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Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

O GTDN, analisado exaustivamente por diversos estudiosos do desenvolvimento nordestino7 nasce, portanto, de uma necessidade de se

estabelecer uma coordenação para a ação governamental no Nordeste. É oportuno dividir os trabalhos do Grupo em duas etapas: antes e depois da intervenção de Celso Furtado.

Em sua etapa inicial, embora tenha sido criado por empenho pessoal do Presidente Kubitscheck, o Grupo dispunha de pouca autoridade e tinha apoio financeiro incerto. Além disso, o interesse e a energia do Presidente concentravam-se no Projeto de Brasília:

Mas o Grupo de Trabalho realizou valiosos estudos de planejamento em setores como o de transportes e de recursos minerais. Também pesquisou, pela primeira vez, todas as atividades federais e dispêndios no Nordeste. Por exemplo, um relatório do GTDN identificou pelo menos 40 (quarenta) grupos isolados do Governo Federal atuantes no Nordeste, somente no setor agrícola (ROBOCK, 1964, p. 114).

Não obstante isso, coube a Celso Furtado, recém chegado das Nações Unidas, a responsabilidade de intervir no Grupo para averiguar o porquê da lentidão dos trabalhos. O Grupo, diga-se de passagem, tinha sua

7 Ver, por exemplo, SILVA FILHO (1997), ARAÚJO (1997), ALBUQUERQUE (1997), SOUZA (1997), DUARTE (1994), SICSÚ e DIAS (1997).

sede localizada no Rio de Janeiro. Assim que se inteirou do que lá ocorria, Furtado compreendeu que:

Seriam necessários pelo menos cinco anos para que a pequena equipe de técnicos coletasse informação disponível sobre a região, digerisse o seu conteúdo e apresentasse um relatório com todas as precauções que caracterizam esses documentos saídos de instituições multilaterais. Não havia no grupo nenhuma pessoa com conhecimento de conjunto região, e menos ainda economistas especializados em desenvolvimento. Uma equipe assim improvisada e sem direção competente, servia apenas de escusa para que o governo pudesse dizer que a questão nordestina estava sendo devidamente estudada e que oportunamente passaria a ação (FURTADO, 1997, p. 68-69).

O resultado da intervenção pode ser apreciado no documento produzido por Furtado, em nome do grupo, Uma Política de Desenvolvimento

Econômico para o Nordeste, aqui referido como o documento do GTDN. O

documento do GTDN, elaborado para a apreciação do Presidente da República em 1959, se pretende uma visão radical dos problemas enfrentados pela sociedade nordestina. A intenção é a de apresentar “um

conjunto de recomendações concretas que, levadas à prática, poderão modificar os dados desse (problema nordestino) e encaminhar uma solução definitiva do mesmo” (GTDN, 1959, p. 7). Nada menos.

O documento caracteriza o problema regional através de

números que evidenciam a disparidade de riquezas entre as regiões brasileiras; por exemplo, enquanto que a renda per capita do chamado

Centro-Sul era de US$ 303, a do Nordeste era de apenas 1/3 deste valor. Valor que correspondia à metade da renda per capita brasileira.

Mas a que se devia atribuir este subdesenvolvimento da Região Nordeste em relação ao Brasil?

O GTDN (1959) aponta os seguintes fatores como determinantes do atraso regional:

a) Relações Econômicas desfavoráveis do Nordeste para com o Centro-Sul do País;

b) Gastos do setor público que privilegiam a região mais rica do país;

c) Existência de um arcabouço institucional que perpetua, na Região, o atraso econômico e social.

Os fatores acima, que podem ser entendidos como ligados à própria política de desenvolvimento do País, agravam os efeitos decorrentes das restrições de ordem material. Ou seja, a disponibilidade relativa de

recursos naturais, tais como água e terra arável. Desta forma, a solução para o problema ocasionado pelas secas não estaria apenas na construção de obras de natureza hidráulica.

Para corroborar o primeiro item acima, Celso Furtado mostrou

exterior e déficit em suas relações comerciais com o Centro-Sul do País. Conclusão: “o Nordeste não utiliza em sua totalidade as divisas geradas pela exportação” (GTDN, 1959, p. 23). Portanto, “fornecendo divisas ao Centro- Sul, tem contribuído para o desenvolvimento desta última região com o fator

mais escasso: capacidade de importação” (GTDN, 1959, p. 25).

É uma conclusão tipicamente mercantilista e, como tal, de forte apelo ao senso comum. Embora não carregue nas tintas, o documento dá a entender que o Centro-Sul se desenvolveu naquele momento histórico às

custas dos bens primários exportados pelo Nordeste. Opinião partilhada por Rômulo Almeida (1985).

Qualquer pessoa familiarizada com a mecânica de lançamento de um Balanço de Pagamentos de um país saberia que, em observância aos

princípios das partidas dobradas, um déficit nas Transações Correntes – que incluem a Balança Comercial – é respondido por movimentos contrário na Conta de Capitais.

Um país que apresenta superávit em suas transações comerciais pode utilizar estas divisas como reservas ou investi-las no exterior. Transplantando este raciocínio para o Nordeste da época, o que estaria acontecendo é que o empresariado nordestino estaria “investindo” no resto

do país. Investindo em quê? Na aquisição de máquinas e equipamentos necessários ao aprimoramento tecnológico de suas atividades. Caso achasse economicamente mais viável adquirir uma máquina no exterior, segundo os

ditames da racionalidade implícita em cada agente econômico, o empresário nordestino o faria. Seria, então, um caso de um agente racional comprando (e vendendo) em um mercado livre.

O que o GTDN chama a atenção, no entanto, é que a opção de

compra de maquinário por parte dos empresários nordestinos não era livre, pelo contrário, era limitada por uma política industrial que favorecia a aquisição do produto nacional – onde quer que ele fosse produzido, ou seja, no Centro-Sul.

Ao empresário nordestino não restava outra alternativa se não comprar máquinas mais caras produzidas no Centro-Sul: sua racionalidade

era limitada por uma política industrial que negava o livre comércio.

O segundo fator apontado pelo GTDN como importante na manutenção do atraso regional, a saber, gastos do setor público, refere-se ao papel que a variável fiscal teria na busca de uma sociedade mais igualitária do ponto de vista regional.

É por meio da arrecadação e do dispêndio que o Estado pode implementar uma política redistributiva do ponto de vista regional. O documento do GTDN diz, a esse respeito que o Estado brasileiro gastava mais na Região do que arrecadava. Entretanto, o gasto era menos em

investimentos produtivos – infra-estrutura, por exemplo – que “simples subsídios ao consumo. Tais gastos, muito pouco ou nada contribuem para

aumentar a capacidade produtiva da região, ou para criar fontes permanentes de emprego” (GTDN, 1959, p. 47-48).

Por fim, o GTDN (1959) trata do problema da seca, um problema de natureza mais social que de natural.

O que mantinha a miséria no Nordeste não era tanto a falta de chuvas, mas sim o tecido de relações econômicas e sociais que, de modo algum, poderiam ser taxadas de modernas.

A forma mais eficaz de combater os efeitos da seca era a

diminuição da parcela de subsistência da economia do semi-árido. A população excedente deveria abandonar, por meio de um conjunto de incentivos apropriados, as áreas onde a miséria fosse mais latente8. Para

contornar o obstáculo das secas, o documento do GTDN (1959) defendia o deslocamento da fronteira agrícola da economia nordestina.

O documento do GTDN (1959) é bastante comedido ao apontar a estrutura fundiária como elemento de atraso da Região. Não há, no texto,

qualquer referência à reforma agrária.

Em entrevista mais recente Celso Furtado (1998, p. 34) embora mantenha sua posição inicial de que é preciso “levar gente para outras áreas, para o Maranhão, colonizar onde há terras abundantes”, menciona

8 O excedente populacional é definido no GTDN como sendo o excesso de mão-de-obra por sobre uma dada organização da atividade econômica. Se, por exemplo, a atual estrutura produtiva requer apenas 100 dos 150 trabalhadores, os 50 restantes são classificados de “excedente populacional”.

como alternativa a recolonização de terras da Zona da Mata mediante a desocupação de áreas economicamente improdutivas.

Segundo o GTDN, o vetor de transformação da paisagem econômica nordestina seria a industrialização. Neste aspecto, é possível

dizer, o documento filia-se à tradição cepalina que defendia a mudança na estrutura produtiva de um país como condição necessária ao seu desenvolvimento. Celso Furtado trabalhou, antes de assumir o GTDN, na CEPAL. A própria noção de desenvolvimento, conforme percebida no Brasil,

estava intimamente associada à industrialização (SILVA FILHO, 1997; GOODMAN; ALBUQUERQUE, 1974; LAFER, 1997; BARROS, 1997; ARAÚJO, 1997).

“O GTDN conclui (...) que a industrialização seria a única

solução”, viável para o desenvolvimento da Região (GOODMAN; ALBUQUERQUE, 1964, p. 160).

No documento, o programa de industrialização sugerido atuaria

em duas frentes: reorganização e modernização das chamadas indústrias tradicionais e diversificação da produção pela implantação de indústrias de base. O GTDN defende, então, o estabelecimento de siderúrgicas, dado o seu alto poder estruturador (GOODMAN; ALBUQUERQUE, p. 1974).

Este documento causou boa impressão no Presidente

Desenvolvimento Econômico do Nordeste (CODENO) instituição que seria transformada, logo depois, na Sudene.

A Lei que criou a autarquia foi aprovada e promulgada em 15 de Dezembro de 1959, começando a funcionar em março do ano seguinte,

incorporando para tanto a equipe e o programa do CODENO (ROBOCK, 1964).