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CAPÍTULO IV RESULTADOS

4.2. Grupo de Discussão

O procedimento do grupo de discussão foi descrito anteriormente em coleta de dados. A

duração da dinâmica foi de 16 minutos e participaram 8 Psicólogos. Durante a realização do grupo,

todos os participantes expuseram suas opiniões nas duas cenas apresentadas, sem a intervenção da

pesquisadora.

A primeira cena fazia referencia a uma conversa entre dois personagens em um pátio de um

hospital psiquiátrico, onde os mesmos se apresentavam e o interno que estava há mais tempo

explicava as regras de funcionamento do local para quem tentasse fugir, e na sequência da cena,

apareciam outros internos, em condições precárias, por exemplo, com roupas rasgadas, falando

palavras soltas ou vagueando. Ao término da cena, foi lançada a pergunta sobre ser normal chamar

as pessoas de doidas, já que é o que elas são.

A maioria dos discursos dos profissionais apontou que não é natural chamar as pessoas de

doidas, mas que já se naturalizou, e que eles mesmos falam, sem avaliar as consequências. Também

revelam, ainda, a associação entre a loucura e o indivíduo que não se adapta às regras impostas pela

sociedade, ou invés de questionar o modo de organização social. Contudo, esses discursos serão

analisados com mais profundidade no Capítulo das Discussões. Os fragmentos estão dispostos da

forma como as discussões ocorreram, por isso inicia pelo “P

9

”.

P9: É... Que é natural chamar as pessoas de doida não é natural... mas eu não conheço nenhuma pessoa sã. Todo mundo tem... tem um pouco que, que eu digo assim, na nossa sociedade pra mim, o quê que [sic] importa quando a gente coloca, alguém que é doido ou... é o que foge a norma social... o que não é padrão, que não tá [sic] naquele quadrado... é doido, é louco, e pra mim, em algum momento a gente vai sair do padrão (...)

P8: (...) A questão de ser natural ou não ser natural, já tá [sic] bem... debatido, bem difundido. Toda essa ideia de que todo mundo pode ser um dia... a gente debate, a gente consegue né... expandir, mas... que continuamos né, até nós mesmo profissionais de saúde às vezes a gente... Fala né! “Fulano... assim, não atendi nenhum doido, doido mermo [sic] hoje não né” [risos]. (...) Acho até que a gente categoriza, o louco como aquele que... que tá fora totalmente dos padrões... totalmente! não um pouquinho né! Mas é muito complicado mesmo.

P6: Acho que é muito construído né, porque às vezes uma pessoa tem um... teve um problema familiar e aí soltou todas as verdades... “Vixe, [sic] mas ela parecia tão normal...” Por mais que tenha realmente uma preocupação de não tá reproduzindo estereótipos, nem preconceitos, mas a até a gente fica “Vixe! [sic] Hoje eu to [sic] tão tranquila”, né? [alguns psicólogos concordam com o discurso] “Hoje não apareceu nada demais”, mas esse nada demais, eu acho que é exatamente... isso.

P7: É, acho que a necessidade de dá [sic] nome as coisas, de dizer “ah! você é assim né, você é assim...”, é nosso DSM V que tá lá tudo né, certinho. Acho que entra isso também né. Eu concordo com que você disse [referência ao que Psicólogo 9 disse], a questão que todo mundo sai um pouco desse... desse padrão né.

P4 (...) Se é natural ou não... Eu não quero saber a ontologia da natureza da questão, mas que tá naturalizado tá né, isso. Sei lá, a gente nossos... manicômios internos e a gente naturaliza essa exclusão. Essa exclusão ela tá naturalizada né? muito. Agora assim eu não consigo vê como natural né, essa diferença, pra mim ela muito mais uma questão construída do que natural, mas que se naturalizou socialmente.

P1: (...) também acho que a vida tem sido uma grande adequação, assim, certas normas... e as pessoas vem se ajustando aqui e ali, e de repende quando se desajustam, certos desajustes não mais valorizados que outros né.

Embora reconheçam a construção histórica do termo “doido”, não é suficiente para ter um

posicionamento crítico da maioria em relação à palavra, pois até usam em seu cotidiano,

demonstrando, como pensam os autores da Teoria Crítica, o preconceito é um conceito construído

socialmente, e há um componente subjetivo, à medida que percebemos a diferença de entendimento

entre os dois últimos fragmentos (P

4

e P

1

) e os quatros primeiros (P

9

, P

8

, P

6

e P

7

), nestes últimos,

parece está tão introjetado que não consegue perceber seu próprio preconceito e mesmo quando

percebem, não é suficiente para mudar “Fulano... assim, não atendi nenhum doido, doido mermo

hoje não né” ou “Hoje não apareceu nada demais”. Termina a discussão dessa cena, quando os P

4

e

P

1

afirmam que categorizar alguém é uma forma de violência.

O doido das falas aparece como, “o que foge a norma social”, “totalmente, não é só um

pouquinho né!”, é aquele que fala a verdade, “soltou todas as verdades... Vixe, mas ela parecia tão

normal” é também aquilo que é divulgado pelo DSM V, “é nosso DSM V que tá lá tudo né,

certinho”. Olhar para essas falas é perceber a sociedade perversa em que estamos inseridos, onde

falar a verdade é ser doido, pois este é aquele que escapa a regra. Essa construção social é também

psicológica e continua a perpetuar mesmo entre os profissionais, que de certa forma, são

responsáveis por desconstruí-la.

Na segunda cena, apresenta o personagem principal tentando dialogar com o Doutor que

entra no quarto do hospital psiquiátrico, o qual examina o personagem, mas não o escuta quando

tentar falar. Finalizada a cena, é apresentada a segunda frase para discussão, sobre ser difícil levar

em consideração o que as pessoas que fazem tratamento em saúde mental falam, pois às vezes eles

falam coisas estranhas.

Nas respostas dos Psicólogos todos concordaram que a fala do usuário deve ser levada em

consideração, mas que essa é uma dificuldade dos outros profissionais que trabalham nas equipes,

também dos familiares, mas não dos Psicólogos, parece que estão imunes a isso. Contudo, aparece

contradições nas falas.

P8: Eu acho que... que nós da categoria não, que a gente já vê na faculdade... a gente vê na teoria que o que paciente trás é verdade, nem que seja a verdade dela [sic], mas a gente... até considera. Mas pessoas que não são da categoria chegam a perguntar... e aí? A gente às vezes faz atendimento compartilhado... elas realmente não tem essa, essa, habilidade né.

P4: (...) todo mundo fala coisas estranhas né, em vários momentos da vida, todas as pessoas falam coisas estranhas. Mas quando é um dito normal que fala coisa estranha, aí é só... “ah! ele não soube se expressar”, aí quando é uma pessoa que tem transtorno mental, Ave Maria! Ninguém dá 1% de audiência pra [sic] ela.

P3: (...) A gente não tem esse direito de negar o que o outro diz. A gente escuta. Se a gente vai concordar ou não com aquilo, achar que é mentira ou verdade, não cabe a gente emitir um juízo de valor no momento.

P6: (...) É muito complicado. Às vezes a gente vai atender, aí a gente fala com o usuário depois fala com a família, aí a mãe e irmã diz “Não, não foi assim não, foi dotro [sic] jeito”. Mas esse jeito assim, como é que foi? “Não, mas não foi assim não, é tudo mentira”. Aí fala na frente dele [do usuário]. Gente essa é a pior coisa que... na frente, atrás, é... é a pior coisa, porque o vínculo não tem nenhum. Se ele tiver sentindo a mesma coisa ele não vai contar nunca pra eles, aí nunca se trabalha essa expressividade, pelo menos não no ambiente familiar.

P9: (...) Essa frase é bem comum, nas Unidades de saúde. Porque ninguém que [sic] escutar essa fala... Porque é visto como besteira né, (...) Meu papel enquanto unidade de saúde é o que? Cessar esse delírio, essa alucinação. Não me importo o jeito que você vai ficar, mas se você fala que acabou a alucinação, eu fiz meu papel enquanto técnica de saúde. (...) É o que foi falado, é a realidade dele, isso em algum momento vai ser instrumento de trabalho, em algum momento aquela fala dele, o que trás vai servir pra... pra [sic] que ele né, leve a vida dele da forma que ele melhor se adapte. Então, não é valorizado. Eu acho que assim, tirando a categoria psicólogo... é muito difícil encontrar outros profissionais que valorizem esse discurso ou então que pare para pensar nesse discurso.

É difícil pensar que psicólogos emitissem posicionamentos diferentes destes apresentados

nos fragmentos acima, afinal a atividade de escuta do outro é função do Psicólogo. Mas é

interessante notar que há nos fragmentos contradições, por exemplo, no P

8

“vê na teoria que o que

paciente trás é verdade, nem que seja a verdade dela, mas a gente... até considera”, a palavra “até”

trás a ideia de que é possível considerar, mas será que para este psicólogo é sempre?

No caso do P

6

fala da dificuldade da família, dizer na frente do usuário a verdade, esse é o

mesmo Psicólogo que ressaltou na questão anterior que falar a verdade é ser doido. Mais uma vez,

falar a verdade, especificamente para este Psicólogo, é um problema. O discurso de P

9

deixa claro

que sua função, enquanto técnica de saúde, é “cessar esse delírio, essa alucinação”. E que a fala do

usuário “em algum momento aquela fala dele, o que trás vai servir pra... pra que ele né, leve a vida

dele da forma que ele melhor se adapte”.

Pode-se pensar que o delírio é o que permite o desenvolvimento tecnológico produzir um

conhecimento desvelando o normal e o doente, o Psicólogo tem a função de

“consertar”

tecnicamente este que detém o delírio ou que contém a verdade. Contudo, para a Psicanálise, que

embasa os estudos da Teoria Crítica, a verdade e o delírio, um dos paradigmas da loucura, são

tomados em um mesmo nível, suspendendo a dicotomia entre razão e desrazão. Para Freud (1996b,

p. 125) “também o delírio contém um grão de verdade”. A reflexão é que o discurso dos usuários,

em todos os momentos é importante, incluindo no delírio. Negligenciar ou não ter a percepção disso

é uma forma de preconceito.

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