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II. CAPÍTULO II – APLICAÇÃO DA TRANSGLUTAMINASE DE STREPTOMYCES SP CBMAI-837

II.2. R EVISÃO BIBLIOGRÁFICA

II.2.1. Glúten: uma visão geral

O trigo é uma das mais importantes culturas agrícolas no mundo e sua farinha apresenta a habilidade de formar uma massa com características viscoelásticas únicas devido à formação de uma rede proteica denominada glúten (Shewry et al., 2001). Desta forma, a qualidade do glúten é um parâmetro importante para a avaliação do desempenho da farinha.

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As proteínas que compõem o glúten são classificadas de acordo com os procedimentos de extração pelo método originalmente descrito por Osborne (Delcour et al., 2012). As duas principais frações proteicas do glúten de trigo são a gliadina e a glutenina, sendo que o balanço entre elas é fundamental para as características reológicas do glúten (Wrigley et al., 2006).

A gliadina é a fração extraída com solução aquosa de etanol, sendo

proteínas monoméricas que apresentam ligações dissulfídicas

intramoleculares, apresentam massa molecular de 30 a 80 kDa e são

subdivididas em 4 grupos (, ,  e ). A glutenina é a fração de proteínas que

não se solubilizam nos solventes comuns, sendo extraídas na presença de um agente redutor. Esta fração é polimérica, apresenta grande quantidade de ligações dissulfídicas entre cadeias proteicas, podendo ser subdividida em subunidades de baixa massa molecular (LMW-GS) e subunidades de elevada massa molecular (HMW-GS) (Song & Zheng, 2011; Delcour et al., 2012).

A quantidade e as características de cada fração proteica presentes nas farinhas de trigo irá variar de acordo com o cultivar e com os nutrientes presentes no solo. Em geral, gluteninas e gliadinas correspondem juntas a 80 – 90% do total de proteínas presentes na farinha e o restante são proteínas solúveis em água (albuminas) e em soluções salinas (globulinas) e são denominadas como não formadoras do glúten (Song & Zheng, 2011; Delcour et al., 2012).

As gluteninas tem sido associadas às propriedades de coesividade e

elasticidade do glúten, uma vez que suas moléculas extensas e emaranhadas conferem continuidade à rede proteica. Por outro lado, as gliadinas reduzem as interações entre as gluteninas, atuando como um plastificante. A rede proteica formada pela interação destas duas frações proteicas durante hidratação e sob trabalho mecânico, ou seja, o glúten propriamente dito, conferirá propriedades únicas à massa de farinha de trigo, propiciando sua aplicação em diversos

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produtos de panificação (Wrigley et al., 2006; Song & Zheng, 2011; Delcour et

al., 2012). A Figura II-1 ilustra esquematicamente a estrutura de cada fração

bem como ilustra as características viscoelásticas de cada estrutura e do glúten.

Gliadina Glutenina Glúten

+

=

(A)

Nível molecular

Glutenina + Gliadina = Glúten

(B)

Figura II-1– (A) Ilustração das propriedades viscoelásticas do glúten e de suas frações gluteninas e gliadinas (adaptado de Wrigley et al., 2006); (B)

Modelo esquemático para a extensão da massa de farinha de trigo (adaptado de Ioana Urma)

Durante a mistura da farinha de trigo com água para formação de uma massa, a energia mecânica aplicada promove a formação e a quebra (processo

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dinâmico) de ligações covalentes (ex. ligações dissulfídicas) e ligações não covalentes (como as ligações de hidrogênio), alterando a conformação da estrutura das proteínas do glúten. As interações químicas que se formam inter e intra-proteínas são fortemente relacionadas à força e as propriedades

viscoelásticas da massa (Singh and MacRitchie, 2001; Sivam et al., 2011;

Delcour et al., 2012).

Entre as interações moleculares mais importantes para as características da massa de farinha de trigo citam-se as ligações covalentes dissulfeto intra e inter gluteninas, as quais participam de um processo dinâmico de rearranjo (denominado de permuta SH-SS) durante a mistura e extensão da massa, causando uma redução aparente na rigidez da mesma. É importante salientar que as ligações dissulfídicas internas da estrutura de gliadina não participam das reações de permuta SH-SS. A Figura II-2 ilustra a reação de rearranjo entre ligações dissulfeto (Hamer & Hoseney, 1998; Delcour et al., 2012).

Intercâmbio SH-SS

Figura II-2– Reorientação das cadeias proteicas da massa durante o estresse mecânico da mistura devido às reações de intercâmbio das pontes dissulfeto iniciadas por um grupo sulfidrila móvel (adaptado de

Delcour et al., 2012).

Outra interação molecular importante para as características da rede de glúten são as ligações de hidrogênio entre proteínas e entre a água e as

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proteínas que também sofrem rearranjo e que tem sido relacionadas com a

elasticidade da glutenina (Delcour et al., 2012). De acordo com Hamer &

Hoseney (1998), o comportamento da farinografia de massas de diferentes farinhas de trigo formuladas com óxido de hidrogênio (H2O) e com óxido de

deutério (D2O) é distinto e pode-se observar o efeito da deficiência de ligações

de hidrogênio entre soluto (farinha) e solvente (água) na estabilidade da massa. A Figura II-3 ilustra este comportamento através das curvas do torque exercido durante o processo de mistura pelo tempo.

Tempo de mistura (min)

Consis

tênc

ia

(B

U)

H2O D2O Duro vermelho de primavera Duro vermelho de primavera

Duro Amber Duro Amber

Branco de inverno Branco de inverno

Figura II-3– Farinograma para mistura de massas de diferentes farinhas de trigo formuladas com água e água deuterada (adaptado de Hamer &

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Desta forma, a estrutura do glúten pode ser alterada pela presença de diversos aditivos e, como consequência, as propriedades reológicas e de produção de produtos de panificação serão afetadas ou manipuladas (Steffolani et al., 2010).

O uso de agentes redutores como a L-cisteína irá modificar as ligações dissulfídicas entre as estruturas da glutenina e estruturas de glutenina-gliadina, tornando a massa menos elástica e mais extensível (Delcour et al., 2012). A alteração do pH da massa pode alterar a carga dos resíduos de glutamina reduzindo a quantidade de ligações de hidrogênio na massa, da mesma forma que a ação da enzima TGase pode alterar o tipo de interação existente na rede de glúten, introduzindo ligações cruzadas (Tanaka et al., 1967; Bauer et al., 2003a e b). A introdução de sais na massa também modifica suas propriedades, pois o aumento da força iônica eleva as interações iônicas na proteína, além de interferir na hidratação das mesmas (Tanaka et al., 1967; Farahnaky & Hill, 2007).