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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ADOLESCENTE

2.1 - DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Brasil é um país que, há menos de vinte anos, encontrou o caminho que a comunidade internacional, mais sensibilizada com as atrocidades cometidas na 2ª grande guerra mundial, passara a trilhar: a valorização dos direitos do homem. Por esse motivo, muito embora tenha sido signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 10.12.1948, apenas em 1992 o governo brasileiro veio a assinar os Pactos de Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

A partir daí, percebe-se clara e nítida vontade dos nossos governantes, legisladores e juizes, senão em reparar os graves crimes contra os direitos humanos cometidos ao longo da nossa história recente, ao menos de criar um arcabouço jurídico-legal do qual possa vir a emergir a efetiva realização desses direitos, tal como preceitua o artigo 3º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: “ [...]os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no

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presente Pacto”.

Evidentemente, essa obrigação inclui a de os Estados-partes garantirem, a todas as pessoas cujos direitos forem violados, recursos efetivos e oponíveis contra violações de direitos civis e políticos e, portanto, o estabelecimento de um sistema jurídico-legal que possa enfrentá- las.

Essa vontade legiferante não se aplica apenas ao campo dos direitos de 1ª geração, mas também ao campo dos direitos econômicos, sociais e culturais, haja vista ter a Constituição Federal de 1988 – a Carta Cidadã, contemplado dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, não apenas os direitos e deveres individuais e coletivos (artigo 5º da CF) e os direitos políticos (artigo 14), mas também os direitos sociais, dos quais se salienta o direito ao trabalho (Art. 6º).

Em seu Título VIII, denominado “Da Ordem Social”, o constituinte inclui os temas atinentes não apenas à seguridade social, mas também os direitos à educação, à cultura, ao desporto, à ciência e tecnologia, à comunicação social, ao meio ambiente, à família, à criança e ao adolescente, ao idoso e ao índio (arts. 193 a 232). No Título VII, a Carta Magna elenca os princípios gerais da atividade econômica, a política urbana, a política agrícola e fundiária e da reforma agrária e as regras atinentes ao sistema financeiro nacional.

Seguindo a Constituição Federal de 1988, vários documentos foram promulgados na esteira da consumação dos direitos e garantias fundamentais consagrados pela Carta. Um dos primeiros textos a serem debatidos versou sobre a situação anacrônica das crianças e dos adolescentes, cujos interesses haviam sido bloqueados durante toda a história do país e não apenas durante o regime militar. Vivia-se, então, sob a égide de um regulamento envelhecido e próprio dos regimes ditatoriais, o Código do Menor. Na ocasião, era urgente adequar as normas e, por conseqüência, toda a concepção que envolvia a condição dos jovens.

Em perfeita integração com a Carta Maior, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 13 de julho de 1990) foi responsável pela inauguração de uma nova filosofia na abordagem do assunto criança e adolescente. Três avanços significativos nesse sentido foram

conquistados: primeiramente, a criança e o adolescente passaram a ser considerados sujeitos

de direito; em segundo lugar, tais sujeitos de direito são reconhecidos como pessoas em

condição peculiar de desenvolvimento; em terceiro lugar, como corolário das duas primeiras

novo direito.

2.1.1 - A Doutrina da Proteção Integral

A Doutrina da Proteção Integral13 caracteriza-se pelo fato de a criança e de o adolescente serem alçados a uma posição de sujeito de direitos, independentemente de estarem em uma situação de irregularidade em relação a lei.

Nesse sentido afirma, Ari ferreira de Queiroz que

São sujeitos de Direito perante o ECA todo e qualquer menor, independente de faixa social ou econômica. Abandonou-se assim a distinção que fazia o Código de Menores, voltado basicamente para aqueles que se encontrassem em situação irregular. (1998, p. 10).

Falando dessa mesma transformação, assim se expressou o ex-Procurador-Geral da Justiça Demóstenes Lázaro Xavier Torres (apud QUEIROZ, p. 02):

A alteração deste quadro se tornou possível quando o Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigor, adotando a doutrina da proteção integral. A população infanto-juvenil deixava de ser objeto de medidas para ser sujeito de direitos.

Não ser mais meramente um ‘objeto de medidas’ implica em garantir à criança e ao adolescente um novo status radicalmente inovador em relação ao que dominava a seara filosófica e política vigente. Roberto da Silva lembra

[...] que a criança e o adolescente já não poderão mais ser tratados como objetos passivos de intervenção da família, da sociedade e do Estado. A criança tem o direito ao respeito, à dignidade e à liberdade, e este é um dado novo que em nenhum momento ou circunstância poderá deixar de ser levado em conta (2005).

A palavra chave que qualifica essa mudança é integral. O dicionário a define como "Total, inteiro, global" .

Isso significa que a nova concepção estabelecida deixa de ver apenas uma parte do universo infanto-juvenil, qual seja, o que se encontra em situação carente ou irregular, para contemplar o universo total destes sujeitos de direitos e este sujeito todo. Quer dizer, toda a

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criança e adolescente sem qualquer distinção e a criança e o adolescente todo, sem qualquer espécie de tomização. Equivale a dizer que o Novo Direito que rege os assuntos atinentes ao infanto-juvenil é Direito de proteção e também de promoção do desenvolvimento total, global, o que abrange muito mais do que até então existia no velho Código de Menores. Ainda mais esclarecedora a explicação de Antônio Gomes da Costa (1994, p.24):

O Estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que concretiza e expressa os novos direitos da população infanto-juvenil brasileira. Seu caráter radicalmente inovador representa uma extraordinária ruptura com a tradição nacional e latino- americana nesse campo. Ele inova em termos de concepção geral e de processo de elaboração. De fato, a concepção sustentadora do Estatuto é a chamada Doutrina da proteção Integral, defendida pela ONU com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Essa doutrina afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da continuidade do seu povo, da sua família e da espécie humana e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e os adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar por meio de políticas específicas para o atendimento, a promoção e a defesa de seus direitos.

2.1.2 - Novos métodos, nova gestão

As mudanças trazidas com os ventos da nova Constituição não se resumem ao seu conteúdo e à sua nova concepção. Como ensina Antônio Carlos Gomes da Costa (1994), amplia- se na direção dos métodos de abordagem do problema social (que permitem superar o assistencialismo) e na nova forma de gestão das políticas de atendimento à criança e ao adolescente (que estabelece os princípios da descentralização político-administrativa e da participação popular na formulação e controle das ações), materializando assim “três grandes revoluções” no campo da infância e da adolescência:

Quanto aos métodos e processos o Estatuto inova profundamente. Em relação a crianças e adolescentes em estado de necessidade (carentes), o Estatuto aponta na direção da superação do assistencialismo como princípio definidor das relações entre os pobres e o ramo social do Estado, ou seja, as políticas e programas governamentais voltados para o atendimento das suas necessidades. Superar o assistencialismo é deixar de perceber as crianças e adolescentes e famílias pobres como "feixes de necessidades" para encará-los como sujeitos de direitos exigíveis em lei. Essa transformação do "portador de carências" em cidadão, sujeito de direitos, é difícil, contraditória e complexa. Isto ocorre porque esse tipo de mudança caminha na contramão de velhas práticas (manipulação, subjugação e controle dos pobres) incrustadas profundamente na

estrutura, no funcionamento e na cultura organizacional dos nossos órgãos e instituições responsáveis pelo atendimento à população de baixa renda. Para mudar essas relações, faz-se necessário substituir o assistencialismo por um novo tipo de trabalho social e educativo emancipado, baseado na noção de cidadania, mudando profundamente o entendimento e as ações ainda prevalecentes nessa área. Só assim será possível a nossas crianças e adolescentes transitar das necessidades para os direitos, da condições de menor (diminuído social) para a condição de cidadão, detentor do direito de ter direitos.

A cada direito corresponde um dever correlato. Se a criança e o adolescente passaram à condição ativa de sujeitos de direito, o Estado passou à condição passiva de sujeito de

obrigações, obrigações estas que decorrem da lei e que devem ser cumpridas no exercício da função pública, seja diretamente pelo Estado, seja por meio de particulares em colaboração – agentes públicos.

E continua Antônio Gomes da Costa, ao falar das novas formas de gestão:

[...]Assim, a nova estrutura da política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, estabelecida pelo Estatuto, tem por base dois princípios básicos:

1.descentralização político-administrativa;

2.participação da população por meio de suas organizações representativas. Quanto à descentralização político-administrativa, a Constituição limitou as ações a cargo da União, restringiu o papel dos estados e ampliou, de uma forma considerável, as competências e responsabilidades do município e da comunidade.

Assim, cabem a ‘coordenação e as normas gerais à esfera federal, a coordenação e a execução às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes e de assistência social’ (Ibidem, p. 25).

A diretriz básica da municipalização do atendimento dos direitos da criança e do adolescente a qual se refere ao autor está em consonância com o princípio constitucional da autonomia dos municípios que tem competência para cuidar de assuntos de seu peculiar interesse e consiste em uma forma de efetuar a descentralização político-administrativa nos estados federados. Tal descentralização possui como um de seus aspectos fundamentais a questão da destinação dos recursos fiscais para custeio das ações previstas em lei, assunto sobre os quais nos debruçaremos oportunamente.

O princípio da participação popular encontrou no Estatuto da Criança e do Adolescente uma configuração nova na medida em que a população passa a dispor de instrumentos jurídicos mais efetivamente garantidores dos direitos da criança e do adolescente e de uma instituição política por meio das quais poderá vir a contribuir decisivamente no processo deliberativo e

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controlador das ações, os conselhos de direitos:

A melhor maneira encontrada de assegurar a participação da população, por meio de suas organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações, foram os conselhos paritários e deliberativos em todos os níveis: municipal, estadual e federal. É interessante observar que, antes, a população organizada era convocada a participar apenas da execução das ações (via mutirão, por exemplo). Agora, pela Constituição, a cidadania está camada a participar de atos até aqui privativos dos dirigentes políticos, dos homens de Estado, como a formulação das políticas e o controle das ações em todos os níveis (op. cit., p.29).

A gestão da política direcionada à criança e ao adolescente insere-se dentro de um quadro programático maior de políticas que pode ser classificada como políticas sociais. Em um olhar panorâmico para esse quadro, Maria do Carmo Brant de Carvalho (apud ÁVILA, 2000, p. 14,15), discerne quatro premissas fundamentais desse novo desenho da gestão das políticas sociais, nas quais se insere as políticas voltadas para o atendimento dos direitos da criança e do adolescente:

1. O Direito Social como fundamento da política social. Não há mais espaço para