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PARTE 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2. ETAPAS NA GESTÃO DOS DESASTRES E OUTRAS CRISES

2.4. Habitação permanente

Como a própria nomenclatura já diz, sugere-se que as habitações permanentes sejam a etapa final em qualquer reconstrução ou reabilitação preventiva ou pós-desastre (QUARANTELLI, 1982; 1995). Assim, diferentemente da possível

dificuldade de distinção entre abrigos emergenciais e temporários, há uma clara diferença entre habitações temporárias e permanentes, exceto nas ocasiões em que o temporário acaba se tornando permanente em função de falhas de planejamento e gestão. Exceções à parte, nesta etapa, a população afetada ou em risco retorna definitivamente às suas casas reconstruídas ou reparadas no mesmo local onde antes viviam ou em um novo local. Para que seja uma solução definitiva ou mais duradoura quanto for possível, além de alguns dos pontos já abordados referentes às etapas anteriores, há muitas outras questões de mesma ou até maior importância a serem consideradas nesta etapa.

Em caso de ser necessário ou mais viável realocar as populações afetadas por um determinado evento ou que se encontram em risco de o serem, certamente a quantidade de variáveis a serem consideradas é muito maior. A começar pela escolha do terreno, além dos problemas de disponibilidade (BRUN; LUND, 2008; CARRASCO; OCHIAI; OKAZAKI, 2016), é preciso avaliar se o tamanho é adequado não só para o momento atual, mas também para possíveis futuras necessidades de ampliação (OLIVER-SMITH, 1991; KARUNASENA; RAMEEZDEEN, 2010; DUYNE BARENSTEIN, 2015). Além disso é preciso considerar a distância e os acessos aos meios de vida (livelihood), ou seja, locais de trabalho e lazer, escolas, postos de saúde e hospitais, igrejas e templos religiosos, estabelecimentos comerciais e de serviços básicos cotidianos (OLIVER-SMITH, 1991; BOWMAN; HENQUINET, 2015; SADIQI; TRIGUNARSYAH; COFFEY, 2016). Se desconsiderado, este último fator pode causar muitos impactos, como dificuldades financeiras, dificuldades de inserção e manifestação cultural e falta de interação social (PASUPULETI, 2012; ANDREW et

al., 2013).

No caso de reconstrução ou reabilitação in loco, ou seja, no mesmo local onde estavam antes, alguns desafios podem ser menores. Isso porque, nestes casos, geralmente, não é preciso se preocupar tanto com a inserção social da população beneficiária, cujos vínculos são mantidos por já habitarem o local anteriormente, ou seja, não há impactos negativos relacionados aos meios de vida (KAUNASENA; RAMEEZDEEN, 2010). Mesmo assim, se já ocorreu ou existe a possibilidade de ocorrência de algum desastre, é consenso de diversos autores (BLANCO-LION; PELSMAKERS; TAYLOR, 2011; KUSUMASARI; ALAM, 2012; SEÑO, 2014, KAMINSKI et al., 2016) a necessidade de se garantir a resistência ou resiliência das estruturas a prováveis futuros impactos. Em casos de reconstrução in loco como única

opção viável, sabendo-se que riscos de possíveis futuros desastres inerentes ao local se mantêm, promover resiliência se torna um desafio ainda maior, pois deve-se investir muito mais em melhorias em relação ao projeto, aos materiais e tecnologias construtivas.

Em ambos os casos, seja de realocação ou reconstrução in loco, além da resiliência em relação a futuros desastres ou outras crises, um aspecto mais importante nesta etapa de habitação permanente do que nas anteriores é a adequação cultural das soluções ao contexto no qual serão inseridas e às pessoas que farão uso destas. Davis (1980) afirma que este “deve ser o ponto de partida para qualquer estudo sobre construção de habitação ou abrigo” (DAVIS, 1980, p. 37) a fim de evitar rejeição por parte dos futuros ocupantes. Informar-se e tentar compreender os costumes e técnicas construtivas locais é um dos primeiros passos (OLIVER- SMITH, 1991; ZUBIR; AMIRROL; SAMAH, 2006; DUYNE BARENSTEIN, 2015; TAUBER, 2015; RAHMAYATI, 2016) para, em seguida, aplicar este conhecimento através da concepção de espaços (TAUBER, 2015; RAHMAYATI, 2016; KAMINSKI et al., 2016) e da escolha de materiais e tecnologias adequadas (ZUBIR; AMIRROL; SAMAH, 2006; HAYLES, 2010; JABEEN; GUY, 2015). Uma das maneiras mais recomendadas pelos autores de obter tais informações e garantir a aceitação cultural das soluções propostas é interagindo com e estimulando a participação dos futuros moradores no processo.

A questão do envolvimento dos beneficiários durante o planejamento e execução de intervenções habitacionais preventivas ou pós-desastre, embora presente em textos que abordam as outras etapas temporárias já descritas, é fortalecida e recebe destaque nas pesquisas sobre habitações permanentes. Nestes estudos afirma-se que tal envolvimento, além de facilitar o desenvolvimento de soluções culturalmente adequadas, aumenta as chances de que os beneficiários se apropriem destas soluções (OLIVER-SMITH, 1991; SCHILDERMAN, 2004; BLANCO- LION; PELSMAKERS; TAYLOR, 2011) e evita o surgimento ou prolongamento da dependência de ajuda externa por parte dos mesmso (OLIVER-SMITH, 1991; LYONS, 2009; CARRASCO; OCHIAI; OKAZAKI, 2016). Quanto menor esta dependência, maior a autonomia e, consequentemente, maiores as chances de recuperação a longo prazo (ZUBIR; AMIRROL; SAMAH, 2006; DAVIDSON et al., 2007; DIKMEN; ELIAS- OZKAN; DAVIDSON, 2012)

A recuperação efetiva a longo prazo, ou seja, cujos efeitos sejam duradouros e sustentáveis, deve ser o objetivo principal das intervenções habitacionais em situações de vulnerabilidade da população. Porém, a sustentabilidade e resiliência a longo prazo também podem ser comprometidas pela escolha de materiais importados ao invés de locais (AHMED; CHARLESWORTH, 2015) ou pela falta de um planejamento holístico sobre este aspecto (BRUEN; VON MEDING; HADJRI, 2013). O principal fator a ser considerado para garantir que os efeitos positivos das intervenções sejam duradouros é a busca pelo atendimento das necessidades à longo prazo das pessoas afetadas (JABEEN; GUY, 2015; SADIQI; TRIGUNARSYAH; COFFEY, 2016). Assim, o foco também deve estar na recuperação das pessoas, famílias e comunidades, além de suas casas, edifícios públicos e assentamentos.

Promover uma recuperação completa e duradora, “do resgate ao desenvolvimento”, como sugere o título do artigo de Ellis e Barakat (1996), fica mais fácil, porém, se houver continuidade nos processos. Essa continuidade pode se dar justamente através dos tipos de abrigos destacados a seguir.

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