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8. Resultados e Discussão

8.4 Grau de desmineralização μ-Raman

De modo a descrever as mudanças ocorridas no esmalte dentário, a concentração do grupo fosfato (PO43-) no esmalte tem-se revelado como um bom indicador para se calcular o grau de desmineralização (GD). Além disso, a intensidade/área do PO43- ν1 na espetroscopia Raman é diretamente proporcional à concentração do grupo fosfato da molécula de hidroxiapatite (HAp). Com recurso à técnica de μ-Raman determinou-se a evolução da área correspondente ao pico de PO43- ν1,

C 7d 14d 17d 21d 24d 31d 35d 39d 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 Razão Ca/P Tempo (dias)

A6

C 2d 5d 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 Razão Ca/P Tempo (dias)

A21

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após a aplicação dos produtos de branqueamento, tendo sido possível calcular o GD ao longo do estudo para as referidas amostras.

8.4.1 Protocolo 1

A Figura 8.5, representa o GD ao longo do tempo para os espécimes A1-A3, onde o produto A foi aplicado. Existe um máximo de desmineralização 7 dias após o início do branqueamento dentário, havendo uma recuperação gradual do grau de mineralização até ao dia 17 (para os espécimes A2 e A3) e até ao dia 21 para o espécime A1. As medições para os espécimes A2 e A3 ao dia 21, e ao dia 24 para o espécime A1 mostram, no entanto, uma nova desmineralização que aumenta até ao dia 35. No último dia do estudo existe uma nova diminuição do GD mais acentuado para os espécimes A1 e A2. O GD para o espécime A3 parece manter-se similar ao do dia 35 do estudo. Apesar de estas pequenas diferenças no que respeita a variação do GD entre espécimes, num modo geral tendem a apresentar resultados similares e consistentes.

Figura 8.5: Média do GD e respetivos desvios padrão dos espécimes A1-A3, ao longo dos 39 dias de estudo, após aplicação do produto A.

Continuamente, a Figura 8.6 representa o GD ao longo do tempo para os espécimes A4-A6, onde o produto B foi aplicado. Para os espécimes A5 e A6, até ao dia 17 os resultados sugerem não haver uma desmineralização significativa no esmalte dentário, mas a partir do dia 21, o GD tende a aumentar até ao término do estudo, alcançando um máximo entre os 41 e os 45 %. Os resultados negativos no espécime A4 não têm significado físico, no entanto variam ligeiramente sugerindo haver um remineralização até ao dia 21, uma desmineralização entre os dias 24 e 31, e uma nova diminuição do GD a partir do dia 35 até ao dia 39.

-20 -10 0 10 20 30 40 50 60 70 80 C 7d 14d 17d 21d 24d 31d 35d 39d G ra u de de sm in e ra liz a ç ã o (G D ) (%) Tempo (dias) A1 A2 A3

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Figura 8.6: Média do GD e respetivos desvios padrão dos espécimes A4-A6, ao longo dos 39 dias de estudo, após aplicação do produto B.

8.4.2 Protocolo 2

No que concerne ao protocolo 2, onde somente o produto B foi aplicado, os resultados sugerem haver um aumento progressivo do GD das amostras estudadas. Este aumento tende a ser mais acentuado nos espécimes A8 e A21, sendo que nos espécimes A17 e A20 tende a não haver grande variação dos resultados comparando os dias 2 e 5 (Figura 8.7).

Figura 8.7: Média do GD e respetivos desvios padrão dos espécimes A8, A17, A20 e A21, ao longo dos 39 dias de estudo, após aplicação do produto B.

As intensidades das bandas Raman encontram-se correlacionadas com as concentrações, de forma a permitir que análises quantitativas dos minerais incorporados sejam descritas. Visto que

-30 -20 -10 0 10 20 30 40 50 60 C 7d 14d 17d 21d 24d 31d 35d 39d G ra u de de sm in e ra liz a ç ã o (G D ) (%) Tempo (dias) A4 A5 A6 0 5 10 15 20 25 C 2d 5d G ra u de de sm in e ra liz a ç ã o (G D ) (%) Tempo (dias) A8 A17 A20 A21

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cada molécula possui a sua própria vibração molecular, o espetro Raman de um espécime em particular consistirá numa série de bandas, cada uma relacionada com a sua frequência vibracional característica, fornecendo assim, a identificação para a molécula que está a ser estudada. Os resultados obtidos pela técnica analítica podem ser explicados por três teorias distintas mas complementares.

Em primeiro lugar, poder-se-á hipotetizar que estas oscilações podem ser explicadas pelo facto de a saliva não ter sido renovada ao longo do estudo, perdendo o seu efeito de remineralização. Não obstante, a saliva humana foi responsável pela reversão da desmineralização nos primeiros tempos de estudo.

Em segundo lugar, é possível que ao longo do tempo o produto tenha perdido as suas propriedades iniciais devido a uma conservação pouco adequada ou devido ao tempo alargado que permaneceu aberto. Assim, para o Protocolo 1 – Produto A, conjugando estas duas teorias, os resultados são sugestivos que existe um ataque agressivo ao esmalte aprismático devido à elevada concentração do produto e, principalmente, devido ao pH ácido, possível de se observar durante os primeiros 7 dias. Por conseguinte, uma degradação do produto ao longo do estudo, e a consequente ação remineralizadora da saliva, permite que os valores de PO43- retomem os valores iniciais. Ainda que, o produto tenha perdido a sua agressividade, este continua a ser aplicado nas amostras de esmalte, apesar de que muito provavelmente a saliva tenha perdido a capacidade de remineralizar este tecido, contribuindo para o aumento do GD observado a partir do dia 17.

No que respeita ao produto B do protocolo 1, com uma concentração de PH menor e com um pH menos ácido, o ataque ao esmalte aprismático não é tão pronunciado e a saliva consegue remineralizar esta estrutura nos momentos iniciais. No entanto, e em semelhança ao que acontece com o produto 1, dado que a saliva não foi renovada, a sua ação de remineralização diminui e o GD tende a aumentar.

Em relação ao protocolo 2, onde somente o produto B foi aplicado, considerando estas duas teorias; o crescente aumento do GD pode ser explicado devido ao facto de a saliva nesta fase ter perdido grande parte das suas propriedades iniciais (o protocolo 2 foi realizado 50 dias após o início do protocolo 1), e também porque o produto ao ser aplicado três vezes ao dia, o tempo para remineralizar o dente de cada vez que o produto é aplicado acaba por ser bastante inferior. Assim, o ataque ao esmalte aprismático é superior à capacidade que a saliva tem de remineralizar. Comparando a Figura 8.6 com a Figura 8.7, pode-se observar que o GD aos 5 dias da Figura 8.7, correspondem aproximadamente, ao GD aos 14 dias da Figura 8.6; já que o produto foi aplicado neste protocolo três vezes ao dia.

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Ainda assim, estas duas teorias não explicam as variações no GD que ocorrem no final do estudo, especialmente no protocolo 1, nem as diferentes variações entre espécimes. Existe uma terceira teoria anteriormente estudada por Albers cit in Santini et al (Santini, et al., 2008), postulando que a aplicação contínua do produto de branqueamento dentário causa uma progressiva desmineralização do esmalte que ocorre com concomitante degradação da matriz de esmalte da camada aprismática, em provavelmente alguns μm de profundidade. Esta hipótese permite uma interpretação mais completa dos resultados obtidos no presente estudo. Analisando o espécime A3 (Protocolo 1 – Produto A), a aplicação de 38,6 % de PC resulta num aumento do GD (diminuição da intensidade do pico do fosfato), aumento esse que ocorre numa maior percentagem aos 7 dias. É de se esperar que quantas mais aplicações do produto de branqueamento se realizarem, maior será a alteração ocorrida nas estruturas inorgânicas e orgânicas do dente. Contudo, aos 17 dias, existe uma diminuição do GD (aumento do pico do fosfato). Esta diminuição poderá ser devido à degradação superficial do esmalte que ocorre após a escovagem, de acordo com o protocolo experimental, antes de se obter os espetros Raman, removendo a camada superficial alterada pelo produto com uma elevada concentração e baixo pH, expondo uma camada menos afetada contendo uma concentração do grupo fosfato mais elevada. A subsequente aplicação do produto até aos 35 dias permite observar o fenómeno ocorrido aos 7 dias. Novamente aos 39 dias, último dia do estudo, existe uma nova diminuição do GD em consequência da remoção de mais uma camada de esmalte em alguns μm de profundidade. Os restantes espécimes deste protocolo (A1 e A2), demostram ter um comportamento semelhante no que respeita ao GD, contudo os tempos a que ocorre a remoção da camada de esmalte expondo a camada menos afetada parece divergir, ocorrendo nestes casos não aos 17 dias mas sim aos 21 dias. Foi registada uma diferença muito significativa (p <0,01) nos resultados obtidos entre os produtos aplicados no protocolo 1. Tendo em consideração os valores medidos no controlo, todos os tempos de medição apresentam valores estatisticamente muito significativos (p <0,01) com exceção dos dias 17 para o produto A do protocolo 1 e para o dia 21 para o produto B do protocolo 1.

Da mesma forma, os espécimes do produto B do protocolo 1 (A4-A6) parecem diferir nos tempos a que ocorre a remoção da camada de esmalte, em comparação com o produto A. Inclusive, existe uma discrepância entre o espécime A4 e A6.

O protocolo 2 por comparação com o protocolo 1, parece evidenciar uma certa analogia. Tal como no produto B do primeiro protocolo existe uma progressão do GD dos 7 aos 14 dias, que é similar ao ocorrido entre os 2 aos 5 dias do protocolo B. Os resultados sugerem não haver uma diferença significativa entre branquear os dentes durante 14 dias, 1 vez ao dia, ou branquear durante 5 dias, 3 vezes ao dia, pois não foram registadas diferenças estatisticamente significativas (p> 0,05).

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Contudo, para haver confirmação desta hipótese dever-se-ia ter realizado medições após cada branqueamento no protocolo 2.

O esmalte aprismático é a camada de esmalte mais mineralizada e consequentemente mais resistente à desmineralização (Sun, et al., 2011). Inicialmente, a erosão ácida ocasionada pelos produtos de branqueamento, causa um desgaste suave na superfície do esmalte, sendo que o impacto pode variar de acordo com o tempo de exposição ao produto e do pH. Se esta primeira camada não sofrer nenhuma remineralização, por exemplo por um agente remineralizante como a saliva, ou se a capacidade remineralizante da saliva for inferior à desmineralização ocorrida, ficará mais frágil perdendo volume e será mais vulnerável à ação mecânica (escova de dentes), havendo por fim uma remoção adicional da restante camada de esmalte aprismático. Se o tratamento persistir, existe uma dissolução consecutiva das camadas subjacentes de esmalte, levando a uma perda permanente do esmalte superficial. O processo de erosão pode revelar uma aparência do dente mais lisa e suave (West & Joiner, 2014).

Existe uma grande verossimilhança de que as duas primeiras teorias suportem a terceira teoria influenciando os resultados. Poderá supor-se que se a saliva tivesse uma renovação mais assídua e o pH do produto fosse maior, talvez não houvesse valores tão elevados do GD bem como da constante remoção das camadas de esmalte mais superficiais.

A dissolução do esmalte num meio ácido ocorre como o resultado da interação de iões de hidrogénio e HAp – Equação 2.1 (sub-capítulo 2.1.1 - Esmalte). O baixo pH presente em ambos os produtos afetam a dissolução do conteúdo mineral do esmalte. Todavia Santini et al (Santini, et al., 2008), salientam que em in vivo, os produtos contendo PC tendem a aumentar o pH acima dos 7, não provocando assim a decomposição do esmalte. Esta aparente contradição, realça o pouco conhecimento em relação ao exato mecanismo envolvido no branqueamento dentário, destacando a necessidade de se investigar todos os aspetos destes mecanismos e não apenas o aparente efeito clínico estudado isoladamente (Santini, et al., 2008).

Em estudos prévios foram reportados casos em que quanto maior for a concentração de peróxido menor é o pH do produto de branqueamento (Kwon, et al., 2014)(Sun, et al., 2011). Sa et al (Sa, et al., 2012), estudaram os efeitos na superfície do esmalte, de dois produtos de branqueamento in- office com diferentes valores de pH. Concluíram, que o branqueamento dentário com produtos com um pH ácido e com um pH neutro, tiveram a mesma eficácia no branqueamento in vitro, no entanto o esmalte humano tratado com o produto de branqueamento com um pH ácido foi suscetível a uma maior desmineralização. Esta constatação indica que a desmineralização ocorrida na superfície do esmalte pode ser principalmente causada pelo baixo valor do pH, em vez do PH per se. O grupo de investigadores chegou também à conclusão de que os efeitos adversos causados pelo pH baixo do

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produto podem ser minimizados aquando a conservação em saliva humana. Este fluido natural revelou efeitos protetores mais elevados na estrutura do esmalte humano do que em a água destilada. Em estudos anteriores, foi postulado que a presença de uma pelicula de saliva rica em iões de Ca, P e F na cavidade oral humana, poderá ser responsável pela manutenção do conteúdo mineral do esmalte, através da incorporação destes iões na sua superfície. A pelicula de saliva poderá cobrir a camada subjacente da superfície de esmalte, e assim compensar os efeitos adversos derivados da erosão ácida (inibir a desmineralização) (Godinho, 2013) (Sa, et al., 2012). Da mesma forma, também o grupo de investigadores de Sun et al (Sun, et al., 2011), estudaram a diferença entre produtos de branqueamento dentário com a mesma concentração diferindo entre um pH neutro e um pH ácido; tendo chegado às mesmas conclusões que Sa et al. A desmineralização ocorrida potenciada pela erosão ácida derivada do produto de branqueamento pode resultar em alterações significativas na morfologia do esmalte e numa diminuição da microdureza (Salehi, et al., 2007) (Sun, et al., 2011) (West & Joiner, 2014).

Para além das diferentes concentrações do agente ativo e do valor de pH em ambos os produtos estudados, os diferentes resultados obtidos podem ser devido à diferente cinética de libertação do PH em meio aquoso. Comparando os valores obtidos no protocolo 1, o produto A poderá ter uma maior cinética de libertação do PH (totalidade do conteúdo de PH libertado para o meio) do que o produto B, no tempo de aplicação praticado, tal como investigado anteriormente por Silveira (Silveira, 2015).

Não foram observados os picos nas bandas de 880 e 1400 cm-1 indicando a presença de PH nem aos 1552 cm-1 característicos do grupo oxigénio (O2), tal como observado nos estudos de Silveira et al (Silveira, et al., 2012) (Silveira, 2015). A escovagem após cada aplicação do produto de branqueamento terá eliminado o PH à superfície do dente e o O2 residual terá sido removido facilmente devido às propriedades antioxidantes da saliva. Ainda assim, para medir qualquer um destes picos o tempo necessário de aquisição teria de ser prolongado para várias horas ou dias, tal como realizado pela equipa de Silveira et al (Silveira, 2015).

Tendo em conta os resultados obtidos, in vitro, pela espetroscopia Raman existe plausibilidade biológica de que a camada aprismática dos vários espécimes tenha sofrido erosão permanente expondo as sucessivas camadas de esmalte, sendo que a saliva humana utilizada apesar de minimizar o GD não preveniu a desmineralização na sua totalidade. Deverão ser efetuados futuros estudos com uma renovação da saliva diária de modo a se investigar se a cinética de remineralização é influenciada pela constante renovação deste fluido biológico. De modo complementar, dever-se-á estudar também o branqueamento dentário com agentes remineralizantes extrínsecos (ricos em

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minerais como o F) de modo a compreender-se como é que estes poderão prevenir o desgaste ocorrido durante o processo.

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