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3. O CAMPO PROFISSIONAL SUBSIDIA OS DADOS PARA O ESTUDO E

3.2.4. Há interação entre os alunos, planejada pelos

O tempo a que se refere Rodrigues, citado anteriormente, precisa ter a dimensão do olhar sobre as estratégias que os professores têm construído. Muitas

vezes o professor não consegue partilhar suas experiências e prejudica o aflorar das surpresas que o contexto da prática lhes revela. Partindo de uma filmagem e do registro fotográfico das atividades da professora Recriar, percebemos a relevância da estratégia desenvolvida e como as atividades em grupo podem revelar o potencial dos alunos com déficit intelectual. Entretanto, com a falta do tempo para a socialização e observação da prática, a estratégia ficou no âmbito do registro pelos alunos e pela professora. Na contingência deste trabalho, a atividade veio à tona, sendo destacada como uma “boa prática” face ao envolvimento de todos os alunos na produção do teatro e do jornal falado, com destaque para a oralidade dos alunos com déficit intelectual.

Acredita-se que o fator tempo para reflexão seja determinante para o que se evidenciou no mapeamento das informações. Os professores pouco ou quase nada argumentaram quanto à questão da interação entre os alunos. Evidenciaram-se poucas estratégias de interação entre os alunos, planejada pelos professores. Constatou-se a partir da planificação que objetivou a análise dos dados, que as interações planejadas pelo professor são quase que inexistentes. Quando as interações acontecem, surgem como facilitadoras do trabalho, por necessidade especial de um aluno que é cego, ou momentaneamente, nas circunstâncias em que o aluno com défict intelectual é auxiliado por um colega. Contudo esse tipo de interação, por parte do colega, não é previamente planejada, ela acontece esporadicamente. Assim se manifestaram os professores:

Qual seria a resposta certa? Ele não consegue, então vamos ver o dos colegas! (Professora Sofia)

Na questão, até já fiz apresentação de trabalho, eles entram no grupo, mas na hora H eles desistem. (Professora Vida)

Nos terceiros anos eu conseguia isso, mas com um aluno que era deficiente visual, encarregava outro aluno de trabalhar com eles, mas eles sempre faziam essa parte oral, às vezes eu fazia. (Professora Love)

A preocupação dos professores, ainda que parcialmente, associa-se à opção por constituir grupos entre alunos que demonstrem paciência, compreensão e aceitação das dificuldades que o aluno com déficit intelectual apresenta. Segundo os professores, existem certas atitudes nos adolescentes que acabam causando constrangimentos aos colegas com déficit intelectual.

Os colegas aceitam os incluídos. A gente não faz distinção, mas eles também têm uma resistência para trabalhar juntos. Tem alguns alunos que gostam e ajudam [...] é uma coisa que eu não interfiro. [...] Para A. e W. é como se eles não estivessem ali. Ninguém quer ficar com eles [...] (Professora Luazinha)

São trabalhos de apresentação, peço que eles leiam livros, façam pesquisa, tragam e apresentem em aula, como são atividades em grupo, eu procuro colocar os alunos com necessidades especiais, junto com os alunos mais acessíveis. (Professora Recriar)

Através do depoimento da professora Imagem, observamos que em disciplinas onde há mais liberdade para criar e partilhar a realização das tarefas com os colegas, de forma espontânea, o aluno com déficit intelectual se favorece deste momento, mantendo-se participativo e produtivo:

A gente trabalhou os índios e eles tem o calendário por estações do ano. Eles tinham que fazer o calendário da vida deles, com as coisas boas e ruins. E foi interessante porque o Ed. Sentou com os colegas e perguntavam para ele o que tinha acontecido nos meses, e ele foi representando com desenhos. Tem algumas coisas que te emocionam quando você vê o trabalho. (Professora Imagem)

O cenário das “boas práticas” nesta parte do estudo revela que não há planejamento de interação entre os alunos por parte do professor. Todavia, se buscarmos na íntegra da análise até aqui realizada, constata-se que também não há cultura de planejamento colaborativo entre os professores. Mesmo sentindo esta necessidade e tornando-a pública através da confiança que depositaram na investigação, é necessário que se volte atenção para a importância dos momentos de reflexão, oportunizados no interior da escola. Dessa forma, os professores poderão dar-se conta de que:

[...] a presença de alunos que não se enquadram no “menu” existente na escola, pode proporcionar incentivo para explorar culturas mais colaborativas, nas quais os professores se apóiam uns aos outros, experimentando novas respostas de ensino. Assim, as actividades de resolução de problemas tornam-se, gradualmente, em funções definidoras e estandardizadas, que se convertem na cultura que a escola adotpta para promover determinadas formas de trabalho. (RODRIGUES, 2007, p. 18)

3.3. A pesquisa revela as necessidades do contexto e aponta um novo caminho para investigação

Os objetivos estabelecidos para o estudo conduziram a estruturação deste texto dissertativo nas etapas estabelecidas para o trabalho acadêmico. Cada etapa foi planejada e executada tendo como referência o que se estabeleceu inicialmente. Ao lançar-me nas buscas das evidências necessárias a contemplação dos objetivos fixados, deparei-me com outras evidências que o contexto da prática escolar nos revela, pois “a promoção da inclusão é complexa por estar dependente de tantos factores, que a podem fazer avançar ou recuar” (RODRIGUES, 2007, p. 9). Considera-se que em educação é preciso ter confiança dos envolvidos para realizar a investigação de processos essencialmente humanos e que qualquer alteração ou reflexão percebida como necessária, precisa ser cautelosamente abordada, através dos aspectos que merecem ser aprofundados e ressignificados.

Durante a pesquisa os professores revelaram as possibilidades e as condições em que desenvolvem a avaliação da aprendizagem dos alunos com déficit intelectual, incluindo um aluno do terceiro ano do Ensino Médio que é autista. Nos depoimentos dos professores constatamos que o comportamento do aluno ao realizar as atividades em sala de aula é de passividade, apenas copia e na maioria do tempo está “aéreo”. Os depoimentos também revelam as dificuldades que sentem para estabelecer o que o aluno está compreendo acerca do que estão ensinando:

[...] Menino autista é diferente, o caso dele é mais problemático, é muito pouco tempo [...] Eu noto ás vezes que ele está totalmente aéreo, e não sei como chegar nele. Se eu escrever no quadro ele escreve. Se eu paro de escrever, tenho problemas para chegar nele. Ele consegue apenas perceber a questão concreta, mais próxima possível [...] se ele não tiver uma capacidade de abstração, fica difícil de compreender. (Professor Perseu)

Menos com esse aluno, o autista. Com esse eu não consigo, eu me sentia angustiada, pois parecia que ele não estava me entendendo. Mas com os outros eu consegui. Eu acho que satisfez. (Professora Love)

O Ed, por exemplo, não sei o que fazer, ele copia tudo, eu já falei com o Pai para saber o que fazer. Às vezes você dá algo e ele faz, interpreta de alguma forma que pode prejudicá-lo... Fica difícil, eu dou atividades e ele copia mas eu não consigo ver a reação dele, ele não tem resposta. (Professora Recriar)

Um é bem participativo e outros não, um que é autista, mas tem outro autista que é bem participativo, eles são bem diferentes. (Professora Vetor)

O cenário de angústia em relação ao aluno autista, revelado nos depoimentos, associa-se ao desconhecimento dos professores sobre o autismo, suas características e as possibilidades de interação e de intervenção. Diante disso, faz-se necessário envolver este tema nos espaços de estudo e formação que acontecem na escola.

Outro aspecto que despontou como “barreira” ainda a ser transposta para promover a Educação Inclusiva é a questão do aluno com déficit intelectual que revela não ter vontade para aprender. As estratégias desenvolvidas mesmo com a devida diferenciação ou particularização são realizadas pelos alunos, exceto pelo aluno do qual os professores referem, conforme observamos em seu parecer pedagógico (ver anexo 6.9).

Associados aos depoimentos encontraram-se as manifestações dos professores quanto aos vícios que os alunos em geral, apresentam em relação às avaliações. São eles: estudar somente para as provas, realizar atividades somente para obter nota, questionar as formas de avaliação planejadas pelos professores, discutir sobre os resultados da avaliação. Por fim, atitudes e vícios que partem dos alunos e também dos professores resultantes do estigma que avaliação agrega no contexto da educação. Este aspecto não foi tencionado na análise, tendo em vista que o foco da investigação foi à avaliação da aprendizagem dos alunos com déficit intelectual, entretanto a intensidade com que tais eventos apareceram nos depoimentos, merece ser considerada através da reflexão teórico prática.

A tranqüilidade dos encontros com cada um dos professores permitiu que se entrasse no âmago da escola: as práticas de sala de aula. Isto possibilitou identificar aspectos que despontaram nas falas dos professores e que possibilitam novas investigações, com a intenção de clarificar os sentidos que a inclusão assume no interior das escolas e na consciência daqueles que assumem o compromisso de promovê-la.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O transcorrer da pesquisa aponta que será importante a análise e o registro dos apontamentos aqui descritos, junto ao grupo participante deste estudo de caso, a fim de que as constatações depreendidas das experiências pedagógicas analisadas revertam-se em encaminhamentos necessários às propostas de flexibilização do ensino e organização da Educação Especial, no âmbito da Educação Inclusiva. É mister ter-se em mente que não se tratou de prescrever um modelo de avaliação de aprendizagem para alunos com déficit intelectual, mas sim tencionar, a partir da reflexão teórica, aquilo que está acontecendo na escola.Também não é possível estabelecer como garantia de sucesso, que as “boas práticas” identificadas neste estudo, possam ser diretamente transpostas em outro contexto, como se determinam em manuais meramente prescritivos. Isto posto, passo a tecer as considerações de acordo com os objetivos propostos para o estudo.

Ao problematizar a avaliação da aprendizagem dos alunos com déficit intelectual em turmas de anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, possibilitou-se conhecer como a escola vislumbra a avaliação da aprendizagem através da análise preliminar dos documentos escolares e ainda, de como os professores realizam avaliação da aprendizagem de seus alunos com déficit intelectual, através das entrevistas. Desta análise conclui-se que existe um descompasso entre o que está previsto como ideal na Proposta Pedagógica e a dinâmica operacionalizada nas salas de aula, decorrentes da não observação das condições de trabalho que são oferecidas aos professores, em termos de carga horária disponível para realização das flexibilizações curriculares previstas na Proposta Pedagógica da escola. Este descompasso está associado ao descompasso que existe a nível das propostas de inclusão previstas pelas políticas públicas e o que acontece nas escolas.

Ao identificar como se processa a avaliação da aprendizagem desses alunos realizada por professores de diferentes áreas nas turmas referidas e conhecer os resultados das avaliações dos alunos, através da análise dos dados coletados nas

entrevistas, contatou-se que apesar das adversidades do contexto, os professores são detentores de “boas práticas” das quais apresento as seguintes conclusões:

Para realizar o processo de avaliação de aprendizagem dos alunos com déficit intelectual é necessário promover estratégias com objetivos diferenciados e considerar as estratégias de ensino desenvolvidas diariamente, como possibilidades de acompanhar o desenvolvimento e avaliar a aprendizagem. As estratégias devem contemplar instrumentos alternativos ao invés das tradicionais provas, ou provas adequadas ao potencial do aluno. Isto é privilegiar as formas e os meios que facultem a aprendizagem do aluno. Os objetivos devem contemplar ao máximo a integralização dos conteúdos escolares, dando ênfase ao conhecimento útil e necessário associado à vida prática, havendo a diferenciação quando se tratar de conteúdo associado à utilização de competências e habilidades de abstração.

O estudo possibilita afirmar que a colaboração entre o professor de sala de aula e o professor da Educação Especial é fator facilitador da aprendizagem dos alunos e do processo de avaliação, pois a prática analisada evidenciou que o aluno com déficit intelectual necessita do acompanhamento do professor para realizar as atividades avaliativas. Neste aspecto, aponta-se como necessidade a ressignificação dos conceitos de mediação e potencial, visto que tais termos permeiam o discurso e a prática com intensidade, sem que os professores compreendam suas implicações na prática pedagógica. A forma como o trabalho colaborativo entre professores de sala de aula; entre professores de sala de aula e professor da Educação Especial pode ser considerado como “boa prática” e fortalecer-se, na medida em que a interação que já vem se estabelecendo conquiste seu espaço formalizado dentre as atividades escolares. Certamente, em decorrência deste fortalecimento, todos se darão conta de que a interação entre os alunos deve ser planejada pelo professor, e de que o propósito da inclusão educacional consiste em envolver todos na aprendizagem.

“Assim, as escolas sabem mais do que o que usam. Esse princípio é o ponto de partida para desenvolver uma análise detalhada sobre as práticas das escolas. Isto permite, igualmente, que sejam identificadas e compartilhadas “boas práticas”, ao mesmo tempo que se dirige

a atenção para as formas de trabalho que podem criar as barreiras à participação e aprendizagem de alguns alunos. Todavia, como realcei, o foco não deve se concentrar unicamente na prática mas, também, dirigir-se para o desafio do pensamento para além das formas imediatas de trabalho.”

Mel Ainscow Universidade de Manchester, Reino Unido

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