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CAPÍTULO 1. O ESTADO DA ARTE

1.2. GUERREIRO E AS INSTITUIÇÕES

Ao tratar do desenvolvimento da produção de Guerreiro Ramos, Maio (1997) apontou para uma jornada inicial na qual ele estaria influenciado pela sociologia norteamericana, sobretudo por Donald Pierson17. Maio afirmou que

foi “nessa fase (início da década de 1940) de identificação com a Escola Sociológica de Chicago que Guerreiro Ramos passou a considerar que o preconceito racial no Brasil estava mais próximo de aspectos de natureza econômica e cultural do que propriamente racial” (MAIO, 1997, p. 5).

Guerreiro Ramos também se encontrou entre a posição de intelectual e de técnico do DASP18. Para Maio, esta existência dicotômica sofreria solução

de continuidade “a partir de seu engajamento político no Teatro Experimental do Negro” (Idem, ibidem). Como afirmamos anteriormente, Guerreiro Ramos veio a efetivar sua participação no TEN apenas no final da década de 1940.

De certo modo, o que se afirmou é que a obra e trajetória de Alberto Guerreiro Ramos se fizeram notar pela avaliação de suas posições institucionais. Em geral, estas procuraram marcar as instituições nas quais ele teve passagem. Assim, alguns comentadores elaboraram e reproduziram a ideia de que Guerreiro Ramos esteve entre dois (ou mais) mundos, duas ou mais referências, ou ainda duas ou mais necessidades.

Tenório (2010) avaliou o período entre as décadas de 1940 e 1950 no que se refere à participação de Guerreiro Ramos no DASP, como assessor da presidência da República19. Além de comentar a produção deste na Revista do

Serviço Público (RSP), ele teceu comentários sobre a posição em que ele se encontrava.

Afirmou-nos que

No período delimitado por este estudo, 1943-1951, no qual Guerreiro Ramos atua como burocrata no DASP, o autor escreve artigos e comenta livros para a Revista de Serviço Público (RSP), editada por esse Departamento. São textos que denotam, sobremaneira, o início de uma produção intelectual de aproximação da Sociologia aos estudos organizacionais, por um lado e, de outro, intentos de demonstrar a necessidade do sociólogo atuar de forma engajada com os destinos do país. Tais textos, ainda que possam ser considerados “preliminares” de um saber em formação no Brasil - qual seja, o estudo das organizações públicas (TENÓRIO, 2010, p. 35).

18 O Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) foi um órgão em nível federal estabelecido com propósito de racionalizar os trabalhos desenvolvidos por servidores federais. 19 Guerreiro Ramos esteve na assessoria da presidência da república entre 1951 e 1954.

No entendimento de Tenório, as necessidades materiais e também de desenvolvimento intelectual levaram Guerreiro Ramos aceitar as condições de um técnico em uma instituição pública. Não foi esta a escolha prioritária dele, mas após ser preterido à carreira de professor na Faculdade Nacional de Filosofia, Guerreiro Ramos foi admitido no Departamento de Administração do Serviço Público.

Então, ávido pelo trabalho de caráter acadêmico, de pesquisa e também por contribuir ao desenvolvimento da nação, Guerreiro Ramos escreveu uma série de papers na RSP (Revista do Serviço Público). De acordo com Tenório, suas contribuições na revista se deram no sentido de proporcionar aos servidores públicos acesso a leituras sobre a vida social que estavam pobremente difundidas no ambiente da administração pública brasileira de então. Decorre daqui a opção de Guerreiro Ramos por uma escrita mais simples, muitas vezes informativa, ao invés da quase hermética e erudita escrita acadêmica.

O que destacou no momento, ainda de acordo com Tenório é a dualidade de inspirações de Guerreiro Ramos. Tenório sintetizou a dualidade a partir das posições de Guerreiro da seguinte maneira:

Assim, tentaremos perfilar este momento da vida profissional de Guerreiro Ramos não somente como burocrata, assinando processos no DASP, mas como intelectual que deseja contribuir para que o país saísse, à época em que escrevia, daquela dependência que por pouco não se tornou “natural” (Idem, ibidem).

Este tinha no serviço cotidiano no DASP motivo de desgosto pela administração pública. Então, optou por colocar a prova sua formação acadêmica. Na medida em que suas publicações eram destinadas a público mais amplo que o acadêmico, fazia-se necessário oferecer rigor e outro tipo de

formalidade. Assim, Guerreiro deu início – dentro de uma instituição pública que lhe permitia exercitar o ofício intelectual ao mesmo tempo em que lhe fazia agir como operador de sistemas administrativos – a seu entendimento sobre o Brasil e outros temas. O argumento de Tenório é que, no fundo, Guerreiro Ramos pretendia ser conhecido através de obras de maior envergadura e densas, talvez teóricas, produzir reflexões sobre um Brasil em formação e sobre uma sociologia por meio de pesquisas. Por outro lado, entendemos aqui que a passagem de Guerreiro Ramos por órgãos da administração pública lhe permitiu vivenciar coisas que escapam aos homens (e mulheres) da academia.

Mais ainda, Guerreiro Ramos, ao se posicionar como um técnico da administração pública não o fez em exclusividade. Outros pertencimentos se fizeram notar em sua obra. A própria preocupação com a dependência característica do Brasil motivava-o em suas investigações. Tanto que na década de 1950 ele participou da fundação e desenvolvimento do IBESP e do ISEB, órgãos conhecidos em meios acadêmicos pelos trabalhos em torno das questões sobre o desenvolvimento nacional.

Curioso notar que esta preocupação também se evidenciava no mesmo período em outros contextos, vide as propostas da negritude e dos estudos decoloniais etc. De certo modo, havia um elemento presente na obra de Guerreiro Ramos, autores da negritude, nas lutas por descolonização africana caracterizada pela incorporação e desconstrução (crítica e ressignificação) de modelos de compreensão que contribuíram para legitimar hierarquias raciais.

A questão que coloco aqui é: Guerreiro Ramos teria se aproveitado das suas alocações profissionais20 – que não eram as inicialmente por ele

20 Refiro-me ao período que compreende a contribuição de Guerreiro Ramos no Brasil, antes de seu exílio nos EUA.

desejadas – para interferir no debate sobre o desenvolvimento e dependência nacionais como um intelectual? Se a resposta é afirmativa, qual a importância dos estudos sobre as relações/hierarquias raciais no Brasil para Guerreiro Ramos? Uma vez que tais estudos decorrem de (ou foram construídos em) posições aparentemente incongruentes ocupadas por ele essa questão merece ser aprofundada.

1.3. PERSONALISMO NEGRO OU ASSUNÇÃO DA EXISTÊNCIA