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Os grupos de trabalho e os ofícios da Casa Real Portuguesa no Rio de Janeiro

Capítulo 2 A Casa Real Portuguesa nos trópicos

1. Os grupos de trabalho e os ofícios da Casa Real Portuguesa no Rio de Janeiro

Para definirmos a Casa Real que serviu D. João VI ao longo dos treze anos em que a realeza permaneceu no Rio de Janeiro podemos usar três adjetivos: ela era interligada, diversa e numerosa. O caminho para chegarmos a essa caracterização passou, especialmente, pela leitura e análise da documentação em posse do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro (ANRJ), onde estão depositados códices e papéis avulsos que foram produzidos no âmbito do funcionamento da Casa entre 1808 e 1821. Essas fontes refletiram o quanto a domesticidade régia tinha uma estrutura interligada, responsável pela realização de uma série de tarefas e composta por diversos servidores.

A documentação revelou que eram essas atividades a serem executadas pela Casa que acabavam por agrupar, de forma mais ou menos institucionalizada, muitos de seus oficiais. Em outras palavras, se esboçaram perante nós, a partir da análise da documentação, facetas da organização do trabalho na domesticidade régia sediada à época no Rio de Janeiro. Esta percepção é fundamental para percebermos o funcionamento e os meandros da Casa, justamente porque aponta para a ideia da interligação: uma estrutura definida, coesa e, ao mesmo tempo, interligada. A noção de que a Casa Real Portuguesa buscava se organizar conforme as atividades desempenhadas ali também foi observada por outros autores. Como vimos no Capítulo 1, Pedro Cardim, em seu estudo sobre a Casa Real Portuguesa dos seiscentos, esboçou uma organização da domesticidade em ‘secções’, marcadas pelo desempenho de atividades específicas: “Câmara e Casas”, “Capela”, “Cozinha e Mesa”, Guarda”, “Estribeira e Acompanhamento”, “Caça e Coutadas”1.

Nesse sentido, percebemos que talvez a melhor forma de reunir informações muitas vezes dispersas na documentação e mostrar, esquemática e visualmente, os adjetivos que estamos atribuindo à Casa Real desse período, seria construir um organograma dela. É preciso frisar que este esquema é uma proposta para se contemplar a Casa Real no período, e o formato de organograma nos pareceu a melhor maneira de sintetizar a Casa de então. Mas vale lembrar que o caráter hierárquico que permeia o organograma nem sempre se encaixa para a instituição que estamos analisando. A única hierarquia que frisamos nesse instrumento de pesquisa é a preeminência do rei como senhor da Casa, colocado ao topo. Abaixo do monarca destacamos o oficialato, sem qualquer precedência, pois a documentação consultada não dá margem para conclusões desse tipo2.

Estes oficiais foram agrupados em nosso organograma de acordo com o que foi apontado pela documentação. Optamos por usar o termo “grupo” ou “agrupamento”, em detrimento de termos como “setor” ou “setores”, porque não nos pareceu haver uma noção generalizada de setorização na documentação. Imperava na domesticidade joanina do início do XIX uma organização conforme as atividades a serem desempenhadas. As fontes do ANRJ deixaram claro que, à época, entendia-se a Casa

1 CARDIM, Pedro. “A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade dos

seiscentos”. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, nº 13, s/d, p. 21-22 (45 pp).

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O organograma “Ofícios que compunham a Casa Real ao longo de sua estada no Rio de Janeiro (1808- 1821) de acordo com a documentação do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) encontra-se no Anexo II desta dissertação.

como composta pelos seguintes grupos de serviço: Câmara Real, Capela Real, Cozinha//Manteria/Ucharia, Mordomia Mor, Reais Cavalariças, Real Casa de Obras e Paços Reais, Real Coutada, Real Enfermaria dos Criados da Casa Real, Real Guarda e Tesouraria da Casa Real. Além disso, há um vasto conjunto de oficiais citados pela documentação do ANRJ como pertencente, em algum grau, à Casa Real (no mínimo, recebendo seus ordenados por essa repartição), mas não há indícios claros se, à época, eles compunham outros agrupamentos. Dessa forma, optamos por reuni-los no organograma sob uma denominação nossa: “Outros oficiais a serviço da Casa Real”. Assim, eles figurarão em nosso instrumento de pesquisa, mas sem gerar grupos que à época podiam não ser entendidos como tais3.

Vamos nos ater, agora, à diversidade das atividades que eram desempenhadas na domesticidade régia a serviço de D. João no Rio de Janeiro. Para tal, repassaremos um a um os grupos que compõe o organograma. Essa é a melhor maneira de perceber o leque variado de tarefas que os diversos oficiais da Casa precisavam desempenhar. O primeiro grupo a destacar é o dos oficiais que atuavam nos aposentos do soberano, na chamada Câmara Real, o espaço íntimo do soberano e dotado de enorme importância. Em linhas gerais, era nesse espaço que o rei cuidava de seu corpo (dormia, se vestia, fazia sua higiene) e tomava parte de suas decisões políticas (despachando assuntos de governo, por exemplo), sendo auxiliado e assistido por diversos oficiais da Casa Real. Não era diferente com D. João no Rio de Janeiro. Nesse espaço entendido como a Câmara Real ele não só se cuidava, mas também despachava assuntos de governo num dos cômodos ao qual a documentação consultada várias vezes se referiu como o “Real Gabinete”.

O estudioso Pedro Cardim frisou que, se servir o rei já era entendido como algo importante, o serviço desempenhado na intimidade da sua Câmara – e, portanto, próximo ao corpo do rei – era mais destacado ainda. Isso explicaria porque, dentre todos os ofícios disponíveis na domesticidade, era muito interessante a um indivíduo e sua família ter um cargo no quarto do rei. Era a chance de adentrar um ambiente no qual o acesso era muito controlado, uma vez que era necessário ser autorizado para estar ali e, ainda que se tivesse tal autorização, não significava estar junto à pessoa do rei. O que se entendia por Câmara Real era um conjunto de cômodos – antessalas, corredores,

3 Como é possível verificar no organograma, os diversos agrupamentos que o compõem estão dispostos

em ordem alfabética. Tal escolha se deu para evitar uma falsa impressão de precedência entre um grupo e outro.

galerias, gabinetes – igualmente controlados, e nem sempre se estaria onde o soberano estivesse4.

Os reis portugueses tinham por tradição longeva manter junto de si uma capela, que servisse a eles e seus parentes consanguíneos em sua religiosidade. Esta igreja estabelecida junto ao monarca era chamada de Capela Real, e seus oficiais faziam parte do quadro da Casa Real5. Como colocou o historiador Diogo Ramada Curto, a capela régia era um espaço dotado de aparatos destinados ao serviço cerimonioso e ritualístico, tendo grande destaque não só no dia a dia da realeza e sua Corte, mas papel importante quando ocorriam as festas e celebrações da monarquia6. Quando do estabelecimento da Casa Real no Rio de Janeiro, e ao longo de todo o seu funcionamento entre os anos de 1808 e 1821, a posição de importância desfrutada pela Capela Real se manteve.

Nesse sentido, alguns documentos podem ser citados no intuito de elucidar melhor o funcionamento e a composição da Capela Real junto a D. João no Rio de Janeiro. Quando decidiu por sua instalação na igreja do Convento do Carmo anexa ao Paço da Cidade (na região mais importante da cidade à época, o Largo do Paço), D. João expediu um alvará comunicando sua escolha. A minuta deste documento dá mostras do quanto a existência de uma Capela junto ao Paço dos reis era importante e antiga, um assunto a ser tratado com a maior dignidade possível, mesmo num momento tão conturbado quanto o da chegada e instalação da realeza na nova sede.

Eu o Príncipe Regente Faço saber (...) que sendo-me presente a situação precária, e incomoda em que se acham o Cabido, e mais Ministros da Catedral desta minha Cidade e Corte do Rio de Janeiro em uma igreja alheia, e pouco decente para os ofícios Divinos; e desejando estabelecer-lhes um local em que com o devido decoro possam exercer o ministério de suas funções sagradas (...); e por outra parte não querendo perder nunca o antiqüíssimo costume de manter junto aos meus Reais Paços uma Capela Real não só para maior comodidade e edificação da minha Real Família, mas sobretudo para maior decência e esplendor do culto Divino (...) fui servido adotar o plano (...) seguinte:

4 CARDIM, Pedro. “A corte régia e o alargamento da esfera privada”. In: MATTOSO, José (org).

História da vida privada em Portugal. Lisboa: Temas e Debates, 2011, p. 169 (41 pp).

5 CURTO, Diogo Ramada. “Ritos e cerimoniais da monarquia em Portugal (séculos XVI a XVIII)”. In:

BETHENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada. A memória da nação: colóquio do Gabinete de Estudos de Simbologia. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1991, p. 229-230 (64 pp).

6 CURTO, Diogo Ramada. “A capela real: um espaço de conflitos (séculos XVI a XVIII). In: Revista da

1º. Que o Cabido da Catedral seja (...) transferido (...) para a Igreja que foi dos religiosos do Carmo contigua ao Real Paço minha residência(...)7.

Outro documento bastante revelador tanto das atividades desempenhadas pela Capela Real quanto das dificuldades financeiras que se mostravam à sua instalação, foi um parecer sem assinatura que defendia a ereção e união da Sé à Capela Real. Logo no início, ele ressalta o quão antigo era o costume dos reis portugueses terem junto a si uma Capela Real: “a Capela Real entre os portugueses principiou com a Monarquia e tem sido conservada constantemente até agora: teve o Senhor D. Affonso Henriques; e todos os seus sucessores se empenharam no aumento, e magnificência do culto na sua Capela”8. Ao mesmo tempo em que o parecer defendia a presença da Capela Real, entendia que aquele momento em que a Coroa havia acabado de chegar ao Brasil não era o mais indicado para gastos desnecessários. Para tanto, defendia que sua montagem no Rio de Janeiro fosse mais enxuta do que aquilo que se verificava em Lisboa, fato que nos sugere que, talvez, a Capela Real instalada no Rio durante a permanência da realeza tenha sido menos volumosa em matéria de oficiais, se comparada com a Capela Real que se verificava em Lisboa.

Como as atuais circunstâncias não consentem que S.A. exercite neste santo objeto toda a extensão da sua Real, e piedosa magnanimidade: pode S.A ordenar a sua Capela com menor número de Ministros, e de maneira que a despesa seja pequena e o culto não padeça falta, nem indecência9.

O corpo de oficiais pode até ter sido diminuído perante as circunstâncias que se apresentavam a D. João quando de sua chegada ao Brasil, porém houve um grande esforço no sentido de manter os estatutos e o cerimonial da Capela Real no Rio de Janeiro nos mesmos moldes que eram observados na Igreja Patriarcal de Lisboa. Segundo a pesquisadora Laurinda Abreu, esse empenho não queria apenas recriar no Rio todo o aparato e cerimonial litúrgico da Patriarcal, mas também implantar na nova

7 ANRJ, Fundo “Casa Real e Imperial – Mordomia Mor”, Caixa 12A, Documento 4.

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ANRJ, Fundo “Casa Real e Imperial – Mordomia Mor”, Caixa 12A, Documento 4.

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Capela Real “toda a simbologia que lhe era imanente enquanto espaço de poder e elemento estruturador das relações existentes no seio da corte10”.

A alimentação era outra atividade que ocupava uma série de oficiais do quadro da Casa Real Portuguesa sediada no Rio de Janeiro, da mesma forma como ocorria há muito tempo na domesticidade régia lusa. O historiador David Felismino explicou que já no século XIII se falava num espaço chamado Ucharia, “por definição, o lugar onde se guardavam as carnes e outros gêneros alimentícios nas casas reais ou de gente abastada11”. Felismino afirmou que os serviços na Ucharia foram ficando mais amplos e complexos ao longo do tempo, até se definir como um “´órgão’ global, congregador e gestor de várias áreas e ofícios, cuja unidade se encontrava no abastecimento e serviço das mesas12”. De um grupo de oficiais – atuantes na Ucharia – o trabalho concernente à alimentação régia chegou ao século XVIII espalhado em três instâncias, que só encontravam seu entendimento completo quando agregados: Ucharia, Cozinha e Mantearia. Por este motivo, o organograma produzido por este estudo traz estes três grupos aliados como “Cozinha/Mantiaria/Ucharia13”.

A mesa assumia-se como motor imutável e unificador das várias secções que actuavam, de acordo com as suas competências, para a mesma finalidade: a alimentação diária. À Ucharia cabia a compra, conservação e fornecimento dos gêneros e produtos alimentares. A confecção dos pratos era feita nas cozinhas. Os múltiplos criados da Mantearia encarregavam-se da manutenção e disposição da roupa de mesa e da baixela a ela necessária14.

Competia, portanto, à Ucharia fazer a compra dos alimentos necessários e cuidar de seu armazenamento (despensa). Segundo Felismino, tarefas complexas que envolviam o controle de gastos e do acesso aos alimentos. Os destinos desses itens eram

10 ABREU, Laurinda. “O estabelecimento da Capela Real no Rio de Janeiro (1808), ou o recurso ao

cerimonial barroco como afirmação de poder”; In: Anais do Seminário Internacional D. João VI: um rei aclamado na América. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2000, p. 379-380 (384 pp).

11 FELISMINO, David Alexandre. “As ucharias da Casa Real portuguesa (1706-1777). Alimentar, servir

e representar o rei”. In: LOURENÇO, Maria Paula Marçal; MILLÁN, Jose Martínez (orgs.). Las relaciones discretas entre las monarquías hispana y portuguesa: las casas de las reinas (siglos XV-XIX). Madrid: Ediciones Polifemo, 2008, p. 417 (30 pp).

12 FELISMINO, David Alexandre. “As ucharias da Casa Real Portuguesa (1706-1777). Alimentar, servir

e representar o rei”. Op. Cit, p. 418.

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A nomeação desse grupo em nosso organograma seguiu uma lógica puramente alfabética ao colocar a Cozinha em primeiro lugar: assim, evitamos a impressão de que um dos espaços teria mais preeminência do que o outro.

14 FELISMINO, David Alexandre. “As ucharias da Casa Real Portuguesa (1706-1777). Alimentar, servir

dois: ou seriam distribuídos como parte do pagamento dos mais diversos oficiais régios – as rações ou comedorias - ou seriam usados pela Cozinha Real para prepararem as refeições da realeza15. Por fim, a Mantiaria cuidava do serviço de mesa do soberano, que compreendia a guarda, manutenção e arranjo de itens de mesa: baixelas – sobretudo de prata - e a roupa de mesa16. O momento da refeição régia era, na maioria das vezes, cercado de cerimonialidades e gestos. No âmbito da monarquia e da Corte, o comer do monarca não era uma gestualidade puramente biológica, mas repleta de dimensões simbólicas, como apontou o pesquisador António Teixeira Fernandes. A importância do alimento e da mesa, tanto no aspecto biológico de alimentar quanto no aspecto simbólico de ritualizar e engrandecer a imagem régia, colocava a tríade Ucharia, Cozinha e Mantiaria como um dos grupos mais importantes da domesticidade régia.

A mesa tem sido, em todas as épocas, objecto de especiais ritualizações. Prestam-se à sua encenação os lugares e os instrumentos destinados à refeição. Os espaços mais ou menos faustos e as ritualizações apoiadas em objectos apropriados são expressão recorrente de poderio. Constituem essencialmente marcas de distinção e de poder17

Conforme já explanado no Capítulo 1, havia foros de fidalguia e filhamentos que eram intrínsecos a Casa Real Portuguesa. A operação de análise de pedidos, conferência de foros e despacho de alvarás aos requerentes e agraciados cabia a um grupo de oficiais que atuavam junto ao Mordomo Mor, o cargo mor mais importante da domesticidade18. O Mordomo Mor possuía toda uma dinâmica de despacho, e, por isso, sua atividade (e o grupo de oficiais que o auxiliavam) apareceu referenciada na documentação do ANRJ

15 FELISMINO, David Alexandre. “As ucharias da Casa Real Portuguesa (1706-1777). Alimentar, servir

e representar o rei”. Op. Cit, p. 423-425.

16 FELISMINO, David Alexandre. “As ucharias da Casa Real Portuguesa (1706-1777). Alimentar, servir

e representar o rei”. Op. Cit, p. 426-427. David Felismino destacou que as baixelas poderiam ser itens extremamente valiosos graças ao material do qual eram feitas, a prata. O pesquisador afirmou que no século XVIII a Mantiaria guardava consigo uma baixela de prata considerada de uso ordinário, cotidiano. Outra, mais valiosa, ficava guardada no Tesouro do Paço de Belém. Muitos estudos já frisaram a importância e a materialidade que as baixelas – ou os serviços de mesa – régias assumiam nas monarquias e em suas refeições: o caso português mais comentado é o da baixela adquirida na França nos Setecentos, feita por François Thomas Germain. Para mais: GODINHO, Isabel da Silveira. A baixela de Sua Majestade Fidelíssima: uma obra de François Thomas Germain. Lisboa: Instituto Português do Patrimônio Arquitectônico, 2002 (399 pp).

17 FERNANDES, António Teixeira. “Ritualização da comensalidade”. Porto: Universidade do Porto, S/D,

p. 13 (24 pp).

18 Mais informações sobre este oficial mor da Casa Real podem ser encontradas no Anexo III dessa

como “Expediente da Mordomia Mor” ou “Secretaria dos Filhamentos”. Para confeccionar nosso organograma, optamos pela designação “Mordomia Mor”19.

Houve, inclusive, um regimento específico para o ofício de Mordomo Mor da Casa Real Portuguesa, redigido a mando do rei D. Sebastião em 1572, e que foi usado até a extinção da Casa Real, em 191020. O documento apontou que todo o processo de análise de um pedido de foro, até que se definisse pelo despacho ou pelo indeferimento, envolvia uma série de análises, nas quais certamente era esperado que o Mordomo Mor fosse auxiliado por este grupo de oficiais pertencentes à Casa Real para tratar, especificamente, dos filhamentos21. O regimento mostrou que cabia ao Mordomo dar prosseguimento a todo o processo, estudando o caso e o merecimento do foro. Caso fosse preciso consultar o monarca, todas as informações necessárias para a decisão soberana deveriam já ter sido colhidas: “Todos os Filhamentos, que Eu houver por bem fazer, serão por consulta verbal do Mordomo Mor, ao qual só pertencerá o falar-me em semelhantes negócios: a ele se lhe remeterão as petições, e as examinará em sua casa, e tomará lembrança da qualidade, serviços, e mais merecimentos de cada uma, para mo fazer presente, e se resolver o que Eu for servido22”.

Um aspecto importante que a documentação do ANRJ revelou foi o fato de que esse expediente da Mordomia Mor teve enormes dificuldades para funcionar no Rio de Janeiro dentre os anos de 1808 a 1821, especialmente no que dizia respeito à questão das moradias. Aparentemente isso se deveu, em grande parte, pela falta de documentação que desse suporte para o a análise dos pedidos que ali circulavam; papéis que por várias vezes foram solicitados junto ao governo sediado em Portugal, mas que nunca chegaram ao Brasil. No ano de 1817, por exemplo, Joaquim José de Azevedo, Visconde do Rio Seco foi chamado a dar um parecer sobre um requerimento. Nele, o mesmo afirmou que a falta de subsídios impedia o atendimento às súplicas que chegavam a esta repartição, e que tudo estava na dependência dos Governadores do Reino enviarem para o governo régio no Rio de Janeiro a documentação que há muito estava sendo solicitada:

19 Repare-se que, no organograma, o ofício do Mordomo Mor está ligado ao grupo da Mordomia Mor,

mas se encontra fora dele. Optamos por colocá-lo desta maneira no instrumento de pesquisa devido a sua importância como maior oficial da Casa Real, mas também ligado ao despacho da Mordomia.

20 BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Mordomia Mor da Casa Real foros e ofícios 1755-1910. Lisboa:

Tribuna da História, 2007, p. 19 (2 volumes).

21 Regimento do Mordomo Mor da Casa Real. ANRJ, Coleção “Diversos SDH Códices”, Códice 755. 22

Manda V. Maj. que Eu Informe o requerimento junto de Isidoro da Costa e Oliveira, Criado Particular [ilegível] e Rei de Armas Portugal, no qual pede ser pago da [ilegível] que lhe pertence pela Armaria, de 19 de junho de [ilegível] em que foi provido no referido lugar. Já em outros requerimentos que o suplicante tem [ilegível] para o mesmo fim se lhe tem respondido (...) que nenhuma pessoa tem cobrado moradia; a exceção daquelas a quem V. Mag., por graça especial lhe tem feito mercê (...). A razão de não ter formado a folha das moradias, é não haver dados para se fazer – não [ilegível] culpa do Escrivão dos Filhamentos que em virtude das [ilegível] representações, tem ido repetidas ordens, pela Secretaria de Estado, aos Governadores do Reino, para virem as cópias das ditas folhas dos anos de 1804, 1805, 1806 e de alguns Papéis mais dos Filhamentos. Até o presente não tem vindo Resposta e para tanto o Escrivão dos Filhamentos não sabe formar a referida folha23.

A locomoção da realeza pela cidade também era uma importante atividade do cotidiano régio e ocupava uma série de oficiais da Casa Real. Cabia às Reais Cavalariças a guarda, a manutenção e o trato com os itens necessários ao transporte da realeza, tais como animais, seges, carruagens, carrinhos, acessórios para montaria e para compor o acompanhamento da realeza em suas saídas pela cidade. Pela presença de