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A pesquisa apresentada neste artigo buscou comprovar que as confe- rências nacionais de políticas públicas impulsionam a atividade legis-

lativa do Congresso Nacional, fortalecendo, assim, através de uma prática participativa e deliberativa, a democracia representativa no Brasil. Para além da demonstração empírica, algumas questões teóri- cas se afiguraram importantes diante dos dados. Estes, afinal, parecem contribuir para desconstruir o discurso de que a democracia represen- tativa e suas instituições encontram-se em crise no Brasil, assim como o argumento de que a representação política é uma alternativa second best diante da impossibilidade fática de estabelecerem-se nas socieda- des contemporâneas formas diretas de democracia que facultem a par- ticipação dos cidadãos sem a mediação de representantes eleitos.

Ademais, os dados apresentados permitem questionar a validade da premissa de que formas participativas e deliberativas de democracia seriam substituíveis à representação política tradicionalmente exerci- da no Poder Legislativo. Com isso, espera-se que esta pesquisa contri- bua para revalorizar o Poder Legislativo brasileiro, contribuindo para o aumento da confiança popular no Congresso Nacional, mostrando como o mesmo é receptivo e permeável às demandas expressas em prá- ticas participativas dos cidadãos e em instâncias deliberativas da soci- edade civil. Esperamos, assim, fortalecer as instituições políticas do país, mostrando que práticas participativas e experiências deliberati- vas devem ser institucionalizadas, passando a compor a estrutura dos poderes do Estado, sem depender da vontade política de governos que sejam menos ou mais favoráveis a elas.

No que tange especificamente aos impactos das conferências nacionais de políticas públicas sobre a atividade legislativa no Brasil, pode-se constatar que estamos diante de fenômeno novo e de enorme potencial no que concerne ao aprofundamento do exercício da democracia no país. Não apenas as conferências têm influenciado a iniciativa de pro- posições no Congresso Nacional, mas também o têm feito de maneira relativamente eficiente, uma vez que diversas proposições aprovadas, além de emendas constitucionais promulgadas, são tematicamente pertinentes a diretrizes extraídas das diversas conferências.

A pesquisa permite perceber que a participação social não deve ser compreendida como o oposto da representação política – ou seja, que não há antagonismo entre participação e representação – e, especifica- mente, que representação não implica não participação e vice-versa, isto é, que participação não implica não representação. Práticas parti- cipativas e deliberativas como as conferências nacionais reproduzem

internamente uma lógica representativa semelhante àquela adotada no Poder Legislativo, porém seu diferencial reside a) menos no aspecto da suposta ausência de mediação eleitoral e partidária entre as prefe- rências dos cidadãos e a ação dos representantes, e b) mais na qualida- de das deliberações produzidas, na especialização dos temas debati- dos e na possibilidade de alteração das preferências dos cidadãos ao longo do processo, na medida em que se encontram expostos a infor- mações produzidas por setores da sociedade civil diretamente envol- vidos com o tema objeto da prática participativa em questão, no caso as conferências nacionais.

Indo um pouco mais longe, pode-se rogar que o tipo de representação exercido nas práticas legislativas deve servir de insumo para fortalecer a dimensão deliberativa do processo legislativo do Congresso Nacio- nal. A identificação da dimensão propriamente deliberativa das práti- cas participativas como as conferências nacionais permite delinear melhor os pontos de contato entre os chamados modelos participati- vos e deliberativos de democracia, e entre esses e a democracia repre- sentativa. A dimensão deliberativa é inerente às práticas participati- vas, e estas devem ser concebidas como inerentes às instituições repre- sentativas. A representação política deve conter dentro de si o que se chama de participação social, e esta deve necessariamente envolver ex- periências deliberativas. Em outras palavras, democracia representati- va, participativa e deliberativa são modelos teóricos que devem ser conciliados na prática. E as conferências nacionais provam que isso é possível.

(Recebido para publicação em julho de 2010) (Reapresentado em abril de 2011) (Versão definitiva em agosto de 2011)

NOTAS

1. A aplicação clássica dos modelos informacionais ao Congresso é de Keith Krehbiel (1990).

2. Para um bom survey desta literatura, ver Leonardo Santos (2008).

3. O pressuposto mais usual, e com o qual trabalhamos, é que w é a realização de uma variável aleatória uniformemente distribuída com suporte em [0,1]. Para uma dis- cussão das implicações desse pressuposto, ver Jonathan Bendor e Adam Meirowitz (2004).

4. Para a aplicação de modelos informacionais para o entendimento de etapas funda- mentais do processo legislativo no Brasil, ver Santos e Almeida (2006) e Almeida e Santos (2009).

5. Ver a obra seminal de Kenneth Arrow (1951).

6. A referência obrigatória aqui é Richard McKelvey (1976).

7. O livro de 1958 na verdade é a divulgação em livro de vários artigos que o autor de- senvolveu em anos anteriores.

8. Para uma exposição didática da análise espacial, ver Melvin Hinich e Michael Mun- ger (1997). A obra de referência com aplicação para o caso do bipartidarismo caracte- rístico da política norte-americana é de Anthony Downs (1957). No caso multiparti- dário e formação de coalizões, ver Norman Schofield (1993).

9. Para uma defesa da unidimensionalidade na política norte-americana, ver Keith Po- ole e Howard Rosenthal (1997). Para o caso das democracias multipartidárias euro- peias, ver Michael Gallagher, Peter Mair, e Michael Laver (1995).

10. Para uma defesa da unidimensionalidade da disputa partidária no Brasil, especial- mente em eleições presidenciais, ver Santos (2008).

11. Para uma exposição sucinta das regras que um processo decisório deve seguir tendo em vista superar os ciclos, ver William Riker (1982). Para uma excelente crítica deste trabalho, especificamente sobre suas consequências antidemocráticas, e ao mesmo tempo relativizando a importância das regras no mundo real, ver Gerry Mackie (2003).

12. O ISEGORIA, banco de dados sobre participação social e produção legislativa, é um dos produtos finais da pesquisa descrita neste artigo. Confiando que o valor do ban- co de dados transcende o seu uso para fins acadêmicos decidiu-se torná-lo público na rede mundial de computadores, o que foi possível com a criação de um sistema ope- racional próprio para o banco de dados nomeado ISEGORIA. Ao torná-lo acessível na internet, espera-se contribuir para a democratização do processo de formulação das políticas públicas no Brasil, dando a conhecer aos agentes do Estado as deman- das legislativas da sociedade civil, e aos atores desta as proposições legislativas que as contemplaram (na forma de leis e emendas constitucionais) e que ainda podem vir a atendê-las (por se encontrarem traduzidas em projetos de lei e propostas de emen- das à Constituição).

13. Os dados referentes à produção legislativa total do Congresso refletem o corrente do dia 19/10/2009.

14. Questão interessante surge no sentido de inquirir se os grupos sociais representados nas conferências nacionais seriam de fato autônomos ou se sua ação denotaria mo-

dos alternativos de atuação partidária na política nacional. Não postulamos de ne- nhum modo que as forças atuantes nas conferências seriam despidas de inclinações ideológicas ou preferências partidárias. De fato, diversos mecanismos da democra- cia representativa, tal como a conhecemos atualmente, sofreram transformações esti- muladas pela ocupação pelos governos nacionais de partidos compromissados com mudanças institucionais. No Brasil, em particular, Avritzer (2009) já demonstrou que a variável partidária é importante para entender por que há graus diferenciados na adoção e institucionalização de práticas participativas em diversos municípios. O ponto do presente artigo, entretanto, não é o de identificar as raízes partidárias de al- terações institucionais. Trata-se de mostrar como o sistema representativo pode ab- sorver pressões, sugestões e postulações da sociedade civil, sem risco para a estabili- dade institucional e com ganhos para o processo decisório em políticas públicas. Ademais, é preciso lembrar que os temas tratados pelas conferências e absorvidos pelo Congresso escapam à tradicional clivagem governo/oposição ou ao clássico

continuum esquerda/direita, sendo, em geral, objeto de aprovação consensual.

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