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A afectação de usos do solo é um processo de análise e de decisão onde devem estar presentes todos os factores biofísicos, sociais, económicos e políticos. A estabilização dos usos, a sua alteração e eventual imposição é, incontestavelmente, uma competência da

esfera do poder político. Acontece que figuras como a da actual RAN, interferem em matéria essencial do planeamento do território e, mais do que condicionar, podem impedir o normal processo de planeamento dos usos do solo e por vezes fazem-no à margem da contextualização socioeconómica e sem os alicerces informativos de base pedológica que o diploma invoca. Não se compreende a determinação do estatuto jurídico de uma parcela de terreno, com base em elementos tão rudimentares e parciais como os que informam os critérios de delimitação da RAN.

É necessário neutralizar em absoluto as pressões de utilizações deslocadas sobre os espaços rústicos, designadamente as que se prendem com empreendimentos de carácter urbanístico. Daí a importância de diferenciação clara entre perímetros urbanos e espaços rústicos, assegurando para ambos cuidados adequados.

Se se quer ordenar o território, tem que se regular o mercado imobiliário, sobre o qual a RAN por vezes não é inocente. Quais os efeitos da RAN sobre o mercado imobiliário? Uma resposta menos atenta dirá que esta é um travão ao avanço das urbanizações e da especulação urbana que lhes está associada. Observando melhor, constata-se que a especulação urbanística tem que ser resolvida dentro das políticas urbanas, ficando claro que nos espaços rústicos, fora dos perímetros urbanos, não há urbanizações, independentemente do regime dos solos serem ou não da RAN. Ou se impõe esta disciplina de forma inequívoca, de modo a que seja estabelecida uma garantida confiança nos planos territoriais por parte dos proprietários e dos agentes do mercado em geral, ou nunca será possível ordenar o território, ficando este aberto às mais inesperadas eventualidades e desafectações (Pardal, 2006).

Quanto aos espaços agrícolas, é importante compreender que a sua existência depende do interesse e motivação dos agricultores, e não de imposições administrativas. Relativamente ao sistema urbano, aí sim é importante a afirmação de uma competência pública em matéria de planeamento e gestão urbanística.

A RAN têm sido defendida e justificada como ―instrumento-travão‖ ao ―avanço selvagem das urbanizações‖. O resultado é uma demarcação de cerca de 60% do território para controlar acontecimentos que dizem respeito a menos de 1%, que é a percentagem da superfície territorial que está em causa na expansão urbana. A questão é apresentada como se a RAN contivessem ideias ordenadoras, o que não acontece, e relativamente ao controlo dos famigerados espaços a urbanizar (correspondentes a menos de 1% do território) não

existe um empenho na sua programação e planificação de pormenor, concepção arquitectónica e paisagística, colocação regulada no mercado e conservação do património edificado.

As autarquias há décadas que não possuem instrumentos eficazes para proceder à disciplina urbanística, não têm competências nas áreas classificadas, não controlam os espaços afectos à RAN. Antes dos Planos Directores Municipais (PDM), as urbanizações foram todas decididas pelas Comissões de Coordenação Regionais (CCR), os conteúdos dos PDM são na generalidade imposições das comissões de acompanhamento mais ou menos decorrentes de planos e regimes especiais.

Desde os anos 40, a legislação urbanística portuguesa defende o princípio de haver um controlo do crescimento urbano com base em planos de urbanização, os quais são elaborados às escalas 1:5000 e 1:2000, de modo a explicitar as ideias de desenho urbano. Todas as urbanizações devem ser conceptualizadas com base em planos de pormenor, respeitando perímetros urbanos. Acontece que os PDM vieram fomentar a gestão urbanística de urbanizações avulsas em ―manchas de terrenos urbanizáveis‖, subvertendo a lógica dos planos de urbanização.

Para se resolver a questão da RAN é necessário recorrer a um ―corpo coerente de conceitos‖ e a um ―método que permita conjugar os princípios de salvaguarda e valorização dos recursos naturais, dos ecossistemas e da paisagem, com as dinâmicas do povoamento e localização das actividades económicas fora dos perímetros urbanos‖, tendo em vista a sua aplicação nos planos territoriais, os quais, por sua vez, devem ter uma dimensão eminentemente conceptual, isto é, explorar ideias e programas para acções de desenvolvimento. São instrumentos criativos, mesmo nos casos em que o objectivo é a conservação dos recursos naturais, e as entidades que elaboram os planos e que administram instrumentos de planeamento devem estar sujeitas a uma avaliação de mérito quando confrontadas com os resultados das suas aplicações e acções sobre o território. Os critérios e métodos de fixação da RAN têm um cariz ideológico escondido por uma máscara tecnocrática que não é sustentável, até à luz de razões técnicas. Acresce que este diploma interfere nos conteúdos do estatuto jurídico da propriedade, chegando mesmo a impedir a fruição e exploração do prédio. No conjunto trata-se de instrumento de classificação do uso do solo à margem de um normal processo de afectação de usos em

sede de planeamento do território. Perante este facto a questão da taxonomia dos usos do solo, o direito da propriedade, a regulação do mercado imobiliário, o poder de classificar os usos do solo e de configurar direitos de desenvolvimento, ou de lhes impor restrições, constituem temas centrais que equacionamos e que levaram à constatação da necessidade de se estabelecer um modelo unificado para a classificação e afectação dos usos do solo, como solução correcta para responder ao estabelecimento das reservas agrícola e ecológica, de forma integrada, no sistema de planeamento.

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