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Globalização, localismo e carácter cumulativo da produção de Conhecimento

3 COMPETITIVIDADE REGIONAL

3.3 Globalização, localismo e carácter cumulativo da produção de Conhecimento

Para Mateus (2005), a noção de competitividade, enquanto referencial de políticas públicas e de práticas empresariais, encontra-se associada à globalização, referente à aceleração do processo de integração económica mundial.

O processo de globalização gerou um quadro crescentemente concorrencial, que tem como consequência, impor progressivamente a todas as empresas e a todos os espaços de localização das actividades económicas, uma competitividade mais selectiva, o que se desenvolve através de:

- “(…) nivelamento dos preços dos bens transaccionáveis (enquanto “commodities”, isto é, matérias-primas, bens intermédios e bens e serviços acabados que são objecto de comércio e/ou investimento internacional), no domínio da afirmação da competitividade pelos custos, embora deixando margem para uma maior dispersão do custo do capital e, sobretudo, dos níveis salariais;

- através da difusão de novas formas de organização da produção e de gestão empresarial que, no essencial, assentam numa progressiva valorização de uma adaptação “fina” da produção a procuras segmentadas e complexas (isto é, que se expressam não só em combinações de quantidade e qualidade, mas também em combinações de suportes tangíveis e componentes intangíveis) traduzida, nomeadamente, na expansão e segmentação das gama de produtos e serviços, na redução do tempo de percepção e resposta às necessidades manifestadas nos mercados (“time to market”) e na expansão acelerada de redes de subcontratação e de comercialização, no domínio da afirmação da competitividade pelo valor criado”.

Mateus (2005) considera que a noção de competitividade é uma noção relativa, comparativa, dinâmica que remete para um tratamento relativamente exigente do tempo.

A identificação de uma situação de maior ou menor competitividade corresponde sempre ao resultado de uma análise comparativa, isto é, por exemplo, corresponde a uma

empresa que ganha ou perde quotas de mercado em relação aos seus concorrentes, a uma região que ganha ou perde investimentos em relação a outras regiões integradas no mesmo espaço de referência das actividades em causa ou a um país que alcança, de forma sustentada, para a sua população, um nível superior ou inferior de rendimento em relação a outro(s) país(es) num contexto mais global (a economia mundial) ou mais particularizado (como o grupo das economias da União Europeia ou o grupo das economias industrializadas da zona da OCDE).

A dimensão relativa ou comparativa da noção de competitividade obriga, no entanto, a uma decisiva articulação dinâmica na medida em que, existindo vários modelos e estratégias competitivas, a comparação das condições e dos resultados atingidos num determinado momento não se pode fazer tanto por referência a uma determinada norma (identificando “avanços” ou “atrasos”) mas antes por referência ao potencial revelado no processo competitivo (identificando “vantagens” e “desvantagens”).

A competitividade refere-se, com efeito, não só, necessariamente, a um período mais ou menos longo, isto é, trata-se de um fenómeno muito mais estrutural do que conjuntural, como envolve, também necessariamente, nos mesmos processos competitivos, sujeitos (pessoas, empresas, indústrias, regiões, países, governos, ...) em momentos temporais diferenciados dos respectivos “ciclos de vida”, bem como iniciativas e medidas com horizontes temporais de produção de resultados, também eles, diferenciados (curto prazo vs. longo prazo, pontual vs. permanente, ...).

Camagni (2002 a) e b) entende que a Globalização não é um estado, mas um processo de integração planetária crescente do mercado de bens e serviços, do mercado das localizações das actividades económicas, do mercado dos factores produtivos e particularmente das tecnologias e da informação. Os sistemas locais de produção tornaram-se cada vez mais interdependentes devido às estratégias globais das empresas multinacionais.

Este processo de Globalização poderia, numa primeira análise, aparentar uma neutralidade territorial em termos de oportunidades e desafios. Mas a situação muda radicalmente devido a certos aspectos qualitativos recentes no quadro internacional actual, e que se referem à importância crescente do factor Conhecimento e dos elementos imateriais ligados à cultura, às competências, à capacidade inovadora. Estes elementos desenvolvem-se e acumulam-se através de lentos processos de aprendizagem, individual ou colectiva, e

alimentam-se de informações, de interacções, de investimentos na pesquisa e na formação, e em consequência são essencialmente localizados e cumulativos, integrando-se no capital humano e nas redes locais de relações, no mercado de trabalho e no meio social, e afiguram- se muito selectivos em termos espaciais.

Analisado nesta perspectiva internacional, o progresso técnico perde a sua característica de bem público, móvel e acessível, pelo contrário, só circula rapidamente no interior de redes seleccionadas, e exige, para conseguir a adopção e apropriação eficazes dos proveitos potenciais daí provenientes, a disponibilidade de activos imateriais de alta qualidade. Apesar das empresas poderem possuir um stock crescente de conhecimento codificado, é-lhes exigido um investimento bastante maior em termos de conhecimentos tácitos, como o capital humano, a organização e a gestão, para obterem benefícios concretos da mudança tecnológica e da inovação.

Assiste-se então a uma dialéctica complexa entre a hiper-mobilidade de certos factores de produção e a ancoragem territorial de outros factores, que agem consequentemente como os factores de localização cruciais para os processos de produção mais avançados. O resultado provável deste processo será um crescimento das forças centrípetas do desenvolvimento, em termos de economias de escala e de envergadura, rendimentos crescentes de todo o género, e das forças centrífugas da exclusão territorial e do declínio. As novas tecnologias podem e devem ser compradas e utilizadas por todos, pois impõem doravante standards distintos, consoante a qualidade dos produtos e dos processos, e as redes de telecomunicações serão igualmente doravante portadoras de maior ou menor ubiquidade, mas as competências profissionais e o capital relacional que as novas tecnologias exigem para a sua utilização optimizada e inovadora não estão disponíveis para todos.

Do que foi expresso atrás Camagni apresenta duas reflexões conclusivas:

Por um lado, certos territórios particulares, como as cidades, e particularmente as grandes cidades, muito ricas em capital humano e em capital relacional, e também outros territórios particulares que a literatura definiu como distritos industriais ou meios inovadores, retirarão as maiores vantagens da globalização;

Por outro lado, todos esses territórios, mas sobretudo os primeiros, rivalizarão directamente para atrair os grandes fluxos de capital móvel a nível internacional.

Em termos de articulação entre Competitividade e Conhecimento, Mateus (2005) salienta a estratégia global actual de referência para o desenvolvimento económico na União Europeia, conhecida como Estratégia de Lisboa, que foi arquitectada na cimeira de Março de 2000 e aprofundada nas cimeiras de Gotemburgo (ancorando melhor a relação entre competitividade e sustentabilidade), Barcelona (definindo metas muito exigentes em matéria de reforço do esforço europeu em Investigação e Desenvolvimento – I&D) e Bruxelas (avançando no domínio das reformas económicas e da estruturação do mercado interno no contexto do alargamento) nos três anos subsequentes.

A Estratégia de Lisboa apoia-se em três objectivos fundamentais:

- a adopção do paradigma da economia baseada no conhecimento;

- a renovação do modelo social europeu valorizando a aprendizagem ao longo da vida; - a garantia de um ambiente macroeconómico favorável e estimulante.

A Estratégia de Lisboa apoia-se igualmente numa metodologia de acção baseada em

formas de coordenação abertas visando uma maior coerência entre as intervenções nacionais e comunitárias e entre as intervenções públicas e privadas.

O grande desígnio da Estratégia de Lisboa é o de “transformar a economia europeia

na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. Este desígnio é prosseguido através de “uma transformação radical da economia europeia” apoiada na “construção” de infra-estruturas de conhecimento, na

aceleração do esforço de inovação e do processo de concretização de reformas económicas, na modernização dos sistemas de protecção social e dos sistemas de educação e formação (Mateus, 2005).

Esta estratégia foi entretanto revista pela Comissão Europeia que tomou posse em 2004, apresentando-se agora como Estratégia de Lisboa renovada.

A nova Comissão pretende que a Agenda de Lisboa funcione para dotar a Europa da economia saudável de que necessita para concretizar as suas ambições a nível social e

ambiental. A avaliação intercalar da Primavera de 2005 conduziu à criação de uma Estratégia

de Lisboa renovada para o crescimento e o emprego.

Os Estados-Membros tiveram de elaborar programas nacionais de reforma, apresentando as medidas previstas para atingir os objectivos de Lisboa, com base em orientações políticas comuns e integradas.

A Comissão identificou quatro acções prioritárias: - investir mais em conhecimento e inovação;

- libertar o potencial das empresas, especialmente das PME (pequenas e médias empresas);

- dar resposta à globalização e ao envelhecimento da população;

- avançar para uma política energética eficiente e integrada à escala da União Europeia.

Segundo Mateus (2005), o paradigma da economia baseada no conhecimento coloca no centro do processo de criação de valor económico, isto é, de riqueza e de bem- -estar, não os processos de transformação material das matérias-primas em produtos acabados, mas os conhecimentos e as competências que permitem que eles se organizem e desenvolvam. A transformação radical visada pela Estratégia de Lisboa obriga, assim, à concretização efectiva de uma nova articulação entre as actividades económicas e a uma nova estruturação das respectivas cadeias de valor.

Essa transformação radical envolve três pilares centrais que reconfiguram completamente as cadeias de valor em acção nas diferentes actividades económicas:

- competitividade sistémica; - eficiência colectiva; - inovação rápida.

O desenvolvimento deste paradigma da economia baseada no conhecimento envolve de forma privilegiada, nesta sua fase inicial, as actividades produtivas mais intensivas em conhecimento, investigação e tecnologia e as actividades de serviços também mais intensivas nesses factores avançados, bem como aquelas que suportam ou induzem a formação e

consolidação de redes de interactividade entre clientes e fornecedores e entre empresas e consumidores (Mateus, 2005).