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Gestão à americana: a chegada do “ônibus do além”

2. Lista de Quadros

4.4 A construção da “cultura nipo-mineira”

4.4.4 Gestão à americana: a chegada do “ônibus do além”

Em 1966, a Usiminas contratou a empresa de consultoria norte-americana Booz Allen pela primeira vez. Além do conflito com os japoneses, aparecem como outros motivos apontados pela antiga diretoria e por alguns entrevistados mais velhos para essa ação: a necessidade de demitir pessoal, uma vez que a Empresa estaria inchada, e promover o desenvolvimento gerencial. É possível que, além da necessidade de formar novos quadros, em função da expansão da Usiminas, o massacre de 1963 tenha evidenciado o grande despreparo dos chefes para lidar com aspectos de relacionamento com os empregados. Um entrevistado conta assim.

“A Booz Allen entrou duas vezes na Usiminas para reestruturação. A Booz Allen marcou

muita gente, que mudou muita coisa e assustou muita gente. Era um „ônibus do além‟.

(risos)” (ENTREVISTADO 16)

O entrevistado explica que a Booz Allen era chamada entre os empregados de

a grafia de Allen se parece com a de além, em português, no sentido de que a empresa

de consultoria trazia a “morte”, demissão de várias pessoas. Não é à toa, portanto, que

tenha marcado e assustado muita gente.

A necessidade de redução do quadro de empregados era concreta. A Usiminas tinha contratado um grande contingente de trabalhadores, muitos sem nenhuma qualificação, para a construção da usina. Ou seja, pessoas que foram, aos poucos, adquirindo experiência como operários da construção civil. Mas à medida que a usina foi ficando pronta (o alto-forno em 1962 e o laminador em 1965, finalizando o projeto inicial) começou a sobrar gente que sabia construir e a faltar gente em condições de operá-la. A solução encontrada foi treinar uma boa parte do “pessoal da construção” para trabalhar na produção e contratar mais gente ainda, para, depois, escolher os melhores. “Na formação do pessoal de operação foi feita uma coisa mais brasileira, pelo Dr. Lanari. Foi o seguinte: de quantos homens nós precisamos: Cinco mil. Vamos

admitir dez mil e selecionar os cinco mil” (VERANO, 1987, p. 14) (Grifos meus).

Essa “coisa mais brasileira”, proposta pelo Dr. Lanari, seria uma coisa menos

japonesa? No sentido de menos programada, mal-feita? Há uma crítica implícita de Verano (1987) à decisão tomada na época? O fato é que a Usiminas

“[...] começou a operação em 1966, inchada” (GF).

E, para resolver quem ficava e quem saía, chamou-se a Booz Allen.

“Começou a fazer uma reestruturação na usina, porque o pessoal que construiu a usina

não seria mais útil para operá-la. Foi o primeiro grande corte. De lá para cá, a Usiminas sempre adotou o critério que se pode aproveitar uma pessoa, transfere de um setor para outro.”(ENTREVISTADO 30)

“[A missão da Booz Allen era] Selecionar pessoal. Você tinha mil homens, aqui três dava, ali bastava um, então se sobrava cem, tinha que diminuir.” (GF)

Além da necessidade de diminuir os quadros, havia, porém, a necessidade de se resolver o conflito entre os japoneses e os brasileiros. O depoimento de um antigo dirigente é muito esclarecedor sobre a questão. Ao contrário da ideia que vingou, de que os japoneses teriam implantado um modelo de gestão, ele fala abertamente do conflito e

nega a verdade incontestável da “cultura nipo-mineira”. De acordo com Verano (1987), “o sistema japonês”, que seria um dos pilares da Usiminas, não pegou...

Os japoneses treinaram, fazendo modelos de madeira. Eles vieram com uma equipe

pequena, que comandava. Ao longo do tempo, essa equipe foi diminuindo à medida

que os brasileiros iam tomando conta. Houve, evidentemente, dificuldades de

ajustamento. Menos japonesa e mais nossa – o que era de se esperar – porque o brasileiro não estava acostumado a trabalhar no sistema japonês e não queria. Era um regime de muita disciplina (VERANO, 1987, p. 14).

Analisando o depoimento frase a frase, Verano (1987) explicita que: a) os japoneses ficaram pouco tempo nos cargos principais (“uma equipe pequena, que comandava [...] foi diminuindo”); b) que houve conflitos, “evidentemente”; c) que os

brasileiros não só não se adaptaram (“dificuldades de ajustamento [...] mais nossa”); d)

como não queriam se adaptar (“não queria”) a um “regime de muita disciplina”.

inclusive porque o brasileiro “não queria”. Fica implícito que houve algum tipo de

resistência dos brasileiros.

Mais adiante, no mesmo depoimento, Verano (1987) derruba outro dos traços culturais considerado mais importantes da Empresa atualmente, que também seria herdado dos japoneses, o trabalho em equipe. E, de quebra, destila ironia ao falar do

sucesso que o “modelo japonês” desfrutava nos anos 1980, quando deu o depoimento, e

da literatura gerencialista americana.

A administração japonesa virou moda. Qualquer um de nós poderá ir a uma livraria

que irá encontrar oito ou dez livros escritos por americanos a respeito do fantástico

mundo administrativo japonês. Isso devido, ao meu ver, à capacidade de trabalho e à

preocupação com a perfeição. Eles trabalham em equipe. Aqui não se podia aplicar

o mesmo sistema. Primeiro, porque não tínhamos gente o bastante; segundo, por estarmos encravados em uma estrutura brasileira. Em nossa volta, tínhamos o transporte, a estrada de ferro, a energia, o governo, as leis, tudo que era nosso.

(VERANO, 1987, p. 23).

Contudo, em relação à aplicação do trabalho em equipe no Brasil, Verano (1987)

diz que “[...] aqui não se podia aplicar o mesmo sistema”. Os motivos, segundo ele seriam “a falta de gente” (o que, confesso, não consegui entender) e o fato de a

Usiminas estar “encravada” em uma “estrutura brasileira”. O conceito de estrutura de

que o dirigente faz uso é bastante amplo, e próximo, se trocamos “encravada” por “inserida”80

, do conceito de estrutura de Giddens (1989)81. Ele começa por se referir a aspectos materiais, como a estrada de ferro e a energia, passa pelo governo, as leis e

80 Embora encravada talvez seja a melhor tradução para embedded.. 81

A estrutura, para Giddens (1989), se caracteriza como um conjunto de regras e recursos, recursivamente implicados na reprodução dos sistemas sociais, sendo que as regras podem conter elementos normativos e códigos de significação, e os recursos podem ser impositivos, relacionados à atividade dos agentes humanos, e alocativos, derivados do controle de produtos materiais ou de aspectos do mundo material.

amplia para “tudo o que era nosso”. Nessa fala, é possível perceber uma visão de que se

a Usiminas e seus empregados eram agentes, individuais e coletivos, ela não existia sozinha, independentemente do contexto externo, de regras, normas, significados e da própria estrutura social brasileira, diferente da do Japão. No trecho seguinte, o narrador conclui seu raciocínio com uma visão de que os “processos de administração” têm

relação com a “cultura de cada povo”, o que, portanto, tornaria impossível a reprodução

dos processos japoneses pelos brasileiros.

Tanto que começou a haver uma certa dificuldade, tendo eu de escrever um memorando dizendo que os processos japoneses não poderiam ser reproduzidos pelos

brasileiros. Não falando tecnicamente, porque desta forma os brasileiros são capazes. Com relação aos processos de administração, tem muito mais da cultura de cada povo (VERANO, 1987, p. 23) (Grifos meus).

A contradição aparece imediatamente após essa fala. Convencida de que o sistema japonês não era bom para uma empresa brasileira, a direção da Usiminas teria

decidido modificar sua “estrutura administrativa”. Para a tarefa, entretanto, foi considerado que um “elemento estranho”, e não os “próprios encarregados”, para evitar “influências as mais variadas”.

Procurou-se então, modificar a estrutura administrativa. Chegamos à conclusão de que isto deveria ser feito por um elemento estranho porque dentro da firma iria sofrer

influências as mais variadas. Geralmente, a melhor estrutura não é aquela feita pelos próprios encarregados (VERANO, 1987, p. 23). (Grifos meus).

Ou seja, a diretoria tira os japoneses, porque os processos administrativos têm a

ver com “a cultura de cada povo”, negando-se a ideia de estratégia (ou cultura, de novo

usadas de forma intercambiada) como variável, e contratam-se os americanos. Não é curioso? Nesse depoimento, aparece a própria lógica das consultorias. Quem é de fora

consegue realizar um trabalho técnico, racional, não sujeito a “influências variadas”. Ou

seja, há sempre um best way, trata-se apenas de colocar alguém isento para implantá-lo. Contudo, como ele continua explicando abaixo, o “elemento estranho” tem,

“evidentemente”, a obrigação de estudar “a estrutura, as pessoas, a cultura etc”. “Evidentemente que quem vier de fora terá que estudar a estrutura, as pessoas, a

cultura etc. Expus isso ao Dr. Lanari e foi aprovado. Acho que os japoneses também entenderam que no fim eles não conseguiriam. [...]” (VERANO, 1987, p. 23). (Grifos

meus).

Enquanto “evidentemente” remete a algo que já é sabido por todos, ou seja, quando do depoimento, no final da década de 1980, pelo menos, a palavra cultura já

estava em voga, como o uso do “etc” põe num mesmo pacote tudo aquilo que não é

técnico. As consultorias, de fato, prometem sempre estudar tudo isso e muito mais etecéteras para, finalmente, propor um pacote customizado. Já quando ele usa o “acho”

para se referir aos japoneses, que devem ter acabado entendendo que “não conseguiriam”, Verano (1987) deixa implícito que havia conflito e que a decisão da

contratação da consultoria foi imposta pelo presidente e diretores brasileiros, que eram maioria. Como ele diz, a Booz-Allen foi descoberta pela diretoria, como uma solução

para um problema. “Descobrimos então a Booz-Allen International. [...] Afinal de

contas, a Bozz-Allen criou um sistema tipicamente americano [...] ” (VERANO,

1987, p. 23) (Grifos meus).

O “sistema tipicamente americano”, implantado pela Booz-Allen, no entanto,

não passou para a história e, sim, o “sistema japonês de trabalho”.

Embora alguns entrevistados se refiram à entrada da consultoria como anterior a 1965, o episódio da contratação da consultoria ocorreu em 1966. A contratação da empresa foi matéria de destaque no Jornal Usiminas de 1º de julho de 1966, com o

seguinte título “Firmado acordo com a Bozz Allen & Hamilton, em Nova Iorque”. A

reportagem explicou a contratação da consultoria da seguinte forma.

Para que ela [Booz Allen] estude a estrutura administrativa da Empresa e proponha

uma organização mais racional, visando à simplificação dos serviços, à eliminação da burocracia e à maior rentabilidade da USIMINAS. [...] O trabalho [...] além de

propor uma reestruturação para a atual fase da Empresa, levará em conta a futura expansão da Usina Intendente Câmara de 500.000 t por ano para 1 milhão (USIMINAS JORNAL, 1966d) (Grifos meus).

Como fica claro, “reestruturação”, um termo que será retomado na ocasião da privatização e em 2008, já era uma palavra comum no discurso empresarial em 1966. A empresa foi contratada para realizar duas categorias de projetos: projetos de administração e projetos de engenharia industrial. Os projetos de administração compreendiam:

a - Estudo da Organização Administrativa

b – Desenvolvimento de um programa de custo de administração (englobando também elementos de engenharia industrial)

c – Preparação de um programa de melhoria de desempenho de funções dos chefes d- desenvolvimento de um programa de administração de manutenção

Para um entrevistado, a Booz Allen teria adaptado e aperfeiçoado o sistema japonês, em função da resistência dos brasileiros. Seu depoimento, entretanto, é repleto de ambiguidades. A “marca” dos japoneses teria ficado, mas sem a “submissão”. E o

“trabalho em equipe” teria ficado “mais democrático”.

“Foi uma herança [dos japoneses]. Ficou a marca. [...] O estilo [dos japoneses] continuou, com algumas adaptações. (...) Mudaram os critérios, por exemplo, eles

tinham uma submissão muito grande, enquanto o brasileiro não aceita isso. Então ficou um sistema de trabalho em equipe, porém mais democrático. (pausa) E logo

em seguida se introduziu a Booz Allen como orientadora de mudanças gerenciais. [...] Foi importante, porque a Bozz Allen foi formada por funcionários oriundos da US Steel e tinha muita afinidade com trabalhos siderúrgicos. [...] Eram respeitados [os funcionários da consultoria]. Eles implantaram muitos sistemas, como o sistema de planejamento de produção, aperfeiçoaram o sistema dos japoneses de produção. [...]

Mudaram o sistema de planejamento de solução, melhoraram o sistema de tecnologia, o sistema de relacionamento interpessoal, sistema de treinamento, sistema

de feedback operacional. Então esses sistemas deram um incremento muito bom em

tudo aquilo que já existia como sub-base. (pausa) Aí implantou o sistema de custo- padrão também, que a Usiminas com isso saiu na frente de todas as siderúrgicas,

porque ela absorveu bem esses critérios.” (ENTREVISTADO 30)

O entrevistado conta como já haviam ocorrido “mudanças de critérios” em função do conflito brasileiros-japoneses e que, na sequência, a consultoria americana

orientou “mudanças gerenciais” e “muitos sistemas”. Ele usa os verbos ou substantivos derivados “aperfeiçoar”, “melhorar” e “incremento”. O sistema japonês é considerado uma “sub-base”. E, se tinha havido dificuldades com o sistema japonês, o mesmo não ocorreu com o sistema japonês, visto que “ela”, a Usiminas, “absorveu bem esses critérios”. Como o entrevistado contou essa história hoje (2009), é possível que ele tenha tido uma preocupação em ressaltar a “sub” base japonesa. Na sua fala, entretanto,

fica claro que a consultoria americana realizou mudanças em todas as áreas da Empresa, inclusive no sistema de produção.

O sistema de custo-padrão implantado nessa época é destacado por alguns entrevistados, principalmente os mais antigos. Muito antes das ferramentas da qualidade e da informatização, o sistema de custo-padrão implantado na empresa gerou metas para cada unidade. Juntas, essas metas formavam as metas da seção, da divisão, do departamento e assim por diante. O sistema permitia que cada unidade produtiva compreendesse o seu impacto no produto final e facilitava o gerenciamento da rotina operacional. Por meio do cálculo do custo, um líder de grupo conseguia dizer se o equipamento estava com sua capacidade de produção dentro do esperado ou não, por exemplo.

Após o trabalho da Booz Allen, a Usiminas continuou investindo para aperfeiçoar o sistema de gestão. Segundo um dos entrevistados, a também americana

“Gerência por Objetivos” (GPO)82

, desembarca na Empresa no início da década de 1970, puxada por Rinaldo, na época chefe de departamento.

Eu já fui privilegiado com isso [formação gerencial, além de técnica]. Em 72, a

Usiminas passou a adotar a gerência por objetivos. [...] Na época, o Rinaldo puxou isso com o livro Administração Eficaz83. Então, todo gerente estudava junto com os setores. O Rinaldo divulgou o livro. [...] Ele sugeriu [a utilização da técnica de gerenciamento por objetivos] e a gerência da usina aceitou. [...] Então, você só

estudava o livro junto com os outros gerentes. Os chefes de departamento tinham

uma reunião, ai eles estudavam um determinado capítulo juntos, depois vinham e discutiam com as outras pessoas. Não tinha regra e nem professor, só estudavam

juntos. Tinha aquela escala de motivação, o que mais motiva, o que menos motiva,

estabelecendo uma ideia de motivação no grupo, que é uma coisa interna da pessoa. (ENTREVISTADO 17)

Esse fragmento é interessante por introduzir o personagem de Rinaldo na história da Usiminas como alguém que, na década de 1970, já estava preocupado em manter a Empresa atualizada com as técnicas de gestão mais modernas da época (americanas). Além desses estudos em grupo, a Usiminas também buscou o apoio de outras empresas de consultoria e promoveu treinamentos baseados em metodologias americanas, como os cursos TWI 84. Os depoimentos a seguir ilustram como a Empresa

realizava esses treinamentos em toda a cadeia de comando, na época uma dessas

“hierarquias super dimensionadas”.

“Eu tenho um sentimento, que enquanto a usina estava sendo complementada [ele se refere ao processo de expansão, a partir de 1966], houve uma mudança no gerenciamento, na forma de gerenciar. A gente tinha contatos na Fundação João

Pinheiro, Getúlio Vargas. Eu fiz treinamento em 1976/77, voltado para a função de gerente. Fazia visitas a outras empresas, cursos dentro da usina. (...) Por volta de 1975/76 os treinamentos foram mais para a área gerencial. Os treinamentos eram

82 O método da administração ou gerência por objetivos (GPO) determina que os trabalhadores definam seus próprios objetivos, com a aprovação da gerência. Esses objetivos são acompanhados e medidos, de modo que as pessoas possam acompanhar de que forma estão contribuindo para a eficácia da empresa. A base da GPO encontra-se em The Pratic of Management (DRUCKER, 1954)

83

Administração Eficaz, do americano Raymond O. Loen, foi lançado no Brasil em 1973. 84

Os cursos TWI ( T de Training, W de Worker e I de Industry) ou „treinamento para o trabalhador industrial‟, são “cursos desenvolvidos (criados) segundo a tecnologia educacional e técnica dos Estados Unidos do período da Segunda Guerra e destinados a treinamento de pessoal (recursos humanos traduzido de Human Resources) para atender às demandas das indústrias, em especial nos níveis de supervisão, chefia e liderança, formação de mestres e contramestres de produção, etc.” (SILVA, 2008).

voltados para a forma de gerenciar que existia naquela época. (...) O treinamento era

baseado nessas hierarquias super dimensionadas.” (ENTREVISTADO 10)

“Foram chamados diversos consultores, de diversas fundações, como a Dom Cabral,

foram diversos cursos técnicos e gerenciais. [...] E também tinha o de gerenciamento

para os gerentes e depois foi descendo. Porque os gerentes eram obrigados a dar

treinamentos internos para transmitir aquilo que eles aprendiam nos cursos para os seus subordinados. Isso fez com que refletisse em tudo aquilo que eles aprenderam e fizessem uma reflexão de raciocínio.” (ENTREVISTADO 30)

“Fiz mais alguns cursos na própria Usiminas. Passavam pra gente a maneira de

trabalhar. Eu tinha uma apostila que passava pra gente como se deveria trabalhar, era o método TWI. Era a forma de organizar o trabalho. Foi o primeiro curso que eu fiz,

foi muito bom. Permitia aperfeiçoar as atividades, como se relacionar com

subordinados, com superiores.” (ENTREVISTADO 4)

São muitas contradições e ambiguidades. Acredito que os japoneses fundaram uma forma de trabalhar. Não só por sua presença inicial na usina, mas também porque muitos engenheiros e mesmo técnicos brasileiros foram fazer treinamentos no Japão. Considerando que a maioria dos engenheiros era jovem e sem experiência profissional,

os japoneses teriam sido responsáveis por sua “socialização secundária” (BERGER e

LUCKMANN, 1985). No entanto, a partir do momento em que a própria diretoria

acolhe a resistência dos brasileiros ao “sistema japonês de trabalho”, talvez em função

de outros motivos, que não foram apontados, e contratam uma consultoria americana, fica claro que os japoneses foram alijados desse processo. Eles passam a ser vistos como fonte de competência técnica, mas não administrativa ou gerencial. Esse movimento é ainda mais forte quando a Empresa cria sua própria engenharia, em 1975, quase dez anos depois da contratação da Booz-Allen.

O que cabe perguntar é por que a versão vencedora é que a Usiminas tinha um

“sistema japonês” de trabalho, mesmo essas informações tendo sido compartilhadas

com os empregados por meio da distribuição dos fascículos e fazendo parte da memória oral de várias pessoas que ainda trabalham na Empresa e vivenciaram esta “transição”. Acredito que a chave dessa pergunta está no depoimento de Verano (1987). A partir dos anos 1980, o Japão entra na moda. E, para a Usiminas, resgatar os japoneses e reconstruir essa história era extremamente interessante.

Em seguida, vamos ver os temas do massacre de Ipatinga, da construção do discurso de família e comunidade, e da transformação da cidade de Ipatinga pela Usiminas, todos entrelaçados.