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3. COLOCANDO O GATO DE FRENTE COM O ESPELHO: A ‘RATIO

3.1 As decisões

3.1.8 Gilmar Mendes

O voto que trouxe a maior quantidade de divergências ao relator foi o de Gilmar Ferreira Mendes. Ao longo de quase 80 páginas, Gilmar Mendes teceu uma longa linha argumentativa para demonstrar os motivos pelos quais concorda com a doação eleitoral feita por empresas, colocando-se, inicialmente, contra todos os pedidos formulados pelos impetrantes.

O ponto inicial do voto é de que não há disposição constitucional acerca do financiamento de campanhas, o que, para Gilmar Mendes, traz uma grande dificuldade para demonstrar uma ofensa à Constituição na atual forma como o financiamento se dá. Em especial, não há nenhuma vedação expressa ao financiamento de Pessoas Jurídicas a campanhas eleitorais, sendo esta matéria de responsabilidade infraconstitucional.

A partir desta consideração, o Ministro traz à discussão uma análise do financiamento eleitoral por outras nações. França, Estados Unidos e Alemanha são os países escolhidos. Explicando brevemente algumas características do sistema eleitoral e acontecimentos a respeito dos mesmos, o Ministro esclarece fazer uso do direito comparado com a finalidade de demonstrar que, apesar de existirem diversos arranjos institucionais, a experiência europeia e estadunidense demonstram a necessidade da existência de um sistema de financiamento misto - púiblico e privado; para que, assim, não haja uma confusão entre partidos e Estado.

Deste ponto, Gilmar Mendes aprofunda ainda mais sua crítica a respeito da confusão entre Estado, sociedade civil e partidos políticos. Para o Ministro é essencial que não haja confusão

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entre partidos e Estado, vez que os partidos políticos “devem estar conectados à sociedade civil, ou a parte significativa dela, de modo a angariar apoios e representar efetivamente correntes de opinião existentes no seio dessas sociedades”73. Assim, o ideal democrático seria de maior proximidade com a sociedade civil e impedimento da assimilação de partidos pela estrutura estatal.

Assim, Mendes expõe que o Brasil se assemelha em grande medida ao contexto europeu, mas, ainda assim, é um país presidencialista e, por isso, traz particularidades similares à conjuntura estadunidense, como na quantidade de recursos gastos em eleições. Devido a isso, para o Ministro a questão referente aos gastos de empresas não deveria ser o foco, pois para as campanhas no Brasil a questão que merece maiores aprimoramentos legislativos e de fiscalização se refere ao uso da máquina estatal para promoção das figuras políticas.

Partindo destas premissas, o voto de Mendes passa a analisar a evolução histórica do financiamento de campanhas no Brasil. Voltando a 1824, o Ministro faz uma compilação de algumas características dos sistemas eleitorais já experimentados no Brasil, terminando essa compilação com a primeira eleição na nova democracia brasileira, em 1989. Deste ponto, o Ministro dedica uma parte de seu voto tão somente à análise da nova democracia, delimitada entre o que foi batizado de “Esquema PC Farias” e a operação Lava Jato, que acontece até os dias de hoje.

Esse apanhado histórico acaba por expor características e, principalmente, mazelas referentes às diversas regulações do financiamento de campanhas que tiveram espaço no sistema político brasileiro. Como conclusão, Gilmar Mendes se vale da grave situação de instabilidade criada no início dos anos 90 para sugerir que a experiência brasileira com financiamentos de campanha demonstrou a inutilidade de normas que impeçam o financiamento por PJs. Nas palavras do Ministro

Antes o fracasso da vedação e da óbvia impossibilidade de impedir o fluo de recursos de empresas para campanhas, consoante constatado pela CPI [do Esquema PC Farias], sua sugestão, que contou com o apoio da sociedade e que logrou ser aprovada pelo Congresso Nacional, foi a de permitir as doações de pessoas jurídicas, impondo-lhes limites nítidos e fiscalizando, via Justiça Eleitoral, as entradas de recursos nas campanhas e os respectivos gastos.74

73 BRASIL, Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650... cit., p. 213. 74 BRASIL, Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650... cit., p. 225.

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A partir deste ponto de vista, Gilmar Mendes conecta o argumento relativo à experiência brasileira com os escândalos de financiamento eleitoral do início dos anos 90 com o escândalo batizado de “Mensalão” e do esquema de corrupção que deu origem à operação Lava Jato. De modo resumido, o Ministro coloca ambos os acontecimentos como os mais graves casos de corrupção da história brasileira75, caracterizando tais esquemas como uma forma de “financiamento público de apenas um dos lados da disputa eleitoral: aquele que indica a direção da empresa”76. Esta conjuntura demonstraria, para o Ministro, um claro problema em se permitir o financiamento exclusivamente público e excluir as empresas privadas do financiamento de campanhas, sugerindo uma monopolização da política por meio da canalização de recursos de Pessoas Jurídicas e da exclusividade do financiamento público.

É depois desta exposição histórica que inicia a análise do sistema atual de financiamento de campanhas no voto do Ministro. A argumentação de Mendes leva em conta uma premissa basilar: a proibição de financiamento por PJs apenas leva suas doações à clandestinidade. Desta premissa o voto toma como primeiro argumento a prestação de contas de campanha, com o intuito de demonstrar que a proibição de doações de PJs dificulta a prestação de contas de campanhas (por estimular a doação de pessoas físicas)77 e que a quantia de fundos que são disponibilizados somente por meio do fundo partidário são insuficientes para realizar campanhas eleitorais78. Para o Ministro os gastos em campanha são muito elevados e não podem ser suportados tão somente pelo financiamento público, o que levaria ao financiamento ilegal por PJs, como na prática de doações por meio de “laranjas” (pessoas naturais que doariam a mando de PJs). Para além dos problemas de controle da doação por meios ilegais, Gilmar Mendes questiona também o limite fixo per capta de doações de pessoas físicas, pois crê que tal limitação

75 Para o leitor interessado em um panorama histórico consistente a respeito da história da corrupção no Brasil, recomendamos “Corrupção: Ensaios e Críticas”. Cf. AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton; STARLING, Heloísa. Corrupção: Ensaios e críticas. Belo Horizonte: Ufmg, 2012.

76 BRASIL, Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650... cit., p. 235.

77 Ou seja, ou o prazo é muito exíguo, quase forçando a uma avaliação superficial, ou o processo tende à prescrição. Assim, o cenário da fiscalização das contas – que se tem mostrado assunto de extrema relevância na esfera política atual – passaria a ser ainda pior. BRASIL, Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650... cit., p. 237. 78 Gilmar Mendes traz como média de recursos por candidato o valor de R$1.800,00.

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viria a “escancarar as portas à prática do crime de lavagem de dinheiro”79.

Assim, o voto do Ministro coloca a proibição de doações por PJs como o “fechamento de um ciclo” para a manutenção de um partido no poder, vez que aquele que se encontra no poder terá a máquina estatal nas mãos para fazer propaganda institucional em conjunto com a possibilidade de financiar suas campanhas por meio do caixa 2, enquanto os demais partidos não poderão buscar recursos na iniciativa privada para fazer frente àqueles que estão no poder. Com base neste contexto, Gilmar Mendes faz referência a uma larga mobilização articulada em prol da proibição do financiamento privado, a qual ele declara ser ilegítima, considerando, inclusive, a existência de manipulação do Supremo Tribunal Federal para legitimar um “golpe nas instituições representativas brasileiras”80.

Por fim, como última parte argumentativa de seu voto, o Ministro destrincha de modo mais detido sua crença de que há ausência de vedação constitucional ao financiamento de campanhas por pessoas jurídicas.

Através desta linha argumentativa Gilmar Mendes julga, a princípio, totalmente improcedente a ADI 4650, modificando posteriormente sua decisão e acompanhando a decisão que inaugurou a divergência do Ministro Teori Zavascki.