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Gravações no apartamento

No documento Cine com ciência : luz, câmera - educação! (páginas 164-171)

"Vou ver televisão. Mais um filme que se vê Tem de tudo um pouco, só não tem você... E eu me sinto em plena ação, mas no fim do tubo, não tem solução!"

"Telenotícias", de Ritchie (1985).

Iniciamos as cenas no apartamento em que morariam as personagens Julia e sua mãe Beth. Mais uma vez utilizamos o que dispúnhamos - o apartamento de um dos envolvidos no filme. Beal sugere que se utilizem espaços próprios para filmagens ao invés de se investir em cenários: “Para a maioria dos amadores, estúdios propriamente ditos estão fora de cogitação. Em lugar disso, será preciso trabalhar na casa de alguma outra pessoa e o aposento escolhido deverá ser adequado.” (BEAL, 1974, p. 148)267

. Quatro alunos e a professora Manuela participaram das filmagens. Ao chegar, a equipe assistiu na TV as gravações já realizadas no Ginásio, na Escola e no Centro de Saúde. Pelas expressões e comentários, todos gostaram do que viram. Foi feita a passagem do texto como uma “leitura dramática”268 antes das gravações. A ideia era realizar todas as filmagens do apartamento de uma única vez (cinco pequenas sequências), conseguimos fazer uma, a Sequência 1. Além da inexperiência com a produção cinematográfica, os jovens tinham pouca disponibilidade de tempo, visto que também faziam cursos. Era preciso realizar tudo em poucas tardes.

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BEAL, J. David, Tradução de Aydano Arruda. Super 8 e outras bitolas em ação. Summus Editorial, São Paulo, 1974.

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Leitura Dramática é um recurso utilizado no teatro em que o texto é lido com inflexão de voz e alguns gestos, antecipando o que os atores realizarão quando das filmagens.

Filipe dirigiu a sequência da personagem Júlia acordando, se arrumando e dialogando com a mãe antes de sair da residência. O aluno Gustavo fez imagens para o making of. Antes das filmagens, foi definido como posicionar as personagens, pois não estava indicado no roteiro. No apartamento tinha um “elíptico” - equipamento de ginástica que movimenta braços e pernas, simultaneamente. A cena foi montada com Júlia acordando tarde e já encontrando sua mãe fazendo exercícios. Aulas de espanhol, em vídeo, ajudaram a compor a cena: A filha, ainda sonolenta, ao abrir a porta do seu quarto, viria sua mãe realizando atividade física e estudado ao mesmo tempo. Esta cena cumpria um de nossos objetivos na oficina: apresentar o maior número possível de disciplinas e situações de estudo. Ali estavam evidenciadas duas matérias: Educação Física e Espanhol.269

Na cena, a jovem acorda e sai do seu quarto para a sala – do escuro para o claro. Assim, a personagem e o espectador encontram-se em mais um dia de sua rotina. A porta foi um elemento importante - introduziu a dinâmica das luzes, movimentos e ações cotidianas.

As imagens foram realizadas à tarde, no entanto, o quarto pode ser bem escurecido e o despertador modificado, indicando que a personagem acordara às seis horas da manhã. Foram feitas modificações no cenário para dar maior verossimilhança.

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Em outra cena, e já reabilitada da dengue, foi Júlia quem surpreendeu a mãe, acordando antes dela, e se exercitando no "elíptico", enquanto estudava Inglês.

Nas cenas do banheiro, a atriz acende as duas lâmpadas disponíveis, gesto que melhorou a captação das imagens sem a necessidade de luzes extras. Júlia posiciona-se diante do espelho. Dentro da história, aquele era o terceiro espelho em 1min20 de vídeo que refletia sua imagem. Sobre o espelho, o dicionário de símbolos menciona: “O que reflete o espelho? A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência: Como o Sol, como a Lua, como a água, como o ouro. Lê-se em um espelho do museu chinês de Hanói, 'seja claro e brilhante e reflita aquilo que existe dentro do seu coração'.” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1991, p. 393)270. Júlia teria um dia em que os sentidos de verdade, sinceridade, amor, companheirismo e consciência seriam colocados à prova.

Ao final do trabalho, gravações foram citadas e debatidas, indicando as melhores cenas que poderiam compor a montagem do vídeo. Lembrando ser a edição o estágio que permite a sintaxe da narrativa, disse-nos Filipe “a montagem é a alma do filme, ela pode ser legal ou acabar com o filme”. As cenas foram gravadas algumas vezes, justamente para que tivéssemos alternativas na edição, que viria.

Faltava elaborar alguns diálogos. Neles, Daniel ensinaria Júlia assuntos ligados às disciplinas da escola. A montagem desses diálogos deveria ser de fácil construção, mas não

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CHEVALIER Jean & GHEERBRANT Alain. Dicionário de Símbolos. 5a edição, Rio de Janeiro: José Olímpio, 1991.

foram. Apesar de saberem da importância dos diálogos, a equipe estava mais empolgada com outras vertentes da criação da história, do que com as matérias da escola.

Em outra filmagem no apartamento, o relógio da cozinha precisou ser eliminado para não confundir as temporalidades. As imagens do relógio foram cortadas na edição.

Para compor o cenário foram utilizadas fotos pessoais da aluna Ana Rangel e outra foi produzida quando Júlia aparece com sua mãe, Beth. As fotos compuseram o quarto da filha e o escritório da mãe. Esse detalhe foi suficiente para criar o ambiente da residência das personagens. Interessante como as fotos chamaram a atenção de algumas pessoas que assistiram ao vídeo. Nos debates que sucederam às projeções, alguns espectadores destacaram o cuidado do grupo com esse detalhe no cenário.

Figura 91 - A professora Manuela e sua Aluna Ana Rangel. No vídeo, mãe e filha. Figura 90 - Escolhemos os enquadramentos que escondessem o relógio da cozinha.

Em outro dia, foram gravados os áudios em off da personagem Júlia para o início e fim do vídeo e a cena em que ela, ao telefone, conversa com seu namorado, Pedro. Nesta cena houve um erro de continuidade. O cabelo de Júlia estava diferente e só foi notado pela própria Ana Rangel, que percebeu que deveria ter gravado com o cabelo preso, pois assim aparece na cena que antecede e na que sucede ao telefonema, filmadas em dia anterior. Este é um fato em que os espectadores geralmente não percebem, mas que, depois de visto, "salta aos olhos".

Neste dia, os membros da equipe apresentaram certa desenvoltura. Já não eram necessárias tantas repetições. O trabalho fluiu. Foram gravadas também as imagens em que Daniel ajuda sua colega Júlia a estudar Matemática, Biologia, Física e Química. Na oficina do Cine Com Ciência pedimos que os alunos tivessem, como desafio, preparar as aulas/explicações que Daniel daria para Júlia, de assuntos estudados por eles na sala de aula. Filipe, como Daniel, teria que ser convincente. Logo, precisaria estudar o assunto, inclusive algumas disciplinas das quais ele próprio, Filipe, não gostava. No dia das filmagens apresentaram o que seria abordado. Em Matemática, noções de trigonometria; em Física, espelhos esféricos; em Química, ácidos; em Biologia, estrutura física dos animais. Antes das gravações, a própria Ana Rangel orientou seu colega Filipe sobre como seu personagem Daniel deveria ensinar trigonometria à Júlia. Combinaram que Daniel falaria do conceito de “seno” e logo pediria a Júlia para que completasse o conceito de “cosseno”. A cena do estudo de Biologia também foi montada pelos alunos. Desta vez, a personagem Júlia responderia para Daniel perguntas sobre detalhes da classificação dos animais. Duas semanas depois das filmagens, os alunos estavam realmente fazendo suas provas bimestrais na escola. Ana Rangel disse que durante a avaliação se lembrou das gravações em que sua personagem Júlia

estudava Biologia com Daniel e que isto a ajudou na resolução de uma das questões que, efetivamente, teve que responder na avaliação bimestral.

Houve um cuidado especial com o figurino. Filipe e Ana Rangel levaram algumas roupas e adereços para vesti-las em tomadas diferentes e assim representar, na história, visitas de Daniel à Júlia, em dias variados. Os alunos foram convincentes nas representações de suas personagens.

Ainda com relação a sequência do apartamento, havia a mudança de tempo de um dia para o outro. O recurso utilizado foi o de manter a câmera fixa numa janela do apartamento e filmar a vista projetada à sua frente. Foram feitas gravações em vários momentos do dia: às 16h, 17h30, 18h30, 20h, 5h30, 6h, 7h. Nesses horários conseguimos imagens do céu com várias luminosidades. Era o que precisávamos para indicar a passagem de um dia para outro, quando a personagem Daniel voltaria a visitar Júlia. Sobre a necessidade desse interlúdio na mudança de um dia para outro Carrière (1995, p. 118) escreveu: “[...] por que é tão difícil em cinema passar de uma noite à seguinte sem uma interrupção? Mesmo um breve interlúdio diurno quase sempre parece essencial, tanto para os cineastas como para os cinéfilos, até nos mais escuros filmes noir.”271

271 CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

Na edição, retiramos cerca de 1 segundo de cada gravação e a montamos sequencialmente. A composição da paisagem vista pela janela do apartamento de Júlia e Beth é mostrada em luminosidades distintas. O registro das imagens, para ser bem sucedido, exigiu que a câmera permanecesse fixa durante todo processo. E o impacto das imagens se sucedendo, em poucos segundos, no momento da projeção, impactou positivamente os espectadores que comentaram a beleza estética como a transição foi apresentada.

No documento Cine com ciência : luz, câmera - educação! (páginas 164-171)

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