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3. DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA

3.2.2. A gestão descentralizadora neoliberal

Mantendo a mesma linha de argumento, embora sucinta, ou seja, que a situação socioeconômica da época que incidia sobre as estruturas políticas e administrativas dos governos, os finais dos anos 80 e a década de 90, influenciaram no surgimento de proposições de descentralização das gestões. No pleno discurso e políticas pró-globalização dessa época, ressurge fortemente os argumentos e intenções

neoliberais. Giovedi (2012, p.105), em sua tese de doutorado, nos traz a informação sobre as implicações desse movimento neoliberal: “[...] Com a globalização neoliberal, a produtividade, a eficiência e os investimentos em tecnologias passam a serem palavras de ordem [...] esse processo teve implicações nas políticas educacionais no Brasil”.

Os novos tempos de produção, em um novo contexto sócio-econômico-político, onde a tecnologia computadorizada, da informação e a robótica, se fazem necessários nos processos formativos do trabalhador. É a máquina e a maquinação dos processos de produção que formatam o padrão de ser humano produtivo pela ótica do mercado. A educação compreendida por Freire (2001) como sendo uma ação política e democrática, só se dá, ou de fato ocorre sobre essa premissa, se há em seu processo de construção a presença da prática, do cotidiano vivido pelos envolvidos nesse processo. Uma prática levando à reflexão/teorização e vice-versa.

A comunicação dialógica, consciente, dentro de um espaço de autonomia e liberdade de concepções e construções (FREIRE, 2011), é o instrumento fundamental para a humanização desse processo educacional, e não as intenções neoliberais por produtividade, eficiência e investimentos tecnológicos.

Mas esses novos tempos de produção, sob perspectivas neoliberais,

[...] consolidou-se um modelo baseado na robótica e na informática, que se caracteriza por uma grande flexibilidade das máquinas e do processo produtivo como um todo. Uma maior flexibilidade dos instrumentos de produção demanda uma maior flexibilidade para aqueles que serão os operadores desses instrumentos. Nesse sentido, os novos operários precisam ter uma qualificação que os habilite a fazer escolhas, tomar decisões, conhecer mais de um idioma, trabalhar em equipe (GIOVEDI, 2012, p.106).

O imperativo nessa nova época era flexibilização, liberdade de escolhas e formação de teias por equipes, bem diferente e opositor ao modelo centralizador e autoritário.

Sem querer se aprofundar muito na lógica que regia essa descentralização, essa liberdade proposta no mercado produtivo, sob conceitos neoliberais, uma coisa temos bem claro: “[...] o valor liberdade do neoliberalismo tem uma conotação essencialmente econômica [...] o cidadão para o neoliberalismo é sinônimo de consumidor” (GIOVEDI, 2012, p.107). Ora, se o cidadão é apenas um cliente, sob conotações econômicas, o que mais poderíamos esperar das políticas públicas sob essa ótica, uma vez que os conceitos neoliberais foram e ainda são dominantes nas estruturas privadas e públicas? O que seria o processo educacional em sua

estrutura formal e estatal, sob conceitos neoliberais? Entendo que Giovedi (2012, p, 108), nos traz uma resposta possível:

[...] Numa perspectiva puramente neoliberal, o principal papel da educação escolar é formar indivíduos que possam atender às necessidades do mercado competitivo global, já que justamente a inserção competitiva nesse mercado é vista como fator que leva um país ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, a educação tanto mais estará a serviço dessa demanda quanto mais puder ser organizada a partir da lógica que rege o mundo empresarial. Portanto, da educação precisa-se exigir custo baixo, gestão eficiente, produtividade, resultados precisos e controle de qualidade.

Em outras palavras, era preciso que fossem introduzidas na organização financeira, administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino (principalmente dos públicos) não só a linguagem do mundo empresarial, como também suas práticas e lógicas organizativas.

Esses processos e formas de produção que vão sofrendo alterações, mudanças de época em épocas, influenciam no surgimento de novas estruturas de organização, de administração, da centralização para descentralização. Essa última, da descentralização, sob os princípios do neoliberalismo, sugere as organizações que elas se abram para a cooperação advinda da sociedade, à participação. Invoca pelos dispositivos de autocontrole partilhado entre poder público e sociedade civil organizada, e ainda, que se introduza o conceito de democracia e autonomia, nas instituições públicas. Porém,

[...] Aparentemente, [...] são medidas que servem aos interesses progressistas de aumento e garantia da autonomia das escolas e de seus agentes. No entanto, o que se viu foi um processo no qual o Estado abriu mão da responsabilidade de investir nas escolas, atribuindo-lhes a responsabilidade por fazer parcerias [...] realizar mudanças na gestão sem precisar ampliar investimentos diretos nas escolas. (GIOVEDI, 2012, p.109 -110)

Diante de modelos centralizadores, autoritários, principalmente advindos de governos ditatoriais, modelos que não provocavam satisfatórios avanços no campo educacional brasileiro, o conceito de descentralização surge como uma arca de Noé para salvação do Estado brasileiro, conforme discorre Arretche (1996). O movimento social pela democratização e descentralização do Estado já era uma luta histórica, pois a exclusão em todos segmentos era latente, e que o atendimento e satisfação de qualidade nas instituições públicas, eram precárias, sem eficiência e eficácia em suas ações (MARTINS, 2001).

O modelo neoliberal percebeu essas inquietudes sociais, essas brechas deixadas pelo Estado e a forma de atender os propósitos neoliberais, seria a do Estado não

absoluto nas demandas da sociedade, compartilhando com essa, as decisões, os caminhos gerenciais, assim como as responsabilidades nos insucessos.

Esse modelo de descentralização na realidade é um engodo, pois na realidade, nas instituições escolares, não visa uma democratização ou autonomia gerencial.

Giovedi (2012, p.124), nos alerta:

[...] É importante que fique claro [...] a reforma gerencialista neoliberal tem como efeito um aprofundamento da lógica da exclusão (ou lógica de mercado), na medida em que: 1º. Favorece a culpabilização dos indivíduos e da escola pelos seus resultados; 2º. Induz à competição entre as escolas (pela publicação de rankings de desempenho) e entre os agentes escolares (que só veem saída no “cada um por si” da prova de promoção de mérito ou no bônus por desempenho); 3º. Reforça a ideia de que cada escola é uma unidade independente (uma mini-empresa) que deve se manter pelos próprios esforços de arrecadação de verba, por meio de parcerias com empresas e comunidades; 4º. Não cria condições para que a democracia participativa efetivamente se concretize, não favorecendo o funcionamento de instâncias democráticas no cotidiano da escola (para que democracia se as decisões fundamentais já chegam tomadas de modo centralizado?).

Esse modelo de descentralização não atende os objetivos desse trabalho de pesquisa, pois esse modelo está atrelado ao modelo empresarial, e produtivo numa racionalidade político-econômico e não de uma participação popular direta. O poder público adota o sistema gerencial empresarial, saindo do modelo burocrático, centralizador, para o modelo participativo, mas ao mesmo tempo de desresponsabilização total do Estado no fracasso das políticas públicas, uma vez esse modelo estabeleceu uma relação de corresponsabilidades e controle da sociedade, de entes federados. Porém, um modelo “participativo”, sem que se perca o ranço da formatação hierárquica e os laços de poder sobre a sociedade, esses laços visíveis nas mãos do gestor de sistemas, de redes e dos gestores de unidades escolares.

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