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GESTOS DA PINTURA: PINCELADA E ASSINATURA

No documento No atelier com Ponge (páginas 140-147)

AS ARTES PLÁSTICAS POR FRANCIS PONGE

III.5 GESTOS DA PINTURA: PINCELADA E ASSINATURA

Vejamos agora dois aspectos importantes nas artes plásticas, a marca de autoria e a pincelada, num texto de Ponge.

O texto Les Hirondelles encontra-se no livro Pièces publicado em 1962. O texto foi escrito em 1951 e retrabalhado até 1956. Está apresentado nas páginas 166-171. É o único texto no livro em que o autor fala sobre as aves. Esse texto foi analisado anteriormente, mas aqui discorreremos sobre outros aspectos, mais propriamente atrelados ao mundo da pintura, especialmente a pincelada.

A assinatura é o traço do pintor na tela, aquele que diz que o quadro pertence a, ou melhor, foi executado por tal artista. Os quadros modernos, os painéis, podem não ser assinados pelo pintor. Esse fato pode levar a uma reflexão sobre autoria, tendo em vista o partido de Ponge pelas coisas, que ganham voz por meio dele. São as andorinhas que assinam o céu, como veremos.

Quanto à pincelada, cada pintor tem a sua, umas mais suaves outras mais vigorosas, carregadas pela cor, umas elegantes, esbeltas, outras rugosas. O artista utiliza seu pincel como um instrumento do qual não pode se passar.

L’impressionisme a marqué jusqu’à l’image du peintre que l’on se représente volontiers déposant des touches de couleur sur une toile. Ce geste avait été employé bien avant eux, mais la finition du tableau en faisait, le plus souvent, disparaître la trace, unifiant les

couleurs sans rien laisser paraître du travail de l’artiste. Le dessin commandait à la couleur pour représenter des formes. [...]

Avant les impressionistes, la “touche” ne faisait pas encore vraiment partie du vocabulaire des peintres. Bien sûr, chacun possédait sa propre manière d’appliquer la couleur, de la travailler, de l’étendre, mais elle devait finalement disparaître sous la représentation, même si Fragonard, au XVIIIe siècle, était déjà allé très loin dans une écriture de la touche216.

Em Les Hirondelles seu objeto de estudo são as andorinhas. Traça com elas suas reflexões, ora como assinatura, aquela chinesa com pincel, ora como obra de arte no céu.

LES HIRONDELLES

OU

DANS LE STYLE DES HIRONDELLES

(RANDONS)

Chaque hirondelle inlassablement se précipite Ŕ infailliblement elle s’exerce Ŕ à la signature, selon son espèce, des cieux.

Plume acérée, trempée dans l’encre bleue-noire, tu t’écris vite ! Si trace n’en demeure...

Sinon, dans la mémoire, le souvenir d’un élan fougueux, d’un poème bizarre,

Avec retournements en virevoltes aiguës, épingles à cheveux, glissades rapides sur l’aile, accélérations, reprises, nage de requin.

[...]

216 O impressionismo assinalou a imagem do pintor que se representa habitualmente colocando suas pinceladas sobre uma tela. Esse gesto tinha sido empregado bem antes [dos impressionistas], mas o acabamento do quadro fazia, mais frequentemente, desaparecer o traço, unificando as cores sem nada deixar aparecer do trabalho do artista. O desenho comandava a cor e raros eram os que, como Ticiano, utilizavam a pincelada para representar formas. [...] Antes dos impressionistas, a pincelada não fazia ainda verdadeiramente parte do vocabulário dos artistas. Com certeza, cada um tinha sua própria maneira de aplicar a cor, de trabalhá-la, de esparramá-la, mas ela devia finalmente desaparecer sob a representação, mesmo se Fragonard, no século XVIII, já tinha ido muito longe numa escrita da pincelada. DUCASSOU E BOULLU, 1989, p. 192-194.

Leur nombre Ŕ sur fond clair Ŕ à portée de lecture : sur une ligne ou deux nettement réparti, ah! que signifie-t-il?

[...]

Nombreuses dans le ciel Ŕ par ordre ou pour question Ŕ sur ce bord, pour l’instant, les voici ralliées.

[…]

Chacune, à corps perdu lancée parmi l’espace, passe, à signer l’espace, le plus clair de son temps.

Flammèches d’alcool, flammes bleues! (je veux dire à la fois flamme et flèche). [...]

Leur distance à nous, leur différence, ne viendrait-elle pas, précisément, du fait que ce qu’elles ont de proche de nous est terriblement violenté, contraint par leur autre proximité Ŕ celle à des signes abstraits : flammes ou fleches?

[...]

Deux hirondelles volant de front créent un rail grinçant surtout à l’endroit des courbes. […]

Relâchant dès l’instant leur style alimentaire, sensibles aussitôt au movement des sphères. […]

- sur des étagères touchant presque au plafond. […]

Tandis que les oiseaux, dans la fraîcheur de la nouvelle lumière roucoulent. [...]

Pourchassez ces mots infimes, Absorbez ces minuscules, Nettoyez l’azur des cieux! Récriez-vous, hirondelles! […]

AS ANDORINHAS OU

NO ESTILO DAS ANDORINHAS (PASSEIOS)

Cada andorinha incansavelmente se precipita - infalivelmente ela se exercita – na assinatura, segundo sua espécie, dos céus.

Pluma mordaz, molhada na tinta azul-ferrete, você se escreve rápido! Se traço aí não permanece...

Senão, na memória, a lembrança de um ímpeto fogoso, de um poema bizarro,

Com retornos em viravoltas agudas, grampos para cabelo, deslizamentos rápidos sobre a asa, acelerações, retomadas, nado de tubarão.

[...]

Seu número – sobre fundo claro – ao alcance da leitura: sobre uma linha ou duas claramente repartido, ah! o que significa?

[...]

Numerosas no céu – em ordem ou por questão – sobre essa borda, por enquanto, ei-las aí reunidas.

[...]

Cada uma, corpo solto lançado no espaço, passa, a assinar o espaço, a maior parte de seu tempo. (...)

Flamecha de álcool, flamas azuis! (quero dizer, ao mesmo tempo flama e flecha). [...]

Sua distância em relação a nós, sua diferença, não viria, precisamente, do fato que aquilo que elas têm próximo a nós está terrivelmente violentado, obrigado por sua proximidade – aquela dos signos abstratos: flamas ou flechas.

[...]

Duas andorinhas voando de frente criam um trilho que chia, sobretudo no lugar das curvas.

[...]

Suspendendo repentinamente seu estilo alimentar, sensíveis imediatamente ao movimento das esferas.

[...]

- sobre estantes quase tocando o teto. [...]

Enquanto os passarinhos, no frescor da nova luz, arrulham. [...]

Persigam essas palavras ínfimas, Absorvam essas minúsculas, Limpem o azul celeste dos céus! Recriem-se, andorinhas!

[...]

Seu voo gracioso risca o céu qual carvão do pintor que traça o retrato ou a paisagem rapidamente, como um esboço para depois com mais vagar, ou com o mesmo ardor, colocar a cor. Seu voo é também aquele do pincel chinês que escreve suas palavras ou ainda aquele que assina o trabalho depois de pronto. É aquele do pincel do artista que, empenhado na alegria de seu trabalho, faz o vai-e-vém incessante como o bater das asas das andorinhas em plena primavera. Na imensidão do céu, nessa cor azul, lá estão esses passarinhos incansáveis fazendo algazarras como pequenos pincéis, misturando aqui e ali os tons para depois assinar a obra e descansar no fio da assinatura.

Nesse poema a andorinha primeiramente se ocupa da assinatura nos céus. Nota-se claramente que ela é tornada instrumento de escrita ou de pintura, com direito inclusive a ser mergulhada no tinteiro de tinta escura. Mas a andorinha conserva, apesar de sua instrumentalização, seu caráter animado, pois é ela que se escreve.

Aqui Ponge não lança mão do nome do pintor, da referência, mas dos verbos, substantivos e adjetivos que nos levam à alusão. Do substantivo plume, aquela que assina, molhada na tinta azul-ferrete, que escreve rapidamente, temos também o traço, aquele dos esboços. Depois temos o substantivo poème, que assinala metalinguisticamente o texto, que é obra estética e um escritor. De accélérations, reprises, substantivos que nos levam a pensar a pintura sendo retomada com várias pinceladas rápidas (aqui a imagem mais forte é a pictórica, não temos o costume de ver os escritores em seu trabalho manual de escrita). Mots, as palavras, mencionadas podem ser aquelas da assinatura do quadro ou as do próprio poema. O substantivo fond juntamente com o adjetivo clair, dá-nos a impressão do plano de fundo e da técnica de chiaro-scuro. As andorinhas são numerosas nesse poema-quadro e perpassam todo o espaço e sobre a borda também. Lançadas no espaço do quadro, passam a assinar suas telas as quais parecem sair de suas brincadeiras matinais. As palavras designando cor aparecem novamente em flamas azuis, passam a ser como flechas chamuscadas de azul para esfumaçar ou escurecer o tom do céu. E os substantivos distance e proximité vêm nos lembrar da distância e proximidade que devemos ter com relação ao quadro , quando vamos observá-lo para abarcá-lo melhor e compreendê-lo; e o adjetivo abstraits nos lembra um tipo de arte. Os substantivos courbes, mouvements, representam as curvas do desenho e o movimento dos pincéis. E étagères, substantivo que nos remete aos pincéis descansados na estante, nas prateleiras, quando não estão mais sendo usados. Então aparecem as palavras lumière, mots, récriez e azur, a luz que com a sombra dá o relevo ao quadro, mostra sua tridimensionalidade, palavras, aquelas que podem fazer parte da obra ou a assinatura e o verbo recriar que remete a elas mesmas, como que com o pedido de recriá-las ou recriar os traços, o

desenho e a pintura que fizeram para mostrá-las ou remeter às mesmas em cada novo voo, depois do descanso na linha, em cada nova tela. E elas vão incansavelmente se precipitando, se lançando no azul do céu para continuar sua tarefa de pintar.

As andorinhas pintaram e assinaram na grande tela do dia, assim o faz Ponge quando em seus escritos deixa sua assinatura, seu nome no final ou no meio do texto como mostra o poema A Laranja, em que o nome do autor se faz presente na palavra éponge, destacada abaixo.

L’ORANGE

Comme dans l’éponge il y a dans l’orange une aspiration à reprendre contenance après avoir subi l’épreuve de l’expression. Mais où l’éponge réussit toujours, l’orange jamais : car ses cellules ont éclaté, ses tissus se sont déchirés. Tandis que l’écorce seule se rétablit mollement dans sa forme grâce à son élasticité, un liquide d’ambre s’est répandu, accompagné de

rafraîchissement, de parfum suaves, certes, Ŕ mais souvent aussi de la conscience amère d’une expulsion prématurée de pépins217

.

É Derrida (1988, p. 54-55) que, em Signéponge, aponta para a assinatura de Ponge em éponge, vendo o nome próprio no objeto, e sugerindo a assinatura do poeta (signé = assinado) no corpo do texto, que funciona assim como um poema-assinatura do escritor. Assinatura essa deixada pela coisa, nesse caso, a esponja. Impossível não ver o paralelo com a assinatura das andorinhas no céu, que parecem fazer as vezes de pequenos pintores. Aqui, no entanto, Ponge

217

A L A R A N J A / Como na es-ponj-a, há na laranja uma intenção de readquirir o volume depois de ter se sujeitado à prova da expressão. Mas naquilo em que a es-ponj-a sempre consegue, a laranja nunca: pois suas células estouraram; seus tecidos se romperam. Enquanto somente a casca recupera preguiçosamente sua forma graças à sua elasticidade, um líquido âmbar se espalhou, acompanhado de frescor, de perfume suaves, certamente, - mas frequentemente também da consciência amarga de uma expulsão prematura de sementes. PONGE, Le Parti pris des

parece dar a voz ou o pincel às mesmas para deixar que expressem o momento da criação pictórica.

No documento No atelier com Ponge (páginas 140-147)