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Nenhum outro episódio da história soviética desperta tanto ódio do velho mundo quanto a depuração de 1937-38. A denúncia sem matizes da depuração pode ser lida em termos idênticos tanto num folheto neonazi como numa obra de Zbigniew Brzezinski com pretensões académicas, num panfleto trotskista como num escrito sob a pena do ideólogo principal do exército belga. Concentremo-nos sobre este último, Henri Bernard, antigo quadro dos serviços secretos belgas, professor emérito da Escola Real Militar. Em 1982 publicou um livro intitulado O Comunismo e a Cegueira Ocidental. Neste trabalho, Bernard mobiliza as forças sãs do Ocidente contra uma invasão russa que afirma estar iminente.

Na abordagem da história da URSS, Bernard emite uma opinião sobre a depuração de 1937 que é interessante a vários títulos. Ei-la:

«Stáline empregou métodos que Lénine teria reprovado. No georgiano não encontramos nenhum vestígio de sentimento humano. A partir do assassinato de Kírov (em 1934), a União Soviética viverá um banho de sangue e assistir-se-á ao espectáculo da revolução que devora os seus próprios filhos. Stáline, dizia Deutscher, ofereceu ao povo um regime de terror e de ilusões. Deste modo, as novas medidas liberais coincidem com a vaga de sangue dos anos 1936-1939. Foi o momento das purgas atrozes, do “espasmo do horror”. Começa agora a interminável série de processos. A “velha guarda” dos tempos heróicos será assim aniquilada. O principal acusado de todos estes processos era Trótski, o ausente. O exilado continuava a conduzir exemplarmente a luta contra Stáline, a desmascarar os seus métodos, a denunciar as suas coligações com Hitler.»1

Vemos portanto que o historiador do exército belga não só gosta de citar abundantemente Trótski e os trotskistas, mas também se arvora em defensor da «velha guarda bolchevique» e até tem uma palavra benigna para Lénine; mas sob Stáline, o monstro que nada tinha de humano, dominava o terror cego e o horror.

Antes de expormos em que termos os bolcheviques definiram a purga dos anos 1937- 38, vejamos primeiro o que um especialista burguês com algum respeito pelos factos sabe a propósito deste período. Gabor Tamas Rittesporn, nascido em Budapeste, na Hungria, publicou em 1988 um estudo sobre as «grandes purgas», sob o título Simplificações Stalinistas e Complicações Soviéticas.2 Aí declara abertamente a sua oposição ao comunismo e afirma que não se pode «negar os horrores bem reais da época estudada», que «estaríamos entre os primeiros a expô-los ao grande público se tal fosse ainda necessário».3

Todavia, a versão burguesa corrente deste período é tão grosseira e a sua falsidade tão evidente que o autor teme que, a termo, tal venha a pôr em causa toda a interpretação ocidental da revolução soviética. Rittersporn define de forma admirável os problemas que encontrou ao querer apontar as falsificações burguesas mais grosseiras:

«Quando tentamos tornar timidamente pública a análise de materiais quase totalmente ignorados e repor à devida luz, numa perspectiva nova, a história soviética dos anos 30, e o papel que Stáline desempenhou nela, descobrimos que a opinião dominante só aceita que se ponha em causa as ideias adquiridas dentro de limites

muito mais estreitos do que teríamos pensado (...). A imagem tradicional do “fenómeno stalinista” é na realidade tão poderosa, e os juízos de valor políticos e ideológicos subjacentes são de um carácter de tal modo emocional, que qualquer tentativa para a corrigir tem quase inevitavelmente de aparecer como uma tomada de posição em relação às normas geralmente aceites que ela implica (...).

«Insistir em mostrar que a representação tradicional da “época stalinista” é, em muitos aspectos, fortemente inexacta, equivale assim a desafiar de forma desesperada não só os esquemas consagrados segundo os quais é conveniente pensar as realidades soviéticas, mas também as práticas linguísticas mais comuns. (...) O que pode justificar uma investigação deste género é, antes de mais, a extrema inconsistência da literatura consagrada a um dos fenómenos considerados maiores pela vulgata histórica, a “Grande Purga” dos anos 1936-1938. Apesar das aparências, haverá poucos períodos da história soviética que tenham sido estudados de forma tão superficial.» (…)

«Tudo leva a crer que, se houve a tendência para negligenciar durante tanto tempo as regras mais elementares da análise das fontes neste domínio importante, isso aconteceu muito provavelmente porque as finalidades desses trabalhos eram, em larga medida, bastante distintas das da investigação histórica habitual. Com efeito, mesmo numa leitura pouco cuidadosa da literatura “clássica”, dificilmente evitamos a impressão de que, sob muitos aspectos, esta é com frequência inspirada mais em estados de espírito, que prevalecem em certos meios ocidentais, do que nas realidades soviéticas dos “tempos stalinistas” – defesa dos valores consagrados do Ocidente contra toda a espécie de ameaças reais e imaginárias de origem soviética, afirmações de experiências históricas inquestionáveis, bem como de apriorismos ideológicos de todos os tipos.»4

Em linguagem clara, Rittersporn afirma o seguinte: Posso provar que as ideias correntes sobre Stáline são, em grande parte, absolutamente falsas. Mas pretender afirmá-lo é uma empresa quase desesperada. Se alguém disser, mesmo que timidamente, certas verdades inegáveis sobre a União Soviética dos anos 30, será rotulado de «stalinista». A propaganda burguesa inculcou uma imagem falsa, mas extremamente poderosa de Stáline, a qual é quase impossível de corrigir, de tal modo as emoções se agitam mal alguém aborda o tema. Os livros sobre as depurações escritos pelos grandes especialistas ocidentais, tais como Conquest, Deutscher, Schapiro e Fainsod, não valem nada, são superficiais e redigidos ao arrepio das regras mais elementares que qualquer estudante de história aprende no primeiro ano. Na verdade, estas obras são escritas para conferir uma aparência académica e científica à política anticomunista dos meios dirigentes ocidentais. Sob uma aparência científica, fazem a defesa dos interesses e dos valores capitalistas e dos apriorismos ideológicos da grande burguesia.

Vejamos agora como as depurações foram vistas pelos comunistas que consideraram necessário realizá-las em 1937-1938.

Eis a tese central desenvolvida por Stáline, no seu relatório de 3 de Março de 1937, que marcou o início da depuração. Neste documento afirma-se que alguns dos dirigentes do Partido «revelaram-se descuidados, complacentes e ingénuos», tendo descurado a vigilância em relação aos inimigos e anticomunistas infiltrados no Partido. Stáline refere- se ao assassinato de Kírov, o número dois do partido bolchevique na altura:

«O celerado assassinato do camarada Kírov foi o primeiro aviso sério de que os inimigos do povo fariam um jogo duplo e que, para isso, iriam disfarçar-se de bolcheviques, como membros do Partido, para ganhar a confiança e abrir caminho para si nas nossas organizações. (…)

«O processo do “bloco zinovievista-trotskista” alargou as lições dos processos anteriores, mostrando com clareza que os zinovievistas e os trotskistas congregam em seu torno todos os elementos burgueses hostis, que se converteram em agentes de espionagem e de diversão terrorista da polícia política alemã, que a duplicidade e o disfarce constituem o único meio dos zinovievistas e dos trotskistas para infiltrarem as nossas organizações, que a vigilância e a perspicácia política constituem o meio mais seguro para a prevenção de tal infiltração (…).»

«Quanto mais avançarmos, quanto mais êxitos tivermos tanto mais se exasperarão os restos das classes exploradoras derrotadas, tanto mais depressa caminharão para formas de luta mais agudas, tanto mais danos causarão ao Estado soviético, tanto mais se aferrarão aos meios de luta mais desesperados como os últimos meios dos condenados.»5

Como se colocou o problema dos inimigos de classe?

Mas quem eram na verdade esses inimigos do povo infiltrados no local mais sagrado dos bolcheviques? Apresentamos quatro casos exemplares.

Boris Bajánov

Durante a Guerra Civil, que fez nove milhões de mortos, a burguesia combateu os bolcheviques com armas na mão. Derrotada, que mais poderia fazer? Suicidar-se? Afogar o seu desespero em vodka? Converter-se ao bolchevismo? Havia algo melhor a imaginar. Desde a vitória definitiva da revolução bolchevique, elementos da burguesia infiltraram- se conscientemente no Partido para o combater do interior e preparar as condições para um golpe de estado burguês.

Um certo Boris Bajánov6 escreveu um livro muito instrutivo a este propósito intitulado Com Stáline no Krémline. Boris nasceu em 1900. Tinha assim 17-19 anos na altura da revolução na Ucrânia, a sua região natal. No seu livro publica orgulhosamente a fotocópia do documento que o nomeou secretário pessoal de Stáline, com a data de 9 de Agosto de 1923. Nessa decisão do Bureau de Organização refere-se: «O camarada Bajánov é nomeado secretário pessoal do camarada Stáline, secretário do CC.» Bajánov faz este comentário jubiloso: «Como soldado do exército antibolchevique tinha-me imposto a tarefa difícil e perigosa de penetrar no seio do estado-maior inimigo. Havia alcançado meu objectivo.»7

O jovem Bajánov, enquanto secretário de Stáline, era também secretário do Bureau Político e devia tomar notas em todas as suas reuniões. Tinha 23 anos. No seu livro, escrito em 1930, explica como começou a sua carreira política quando viu chegar a Kíev o exército bolchevique. Tinha 19 anos.

«Os bolcheviques impuseram-se semeando o horror. Gritar-lhes o meu desprezo na cara não me valeria mais do que dez balas na pele. Tomei outro caminho. Para salvar a elite da minha cidade, enverguei a máscara da ideologia comunista.»8 (...)

«Em 1920, a luta aberta contra a praga bolchevique estava terminada. O combate no exterior não era possível. Era necessário minar no interior. Na fortaleza comunista era preciso introduzir um cavalo de Tróia. Todos os fios da ditadura se juntavam cada

vez mais no nó único do Politburo. A partir de agora, o golpe de Estado só poderia iniciar-se ali.»9

No decurso dos anos 1923-1924, Bajánov assistiu a todas as reu-niões do Bureau Político e conseguiu manter-se em diferentes postos até à sua fuga em 1928. Muitos outros intelectuais burgueses tiveram o mesmo génio deste jovem ucraniano de 19 anos.

Os operários e os camponeses que tinham feito a revolução vertendo o seu sangue tinham pouca cultura e educação. Puderam vencer a burguesia com a sua coragem, o seu heroísmo, o seu ódio à opressão, mas para organizar a nova sociedade era preciso cultura e educação. Intelectuais da velha sociedade, jovens e velhos, pessoas suficientemente hábeis e flexíveis, reconheceram a oportunidade e decidiram mudar de armas e de táctica de combate. Enfrentariam aqueles brutos e incultos entrando para o seu serviço. Neste sentido, o caminho tomado por Boris Bajánov foi exemplar.

Gueórgui Solomone

Tomemos outro livro-testemunho. A carreira do seu autor, Gueór-gui Solomone,10 é ainda mais interessante. Solomone foi um quadro do partido bolchevique. Nomeado, em Julho de 1919, adjunto do comissário do Povo para o Comércio e a Indústria, era amigo íntimo de Krássine, velho bolchevique que acumulava na altura as funções de comissário das Vias de Comunicação e do Comércio e da Indústria. Em resumo, eram dois dos tais membros da «velha guarda dos tempos heróicos» tão caros a Henri Bernard da Academia Militar.

Em Dezembro de 1917, quando Solomone regressa de Estocolmo a Petersburgo, corre a inteirar-se da situação politica junto do seu amigo Krássine. Este, segundo Solomone, ter-lhe-á dito:

«Um resumo da situação? Trata-se de uma aposta imediata no socialismo, de uma utopia levada até à tolice mais extrema. Estão todos loucos, inclusive Lénine! Foram esquecidas as leis da evolução natural, foram esquecidas as nossas advertências quanto ao perigo de tentar a experiência socialista nas condições actuais. Quanto a Lénine, é um delírio contínuo. Na realidade, vivemos sob um regime nitidamente autocrático.»11 Esta análise em nada difere da dos mencheviques: a Rússia não está madura para o socialismo, e aquele que quiser introduzi-lo terá de recorrer a métodos autocráticos.

No começo de 1918, Solomone e Krássine encontraram-se em Estocolmo. Os alemães tinham passado à ofensiva e ocupavam a Ucrânia. As insurreições antibolcheviques multiplicavam-se. Não se sabia quem governaria a Rússia, os bolcheviques ou os mencheviques com os seus amigos industriais? Solomone resume as suas conversas com Krássine:

«Compreendíamos que este novo regime tinha introduzido uma série de medidas absurdas, destruindo as forças técnicas, desmoralizando os técnicos especializados e substituindo-os por comités operários. Dávamo-nos conta de que a tendência para aniquilar a burguesia não era menos absurda. Esta burguesia estava ainda destinada a proporcionar-nos muitos elementos positivos. Esta classe era chamada a cumprir a sua missão histórica e civilizadora.»12

Solomone parece claramente inclinado a juntar-se aos «verdadeiros» marxistas, os mencheviques, com os quais partilha a preocupação de salvar a burguesia, portadora de

progresso. Como poderiam passar sem ela? Não era possível desenvolver o país com «fábricas dirigidas por comités de operários ignorantes».13

Mas a situação do poder bolchevique estabiliza-se e, observa Solomone, «uma mudança sobreveio gradualmente na nossa apreciação da situação».

(...) «Perguntávamo-nos se tínhamos o direito de nos mantermos à margem. Não deveríamos no próprio interesse do povo que queremos servir colocar as nossas forças, a nossa experiência à disposição dos sovietes, a fim de conferir a esta empresa elementos de sanidade? Não teríamos aqui a possibilidade de lutar contra essa política de destruição geral que marcava a acção dos bolcheviques? Poderíamos igualmente opor-nos à destruição total da burguesia. Pensámos que o restabelecimento das relações normais com o Ocidente levaria necessariamente os nossos dirigentes a caminharem ao lado das outras nações e que a tendência para um comunismo imediato começaria a atenuar-se e acabaria por se apagar completamente. Em função destes raciocínios, Krássine e eu tomámos a decisão de entrar para o serviço dos sovietes.»14

Assim, de acordo com as afirmações de Solomone, ele e Krássine delinearam um programa secreto que levaram a cabo ascendendo aos cargos de ministro e vice-ministro sob Lénine: opuseram-se a todas as medidas da ditadura do proletariado, protegeram tanto quanto era possível a burguesia e tinham a intenção de estabelecer relações de confiança com o mundo imperialista, tudo para «apagar progressiva e completamente» a orientação comunista do Partido! Belo bolchevique, o camarada Solomone.

Em 1 de Agosto de 1923, durante uma estadia na Bélgica, Solomone salta o «muro» e passa-se para o outro lado. O seu testemunho apareceu publicado em 1930, sob os auspícios da organização belgo-francesa «Centro Internacional da Luta Activa Contra o Comunismo». O velho bolchevique Solomone tinha agora ideias muito mais marcadas.

«O governo de Moscovo, constituído por um pequeno grupo de homens, impõe, com a ajuda da GPU, a escravidão e o terror no nosso grande país. (...) Os sátrapas soviéticos vêem-se cercados pela cólera, a grande cólera popular. Apoderados por um terror louco, tornam-se cada vez mais ferozes, vertem torrentes de sangue humano.»15

Estes eram os termos utilizados pelos mencheviques alguns anos antes. Em breve, Trótski retoma-los-á e, 50 anos mais tarde, o ideólogo do exército belga não fará melhor. É importante notar que os termos «terror louco», «escravidão» e «torrentes de sangue» são utilizados pelo «velho bolchevique» Solomone para descrever a situação na União Soviética sob Lénine e durante o período «liberal» de 1924-1929 que precedeu a colectivização. Todas as calúnias da burguesia sobre o «regime terrorista e sanguinário» de Stáline foram primeiro lançadas, palavra por palavra, contra a União Soviética de Lénine.

Solomone representa o caso interessante de um «velho bolchevique», opositor figadal de qualquer iniciativa de Lénine, que escolheu entravar e «desviar» a revolução a partir do interior. Já em 1918, alguns bolcheviques tinham acusado Solomone diante de Lénine de ser um burguês, um especulador e um espião alemão. Solomone negou tudo com indignação. Mas é interessante notar que mal deixou a URSS logo se declarou como um anticomunista feroz.

Frúnze

O livro de Bajánov acima mencionado contém ainda outra passagem muito interessante, onde se fala dos contactos que o autor teve com oficiais superiores do Exército Vermelho. «Frúnze»,16 escreve ele, «era talvez o único homem entre os dirigentes que desejou a liquidação do regime e o regresso da Rússia a uma existência mais humana».

«No começo da revolução Frúnze era bolchevique. Mas quando ingressa no exército cai sob a influência dos antigos oficiais e generais, absorve as suas tradições e torna-se um soldado até à medula. Quanto mais se apaixonava pelo exército mais odiava o comunismo. Mas sabia calar-se e dissimular os seus pensamentos. Acreditava que no futuro seria chamado a desempenhar o papel de Napoleão.

«Frúnze tinha um plano de acção bem definido. Procurava em primeiro lugar arruinar o poder do Partido no Exército Vermelho. Para começar, obteve a supressão dos comissários que, na sua qualidade de representantes do Partido, estavam colocados acima do comando. Depois, prosseguindo audaciosamente o seu projecto de golpe bonapartista, Frúnze escolheu cuidadosamente militares profissionais, nos quais contava mais tarde apoiar-se, para os postos de comando das divisões, corpos do exército e regiões. Mas para que o exército pudesse realizar um golpe de Estado era necessário uma situação excepcional, uma situação, por exemplo, que pudesse conduzir à guerra. Tinha uma habilidade extrema em dar uma aparência comunista a todos os seus actos. Contudo, Stáline desvendou os seus desígnios.»17

É-nos difícil dizer se Bajánov tem razão no que diz sobre Frúnze. Mas pelo menos o seu texto mostra que já em 1926 alguns especulavam sobre tendências militaristas e bonapartistas no seio do exército para pôr fim ao regime soviético. Tokáev18 escreverá mais tarde que, em 1935, «o aeroporto militar central de Frúnze era um dos centros dos seus inimigos irreconciliáveis (de Stáline).»19 Quando Tukhatchévski20 foi preso e fuzilado em 1937, foram-lhe atribuídas exactamente as mesmas intenções que o testemunho de Bajánov, redigido em 1930, imputa a Frúnze.

Aleksandr Zinóviev

Em 1939, Aleksandr Zinóviev,21 estudante brilhante, tinha 17 anos: «Eu podia constatar a diferença entre a realidade e os ideais do comunismo, e considerava Stáline o responsável por esta fractura.»22

Esta frase exprime perfeitamente o idealismo pequeno-burguês que aceitava de bom grado os ideais comunistas, mas que se abstraía da realidade económica e social, bem como do contexto internacional no qual a classe operária teve de encetar a sua realização. Alguns destes pequeno-burgueses rejeitam os ideais comunistas assim que se deparam com a aspereza da luta das classes e as dificuldades da construção do socialismo.

«Fui um anti-stalinista convicto desde a idade dos 17 anos», afirmou Zinóviev.23 «Considerava-me um neo-anarquista.»24 Leu com paixão as obras de Bakúnine25 e de Kropótkine,26 depois as de Jeliábov27 e dos populistas.28

Na realidade, a Revolução de Outubro tinha sido feita «para que os funcionários do aparelho pudessem ter carro oficial para uso particular, viver em apartamentos e

datchas sumptuosas»; tinha-se orientado para «a instauração de um Estado centralizado e burocrático».29 «A ideia da ditadura do proletariado era uma inépcia».30

Zinóviev continua: «A ideia de um atentado contra Stáline invadiu os meus pensamentos e sentimentos. Já antes me tinha debruçado sobre o terrorismo. (...) Estudámos as possibilidades de um atentado: durante o desfile na Praça Vermelha provocaríamos uma confusão artificial que me permitiria, armado com uma pistola e granadas, precipitar-me sobre os dirigentes.»

Pouco mais tarde, com seu amigo Aleksei, planeou um novo atentado «programado para o 7 de Novembro de 1939».31

Zinóviev tinha ingressado na Faculdade de Filosofia de um estabelecimento de elite. «Logo à chegada compreendi que mais cedo ou mais tarde teria de aderir ao PC. Não tinha nenhuma intenção de exprimir abertamente as minhas convicções: não obteria nada com isso para além de aborrecimentos. Eu já tinha escolhido a minha vida. Queria ser um revolucionário em luta contra a nova sociedade. Decidi então dissimular