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Globalização contra-hegemônica e altermundismo

CAPITULO V: RESISTÊNCIAS, CONQUISTAS E PROPOSIÇÕES DO MAB

1. Globalização contra-hegemônica e altermundismo

A globalização hegemônica ancorada no Consenso de Washington – que estabelece a prevalência do mercado sobre o Estado – subordina o trabalho aos interesses do capital. Concentrando poder e riqueza, reduz direitos dos

trabalhadores, comprime a atuação do Estado na área social, o qual passa a se ocupar com medidas compensatórias. Também favorece a multiplicação de empresas com grande poder econômico; estimula a dependência dos países periféricos em relação aos países centrais; acelera o processo de privatização de indústrias, patrimônios, serviços, riqueza produzida e recursos naturais.

Para Boaventura S. Santos (2005:65-70), é possível identificar atualmente três modos de globalização em torno dos quais podem se estruturar diferentes formas de cidadania: 1) Localismo globalizado, que consiste no processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso; 2) Globalismo localizado, refere-se ao impacto específico das condições localizadas pelas práticas e imperativos transnacionais que decorrem dos localismos globalizados; 3) Cosmopolitismo, que diz respeito à organização transnacional da resistência de Estados-Nação, regiões, classes ou grupos vitimizados pelas trocas desiguais de que se alimentam os localismos globalizados e os globalismos localizados.

“Os globalismos localizados incluem a eliminação do comércio de proximidade (...); a desflorestação e destruição maciça dos recursos naturais para pagamento da dívida externa (...); dumping ecológico,275 conversão da agricultura de subsistência

em agricultura para exportação como parte do „ajustamento estrutural‟” (Santos, 2005:66). A globalização hegemônica provocou a luta pela globalização contra-

hegemônica, identificada pelo autor como uma prática de cosmopolitismo em defesa

do patrimônio comum da humanidade. O cosmopolitismo desencadeia iniciativas contra o capitalismo e pela proteção de recursos, entidades, artefatos, ambientes considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade.

A confrontação mais ampla e articulada com a racionalidade hegemônica começou a ser feita no período pós-Consenso de Washington, sendo que o melhor exemplo é o Fórum Social Mundial. A globalização contra-hegemônica é projetada por movimentos populares em geral, redes de solidariedade transnacional, ONGs anticapitalistas, associações, organizações indígenas, igrejas, iniciativas ecológicas e

outros. De acordo com Maria Gohn (2007:34), trata-se de um movimento

altermundista que se constitui em

uma das principais novidades na arena política e no cenário da sociedade civil, dado sua forma de articulação/atuação em redes

275. Dumping ecológico consiste na “compra pelos países do Terceiro Mundo de lixos tóxicos

produzidos nos países capitalistas centrais para gerar divisas externas” (Cf.

com extensão global. Ele tem elaborado uma nova gramática

no repertório das demandas e dos conflitos sociais, trazendo

novamente as lutas sociais para o palco da cena pública, e a política para a dimensão pública, tanto na forma de operar, nas ruas, como no conteúdo do debate que trouxe à tona: o modo de vida capitalista ocidental moderno e seus efeitos destrutivos sobre a natureza (humana, animal e vegetal).

A perspectiva da globalização contra-hegemônica baseia-se substancialmente nos princípios da solidariedade, cooperação, equidade, sustentabilidade responsável, respeito às diversas culturas e à justiça socioambiental. Por isso, opõe-se a todas as formas de dominação, precarização das condições de trabalho, destruição do meio ambiente e da biodiversidade, práticas de monocultura empresarial, violação dos direitos humanos etc. De múltiplos modos, resiste aos projetos das grandes barragens e luta contra a degradação dos centros urbanos e periferias, explicitando os conflitos sociais presentes no interior da sociedade.

De outra parte, promove capacitação, fóruns, campanhas etc., pondo em curso projetos alternativos a partir da economia popular e solidária, das formas de agricultura comunitária e familiar, do sistema de trocas diretas... Empenha-se a favor da inclusão social; reivindica reforma agrária, direito à saúde, educação, moradia e outras políticas públicas. Dá origem a novas culturas democráticas, defendendo a preservação dos bens naturais (água, floresta, ar...) e a utilização de energias limpas. Postula a soberania dos povos, o direito de todos à segurança alimentar e nutricional; pleiteia o acesso de toda a população às novas tecnologias etc.

Emergidas desde as franjas do capitalismo, as iniciativas por uma globalização contra-hegemônica requerem lutas articuladas e com incidência estrutural. Ao se constituírem em expressões de uma globalização de baixo-para-cima, suscitam ações de enfrentamento efetivo à globalização de cima-para-baixo (neoliberal). Enquanto esta última começa a ser vista até pela ONU como uma nova forma de colonização, a globalização contra-hegemônica se direciona no sentido de construir um paradigma de pós-colonialidade. Diante disso, torna-se fundamental a transformação da

democracia de baixa intensidade em democracia de alta intensidade (Santos,

2005:74).

O avanço da globalização contra-hegemônica depende do fortalecimento das organizações e movimentos populares, os quais se apresentam como

ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas

adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.), até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a internet (Gohn, 2007:13).

Em consonância com essa afirmação, Luiz Dalla Costa276 entende que os

movimentos populares cumprem com uma função imprescindível no que concerne a postular uma sociedade justa e democrática. Neste sentido, considera que os movimentos

não podem abdicar de seu importante papel articulador e necessitam retomar a formação política de seus militantes. É preciso criar novos tipos de organização e estabelecer novas formas de comunicação com a população. Temos de fazer muito trabalho de base a fim de construir um projeto popular para o país. Se não formos capazes de reavivar o movimento de massas, não conseguiremos sair dessa democracia representativa, falsa e minguada.

Ao repensarem seus desafios pragmáticos e estratégicos frente aos cenários de crise generalizada, os movimentos populares assumem-se como sujeitos coletivos no combate a situações de injustiça socioeconômica, sociopolítica e socioambiental. Como adverte Maria Gohn (2008:48), “o sentimento de injustiça indica problemas de não-reconhecimento, mas a solução só advém com uma articulação política, uma luta, um movimento propriamente dito. Só com o movimento social o sentimento de injustiça passa a ter relevância política”. Desse modo, os conflitos sociais apontam os campos onde falta respeito ao outro enquanto indivíduo e cidadão. Precisamente aí os movimentos podem se constituir em instrumentos importantes para a obtenção de reconhecimento e a conquista de direitos.

Cabe ressaltar que, simultaneamente à ampliação da perspectiva contra- hegemônica nas ações sociopolíticas, também se verifica na atualidade uma tendência divergente caracterizada como “mobilização social”, da qual José Toro (2007) é um dos teóricos. Essa visão traz a ideia do engajamento pessoal e voluntário dos indivíduos em determinadas ações, negando ou dissimulando o aspecto político e as tensões subjacentes às questões sociais. Considera-se, pois, não importante e desnecessário entender as causas e os processos que produzem a pobreza e a

exclusão, mas apenas estimular a adesão em determinados programas ou projetos sociais.

De acordo com Maria Gohn (2008:69), a referida linha de pensamento “predomina, numericamente, na América Latina neste novo milênio, e não as ações coletivas geradas por movimentos sociais do tipo MST, Via Campesina, movimentos dos atingidos pelas barragens, de pequenos produtores ou movimentos indígenas. E são estes últimos movimentos que têm dado sentido novo aos problemas sociais da região e chamado a atenção no plano global, a exemplo da Bolívia”.

Para diversos autores, o fenômeno da rarefação ou desmobilização de instâncias de organização ou forças populares transformadoras no último período está vinculado às novas lógicas e dinâmicas do capitalismo – em sentido amplo – e a outros fatores de âmbito conjuntural, como a transferência de lideranças dos movimentos sociais para cargos governamentais. “Hoje, muitos movimentos estão se transformando em ONGs, que é uma ferramenta importante, mas não é movimento social. No Brasil, há uma grande dificuldade com o corporativismo. Os movimentos não podem se partidarizar e precisam fazer trabalho de base para formar novos militantes”, afirma Frei Betto.277

De todo modo, a abordagem da presente temática remete-nos a uma série de questões acerca do teor e do alcance político das ações dos movimentos populares na atualidade. A propósito, na seqüência passo a analisar o conteúdo objetivo de algumas reações, resistências e conquistas do Movimento dos Atingidos por Barragens, bem como algumas de suas principais proposições vinculadas ao campo de sua atuação.

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