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2 UMA LEITURA DA TEOLOGIA A PARTIR DO REVERSO DA HISTÓRIA

2.3 Gutiérrez pesquisa a fonte profética de Bartolomeu de Las Casas

Segundo Gutiérrez, Bartolomeu de Las Casas60 foi o primeiro a intuir a Teologia da Libertação ao buscar os direitos dos índios, denunciando que a razão principal da exploração e da morte prematura dos índios foi a cobiça pelo ouro. Las Casas viu no índio o pobre, a relação direta com o Evangelho. Segundo o autor, a América Latina carrega em si marcas de seu passado, heranças deixadas pelos tempos da colonização. Tudo isso ocasionada pelas ―descobertas‖ principalmente por Cristovão Colombo, cuja dominação se deu através da exploração dos mais fracos: com trabalhos forçados, escravidão, morte injusta.

O autor fez um relato minucioso dessa época em seu livro ―Em busca dos Pobres de Jesus Cristo‖ 61, resultado de mais de vinte anos de pesquisa, onde destaca a perspectiva

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LIBANIO, João Batista. 40 anos da Teologia da Libertação: Ontem e hoje. Disponível em: <http://www.jblibanio.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=162>. Acesso em: 11 de junho de 2012.

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Bartolomeu de Las Casas. Las Casas nasce em Sevilha, na Espanha, em 1484. Em1502, com apenas 18 anos, parte para a América. Foi acolhido com a e amabilidade dos nativos da terra. Percebe em seguida que os espanhóis só falam do ouro, de riquezas e como explorá-las. Em 1503, Las Casas é catequista e ―encomendeiro‖ na cidade de Concepción de La Vega.Em 1506-1507, viaja a Roma e é ordenado padre. Exerce seu papel religioso unido ao de colonizador, embora em sua biografia afirme que nunca tratou os índios com violência. Em 1510, chegam os primeiros missionários dominicanos. Em 1513, Las Casas assume nova missão. Vai ser capelão militar e parte com a tropa para Cuba, com a missão de pacificar os índios, catequizando-os, confortando e catequizando os soldados. Em 1524, Las Casas faz sua profissão religiosa na ordem dos dominicanos. Em 1543, foi nomeado bispo de Chiapas, no México, permanecendo dois anos à frente da diocese. Las Casas foi também um grande escritor. Seu pensamento vai entrando em polêmica com os opositores dos índios,trava debates com os filósofos e teólogos de Salamanca, contrapõe-se a muitos religiosos dentro da própria ordem e exige que os políticos façam leis para proteger e respeitar os direitos dos primeiros habitantes da América. GUTIÉRREZ, Gustavo. Em Busca dos Pobres de Jesus Cristo, (tópicos) p.7-87.

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Nesse livro, o interesse está voltado para as reflexões que surgem ao compasso da vida agitada e combatida de Las Casas, como diz em seu testemunho. Passou indo e vindo das Índias a Castela e de Castela às Índias muitas vezes.Para seguir precisamente o desenvolvimento de suas ideias, deve-se tomar conhecimento dos dados cronológicos dos acontecimentos vividos por Bartolomeu de Las Casas, destacando-se nele o combate travado no século XVI pelos direitos dos índios. Esteve adiante de sua época e usa uma linguagem contemporânea quando falou do direito das nações índias de serem diferentes, reivindicava as liberdades e se mostrava sensível às dimensões históricas da fé. Las Casas soube vivenciar a fidelidade ao Senhor. A variedade dos desafios que enfrentou fez com que Las Casas apelasse para múltiplos aspectos do pensamento de seu tempo. Trabalhou e

missionária de Bartolomeu de Las Casas, onde defendeu o princípio ético, jurídico e religioso dos índios. Para ele, era necessário garantir aos índios os verdadeiros direitos.

Na concepção de Las Casas, a liberdade pressupõe que o ser humano nasça e cresça livre, até que se prove o contrário. Seguindo as ideias de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, defende que o homem é naturalmente um ser social. Entende que as relações da Espanha e da Igreja não poderão ser de dominação, mas de serviço à comunidade dos povos americanos.

Gutiérrez vê em Bartolomeu de Las Casas o primeiro pensador, "um gênio espiritual", um idealizador da teologia para a libertação. Gutiérrez demonstra sua admiração por Las Casas, pela sua atuação junto aos índios, por sua forma de pensar, sua visão de mundo, por toda a perspectiva missionária, por toda a forma de sentir os problemas que os índios tiveram com a vinda dos espanhóis, que resultou em exploração, miséria e morte.

Segundo Gutiérrez, Las Casas ―antecipou-se na Teologia da Libertação ao defender os índios maltratados pelos encomenderos espanhóis, nas recém descobertas e conquistadas terras do Novo Mundo‖.62

Apesar de já passados cinco séculos de distância, a realidade se assemelha muito ao contemporâneo, sobretudo no que diz respeito à pobreza e à exploração.

Las Casas viu na figura do índio o pobre, segundo o Evangelho. Desde que ingressou na vida religiosa dominicana, passou a se dedicar à causa indígena, defendendo-lhes a vida, a liberdade e a dignidade. ―Foi movido pela caridade de Jesus Cristo, que medida desconhece nem descanso quer enquanto aqui peregrina‖.63 Ele não negou esforços para salvaguardar a vida e a dignidade dos índios, o que o levou a viajar muitas vezes à Espanha, com objetivo incessante de defender os índios.

A experiência dele junto aos índios, levou-o a perceber que sua missão não era de anunciar o Evangelho exclusivamente à população indígena, mas também aos peninsulares, caracterizados na época como os não cristãos. O que fez com que Las Casas se perguntasse ―quem são os verdadeiros idólatras, os índios que seguem suas próprias religiões, ou os que se dizem cristãos, mas na prática cultuam o ouro?‖.64

Pois, segundo a Bíblia, idolatria é colocar a confiança em outros valores, ao invés de ser em Deus.

Las Casas fez fortes relatos sobre a situação indígena, as mortes prematuras injustas, e as humilhações que sofreram. Essa situação devastadora também levou o grito de socorro de

retrabalhou seus pontos, polemizou seus adversários proveniente de diferentes pontos do mundo intelectual. A reflexão de Bartolomeu acompanhava bem de perto os problemas que se apresentam a sua prática missionária e a sua consciência cristã. GUTIÉRREZ, Gustavo. Em Busca dos Pobres de Jesus Cristo (11-9).

62

GUTIÉRREZ. Gustavo. A Densidade do Presente. p.11.

63

(Carta AL Consejo, 1531, V 43ª), apud. GUTIÉRREZ, Gustavo. Em Busca dos Pobres de Jesus Cristo. p.7.

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Montesino65, que motivou outros frades dominicanos, vindos da Espanha em 1510, a trabalharem em defesa dos índios.

As reflexões de Las Casas oferecem oportunidades para aprofundamentos dos acontecimentos do século XVI, que envolveram a vida e a morte da população indígena. Gutiérrez demonstra uma grande admiração pela história do século XVI, amplamente retratada através de mais de vinte anos de estudos e de trabalhos de pesquisas, destacando-se, sobretudo, a todos o contexto da época, que levou a inspiração de seu livro, ―Em Busca dos Pobres de Jesus Cristo‖.

Gutiérrez, como Las Casas, também se viu diante dos ―pobres de Jesus Cristo‖, onde o interlocutor da história é o pobre, a ―não pessoa‖, o ―não existente‖, o ―não valorizado‖.