360 480 600 1680 1620 1560 1500 1440 1380 1320 1260 1200 1140 1080 1020 960 900 840 780 720 660 600S L

Solo de Terra Preta

Solo da Periferia

Figura 23: Mapa de distribuição de solos no sítio Terra Preta 2, com base nas cores dos solos do horizonte A1 (Munsell, 2000).

Nas cartas de solos que abrangem a região Amazônica, apesar da freqüente ocorrência de solos com TPA, estes são catalogadas como inclusões e abrangem normalmente de 2 a 3 ha (Silva et al., 1970; Kern et al., 2003), excepcionalmente, em alguns locais, podem alcançar áreas superiores a 80 ha (Hilbert, 1955). Contrastando com o sítio Tapajó com cerca de 200 ha (Sombroek, 1966), no estado do Pará.

Além disso, a espessa camada de TPA observada no sítio Terra Preta 2, a partir dos barrancos, apontam que no passado esses sítios eram mais extensos em direção ao rio Amazonas e que provavelmente os processos dinâmicos naturais do curso do rio somado ao desmatamento das encostas pela ação humana atual, certamente aceleraram os processos erosivos promovendo a destruição de parte dessa ocupação. Kern et al., (2003) declaram que a espessura do horizonte antrópico ou do refugo ocupacional, em 57% dos sítios arqueológicos registrados (n = 180), apresentam de 30 a 60 cm de espessura, podendo eventualmente chegar a 2m, enquanto que os solos da floresta, geralmente atingem de 10 a 15cm.

Os resultados apresentados à cima mostram a identificação das áreas de ocorrência das TPA´s a partir de alguns aspectos de sua morfologia, entretanto fatores indiretos como as relações geoquímicas dos elementos como cálcio, magnésio, fósforo, zinco, cobre, manganês e carbono orgânico em relação aos solos adjacentes, são fundamentais na taxonomia dos solos e na interpretação do contexto arqueológico (Figuras 24 a 26).

Os dados geoquímicos dos solos do sítio Terra Preta 2 apontam duas áreas, dentro e periferia, com elevadas concentrações de elementos químicos contrastando com as baixas concentrações de fora do assentamento. Os teores mais elevados de fósforo registrados no horizonte A2, que apresentou a maior densidade em material cerâmico, foram de 2.800, 1.420 e 555 ppm (parte por milhão) no solo de TPA, periferia e fora do sítio, respectivamente. Conforme Kämpf & Kern (2005), teores elevados de fósforo e cálcio estão associados à ocupação humana pré-histórica, haja vista, que esses elementos podem ser encontrados em resto de vegetais (mandioca, açaí, bacaba, etc), animais (ossos e excrementos) e resíduos de alimentos.

Os teores de cálcio, cobre, zinco e manganês mostram forte relação em sua distribuição ao longo dos perfis (Figuras 25 e 26). O solo da periferia se assemelha ao solo de fora, desde a superfície até o horizonte B (200cm), enquanto que no solo de TPA (dentro), a concentração elevada indica deposição de matéria orgânica rica nesses elementos até o nível 30-40cm (horizonte A), resultando ainda na fertilidade elevada. Conforme Kern et al. (1999), as folhas de palmeiras utilizadas na cobertura e paredes das habitações, que são renovadas periodicamente, e podem ser uma fonte importante de magnésio, manganês e zinco para o solo.

No horizonte B, o solo de TPA se aproxima quimicamente (Ca, Cu, Zn e Mn) da área de periferia e de fora do sítio, indicando que esses solos foram originados da mesma rocha matriz, sendo que o diferencial foram os diferentes usos aplicados pelas populações pré-coloniais (Figuras 25 e 26).

220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200 2400 2600 2800 3000 Fora Periferia Dentro P total(ppm) Profundi dade( cm ) 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 Mg (ppm) Fora Periferia Dentro P ro fundi dade( c m )

Figura 24: Distribuição dos teores de fósforo(P) e magnésio (Mg) nos perfis de solos de Fora, Periferia e Dentro do Sítio Terra Preta 2, respectivamente.

220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 00 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 Ca (ppm) Fora Periferia Dentro P rofundid ade(c m ) 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 5 10 15 20 25 30 35 Cu (ppm) Fora Periferia Dentro P ro fun di da de (cm )

Figura 25: Distribuição dos teores de cálcio (Ca) e cobre (Cu) nos perfis de solos de Fora, Periferia e Dentro do Sítio Terra Preta 2, respectivamente.

220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 Zn (ppm) Fora Periferia Dentro Prof un dida de(cm ) 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 0 100 200 300 400 500 600 700 Mn (ppm) Fora Periferia Dentro Pr ofun didade (c m )

Figura 26: Distribuição dos teores de zinco (Zn) e manganês (Mn) nos perfis de solos de Fora, Periferia e Dentro do Sítio Terra Preta 2, respectivamente.

Sendo assim, futuros resultados geoquímicos referente à espacialidade do sítio arqueológicos Terra Preta 2, poderá auxiliar na compreensão do padrão de assentamento pré-histórico dos grupos que habitaram a região, indicando locais específicos e diferenciados onde faziam descarte de material. Segundo Migliazza, (1964); Ramos, (1971), as práticas funerárias também podem ter tido um papel relevante no aumento de determinados elementos químicos no solo (principalmente o cálcio e o fósforo, componentes principais dos ossos), pois registros etnográficos e arqueológicos mostram que vários grupos enterram seus mortos dentro da própria casa, ou ainda no centro da aldeia.

A identificação de locais com teores relativamente baixos de elementos indicadores das terras pretas também são importantes, pois podem indicar uma praça ou área de maior circulação, acesso para a mata e para as principais fontes de água para abastecimento do grupo por isso deixado intencionalmente mais limpo (Meireles, 2004; Kern, 1996).

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